Amor Sulista escrita por Nynna Days


Capítulo 19
Dinnie Ray


Notas iniciais do capítulo

Novo capítulo. *---*



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Capítulo 19 – Dinnie Ray

Se eu ainda precisasse respirar, estaria morta. Carmem puxou mais uma vez as cordas do espatilho, fazendo com que ele se apertasse mais no meu corpo. Escutava a música soando no andar de baixo, mas não me sentia em clima para festas. Estava com a cabeça longe, querendo que ele estivesse por perto.

Me olhei no espelho, vendo o meu rosto sério parcialmente escondido por longo e grandes cachos. Meus olhos estavam em um tom de violeta e meu rosto estava recuperando o leve corado, aos poucos. Tinha as mãos na penteadeira a minha frente para poder me equilibrar, enquanto Carmem só fazia puxar e puxar, fazendo o espartilho quase entrar em minha pele.

“Essa é uma parte do vestuário antigo que eu não sinto falta”, comentei, quando ela terminou de ajeitá-lo e foi buscar o meu vestido.

“Nem eu”, ela disse vindo o vestido em mãos. “Como nos conseguíamos respirar nessas coisas quando éramos humanas?”, ela ralhou se mexendo e se abanando. Então ela respirou fundo e se sentou na cama, sorrindo. “É amanhã”, ela disse sonhadora.

Não me impedi de sorrir de volta. Carmem estava contando os dias na ponta dos dedos. Lia e relia seu discurso para ver se estava tudo certo. Eu não palpitava, era imparcial. Mesmo que no fundo Carmem já soubesse que tem o meu voto. Acho que não existia mais ninguém no mundo vampírico que pudesse cuidar das coisas tão bem quanto Carmem.

Ela levantou os olhos mel e passou a mão pelos cabelos negros, temporariamente lisos. Carmem estava nervosa, isso estava na cara dela, mas em nenhum momento pensava em desistir. Ela voltou a se levantar, andando pelo quarto com o vestido azul de mangas longas bufantes e saia rendada. Era incrível que, mesmo com roupas antigas, ela ainda tivesse um ar de superioridade que muitos Senhores não tinham.

Peguei o restante do meu vestido em cima da cama e Carmem veio me ajudar a vestí-lo, já que o espartilho estava tão apertado que eu mal conseguia me mexer. O vestido que eu tinha escolhido, não fazia parte da minha época. Na verdade, eu não queria nada que lembrasse a minha época. Não que eu a tivesse odiado. Oh, não. Ela que tinha me odiado.

Meu vestido tinha mangas bufantes, sendo que eram curtas. Tinha um belo decote em V, que era rendado e uma costura em baixo dos meus seios, feitos para deixá-los em pé o bastante para atrair olhares. A saia era longa e rodada. Tudo em um tom brilhante de violeta, para que combinasse com os meus antigos olhos humanos.

“Vai ser fácil para você, Carmem”, eu disse enquanto ela terminava de fechar os botões nas minhas costas rapidamente. “Você conviveu com um Senhor tempo o suficiente para saber como funcionam as coisas.”

“E com o seu voto, todos vão me querer mandando naquela bagunça rapidinho”, ela piscou os olhos na minha direção. Vendo a minha expressão séria, ela suspirou. “Só estou brincando.”, então olhou em volta. “Por que você nunca usa esse castelo?”

Também olhei em volta do quarto em que estávamos. Pertencia ao castelo dos Senhores Sulistas. Eu raramente ia ali. Tinha tantas lembranças. Preferia meu pequeno apartamento. Eu sabia que todos os Senhores viviam em seus castelos, mas eu não. Era diferente. Minha vitória como Senhora Sulista sobrepunha a minha derrota com Marco, mas não a fazia menos dolorosa.

“Lembranças demais”, balancei a cabeça e suspirei.

Nesse exato momento, uma vampira jovem entrou no quarto e anunciou com a voz baixa que o salão estava cheio e que todos aguardavam a minha presença. Eu assenti e a dispensei. Ela saiu tão rápido quanto entrou. Colocamos a máscara e eu suspirei.

“Está na hora, Ray”, Carmem disse, pondo a mão em meus ombros e me guiando escada a baixo.

A escada era em forma de caracol, de forma que eu tive que tomar cuidado ao descer. Não tirei os olhos de meus pés, enquanto minhas mãos levantavam o vestido para que eu não tropeçasse. Com um pequeno sorriso irônico, percebi que não havia perdido os hábitos humanos da minha época. Não poderia dizer que Luanne não tinha feito um bom trabalho.

Ela parecia ter estudado cada parte do meu passado e tentado trazê-lo de volta. Desde a roupa dos vampiros ao meu redor, até a decoração e a música que enchia o salão cheio. Olhos multicolores me fitaram quando eu estava no último lance de escada. No fundo, eu sabia que aquilo estava errado. A festa não estava completa sem Daniel.

