Vocaloid A Nova Ordem! escrita por backspace


Capítulo 3
O beijo da noite gélida


Notas iniciais do capítulo

Uma boa dica é ler esse capitulo ouvindo Last Night Good Night



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Cada vez mais para longe eu fui seguindo. Estava exausta com fome, meu estomago doía... E sim eu tenho estomago! Tenho tudo que vocês humanos tem! Até os mesmos sentimentos...

‘Céus! Uma fonte de energia! Pelo menos poderei recarregar isso me da algumas horas de autonomia. ’ Tinha acabado de avistar um plug de tomada em uma lojinha muito bonita e de fachada bem simpática. Era no estilo bem retro, janelas redondas... Vitrine com letras em adesivos, e um toldo listrado em vermelho e branco. Nossa Miku como você sabe essas coisas? É... Passem horas sendo obrigados a viver na época em que os humanos dominavam todo o território terrestre, e vocês saberão de muitas coisas.

Logo puxei meu cabo de recarga, em fim meu cansaço se reduziria pela metade. Poucos milímetros para o fim do meu mal estar. Finalmente, senti a corrente entrando em meu sistema e recarregando todos os meus circuitos complexos. Sentei-me na calçada, poucas pessoas passavam, os humanos costumam a sair à noite, o sol se tornou perigoso a pele deles... Bom, não para mim, minha pele é resistente. Humanos não são muito inteligentes destruíram quase a própria proteção, chega até ser um pouco engraçado, eles usam um campo que filtra os raios do sol... Nossa nem percebi que tudo é tão real. Eu estou tocando o chão, estou ouvindo vozes reais, estou sentindo o cheiro de coisas, o barulho, a luz, as poucas pessoas na rua, essa calçada... Ai ela machuca! É dura, eu imaginava algo mais macio, como o chão do laboratório...

-Menina, por que esta sentada no chão? Onde esta sua proteção contra o sol? Vocês esta se sentindo bem? – Disse uma criança que deveria