Só de pensar em seu nome, meu coração deu um leve apertada. Será que ele realmente estava bem? Tinha sido muita sorte que a estaca tivesse errado por centímetros o seu coração. Eu teria morrido junto, tanto fisicamente quanto emocionalmente se não fosse por Marco. Não queria admitir, mas aquele filho da mãe tinha me salvado.

Assim que eu terminei de descer as escadas, parei. Mesmo que tivessem se passado 450 anos, eu sabia que tinha que esperar um acompanhante vir até mim e pegar a minha mão para me guiar ao longo do salão. Um pequeno rastro de esperança se acendeu em mim, mas logo foi apagado quando os olhos azuis de Doug me encararam. Ele estendeu a mão e eu a peguei, mesmo que contrariada.

“Bela como sempre, Dinnie Ray”, ele disse e beijou a minha mão.

“Modesto como sempre, Doug.”, eu disse me segurando para não revirar os olhos.

Ele sorriu e ergueu a minha mão, enquanto passávamos pelo salão, como se fosse a coisa mais preciosa do mundo. Pressionei os lábios juntos, evitando uma careta. Meus olhos pousaram em vários conhecidos e um pequeno sorriso involuntário cresceu em meus lábios. Dália, Dorian, Pietro, a própria Carmem, Patricie com a pequena Laura nos braços. Todos ali, felizes por mais um ano da minha existência.

Doug, elegantemente, me virou e pôs a mão na base das minhas costas me puxando com um força um pouco exagerada. A música local parou e mudou, para uma mais dançante. Como uma valsa. Doug tinha um sorriso tão grande, que fez seu rosto pálido criar cor nas bochechas. Os cabelos loiros presos em um rabo de cavalo despreocupado.

Tentei sorrir de volta. Eu não poderia descontar nele as minhas preocupações. Enquanto dançava, tentava ver se encontrava Luanne, Noah ou... Parei meu pensamento. E se Daniel não tivesse acordado? E se ele acordasse e não quisesse me ver. Ele tinha todo o direito, afinal eu tinha escondido tantas coisas dele. E eu lamentava tanto. Tinha que ter a cabeça no lugar, mas eu simplesmente não conseguia.

A dança pareceu durar uma eternidade, até que a última nota foi ouvida e palmas encheram o salão. Doug fez uma leve mesura na minha direção, que eu retribui, então nos viramos para os vampiros e repetimos o gesto. Ele pôs meu braço em volta do seu e me levou até os convidados. Eu cumprimentava um por um. A maioria já tinha visto na festa de Dorian, ano passado.

Meu sorriso só foi verdadeiro quando chegamos até os meus amigos. Dália e Carmem pareciam pular nos lugares quando me viram. Pietro me olhou de cima a baixo e assentiu, como se aprovasse. Mirella, sua mulher, balançou a cabeça e sorriu também. Dorian tinha um braço ao redor dos ombros de Patricie e tinha um olhar fixo e intenso.

“Estava linda, Ray”, Dália disse. Então se aproximou e disse em um tom baixo: “Onde está aquele belo vampiro jovem de olhos cinzas?”

“Eu- eu não sei”, me senti desconfortável ao falar de Daniel. Todos pareceram perceber, e foram logo trocar de assunto. Carmem olhou para Doug e deu um meio sorriso sexy.

“Vamos dançar?”, ela esticou a mão. Doug olhou para mim, como se pedisse permissão. Eu assenti.

“Claro”, ele pegou a mão dela e eles foram para o salão, onde tocava outra música.

“Essa não perde tempo”, Pietro comentou com seus olhos lilás me estudando de cima a baixo. “Não precisava fazer essa homenagem a minha área.”, ele gracejou.

“É violeta, não lilás.”, eu o corrigi.

“É quase a minha área.”

“Mas quase, não é.”

“Acabou”, Dorian disse e veio me abraçar. “Mais um ano vampiros, Ray. Isso é bastante importante. 451 não se faz todos os dias.”

“Nenhuma idade se faz todos os dias, Dorian”, Patricie disse e veio na minha direção com a pequena Laura no colo. Meu coração se encheu de emoção. A menininha de olhos dourados iguais ao do pai jogou os braços na minha direção e sorriu, com os pequenos dentes de leite. Mesmo com um mês de vida, aparentava ter um ano. “Parabéns, querida.”, ela tentou me abraçar e Laura pegou alguns cachos de meus cabelos, brincando. “Não, meu amor. Não pode”

Eu ri.

“Esqueço como eles crescem rápido”, eu comentei. Patricie olhou para a filha, sonhadora.

“Logo, logo, estará grande o suficiente para ter que ... parar de crescer”

Todos ficamos em silêncio olhando para a pequena Laura brincando com os cabelos da mãe. Sabíamos o que significava. Quando ela atingisse uma certa idade, ela teria que tomar sangue fresco para parar de crescer e se tornar uma vampira completa. Ás vezes, eu acho que fato de Daiene ter parado de crescer muito rápido, foi o que a fez tão imatura.

Me despedi dos meus amigos, sabendo que tinha que andar pelo salão. Dália me olhou engraçado e disse que nos veríamos logo. Comecei a cumprimentar o pessoal e dispensar algumas danças. Não estava com clima para nada. Mas, tinha que ser educada, certo? Caso contrário, Luanne comeria o meu fígado.

Estava tão fascinada com as variações de máscaras, que me assustei, quando alguém pôs a mão em meu braço, me virando. Estava pronta para dar o meu sorriso educado e dizer como era bom a presença da pessoa, quando todas as minhas palavras ficaram presas na minha garganta. A educação virou pavor.

“O que você está fazendo aqui?”, eu sussurrei apressada, olhando ao nosso redor para ter certeza que ninguém tinha notado o meu pânico.

Marco deu um pequeno sorriso e seus olhos cinzas brilharam por debaixo da máscara preta. Ele me soltou e abriu os braços, mostrando a sua roupa de época. Eu não poderia deixar de concordar que ele ficava bem nelas. Mas, o pânico era grande. Eu só não sabia se era pelas pessoas presentes ou por Marco.

“Eu disse que viria”, ele sussurrou. “Pare de se alertar”

Parei de olhar para os lados descontrolavelmente e o olhei com raiva.

“Realmente você é um suicida.”

Marco apenas riu e me puxou para a pista de dança. Eu pensei em puxá-lo para fora (eu tinha força para isso e bastante vontade também), mas então, percebi o porque dele não se alertar. Ninguém o conhecia. Quero dizer, apenas Dorian, eu e Daniel. Nem Luanne, nem Noah sabiam como era Marco pessoalmente.

Quando éramos amantes, eu o mantinha em segredo de sete chaves. Só o mostrei a Dorian quando precisei mantê-lo em segurança na guerra. Os vampiros ao nosso redor mal notaram que eu estava dançando com um assassino em potencial. Olhei na direção de seu pescoço. A gola de sua blusa estava tampando a tatuagem e eu bufei. Ás vezes era mais fácil subestimar Marco.

“Você vai ser morto, Marco”, eu disse, ainda alerta.

“Relaxa, tudo bem”, ele disse tenso. O encarei e ele tinha um olhar suave, quase arrependido.

“Relaxar?”, eu quase soltei um riso amargo. “Você tentou me matar, caso não se lembre. Seu filho está desacordado por causa de sua namorada maluca”

“Aquilo que aconteceu com Daniel foi um acidente”, ele disse olhando além de mim. Os cabelos loiros perfeitamente penteados para trás. Ele voltou a me encarar. “A sua morte não estava nos meus planos.”

“Mas a de Daniel, sim”

“Vamos lá, Ray”, ele disse me rodando. Então, voltou a me puxar contra ele. “Eu salvei vocês dois, não foi?”

“É, Marco”, eu concordei, contrariada. “Mas com que propósito? Você nunca dá ponto sem nó. Iria matar seu filho sem pensar duas vezes, então, em um surto de heroísmo, vem nos salvar e ...”

“A dança acabou”, ele disse brusco e sumindo por entre a multidão.

“Filho da mãe.”

Segurei meu vestido, levantando as pontas e andando apressada por entre a multidão. Odiava o fato de Marco fazer isso. Me deixar sem resposta, ou me interromper quando eu estava tão perto de descobrir as coisas. Talvez se eu gritasse para segurá-lo, ele não pudesse fugir. Mas, o problema é que, no momento em que agarrassem Marco, iriam descobrir que ele é um tigre. E ele morreria.

E eu não queria isso.

Droga de piedade.

Continuei vagando por entre as pessoas, procurando. Era uma droga ser baixinha. Pensar que, no final, eu estava correndo em direção a minha morte, talvez. Pessoa me encaravam preocupadas, mas eu não parava. O salão tinha que estar tão cheio. Ora ou outra eu trombava com alguém e era obrigada a pedir desculpas. Até que trombei com alguém e me desculpei rapidamente, mas no segundo que eu iria continuar, a pessoa me segurou pelos antebraços.

Eu levantei meus olhos com a intensão de mandar a pessoa me soltar, mas quando meus olhos se fixaram nos cinzas dele, eu relaxei. Eram os olhos certos. Meu coração morto se acalmou e eu pude jogar meus braços ao redor de Daniel e suspirar aliviada.

E Marco sumiu de minha mente como fumaça.


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Notas finais do capítulo

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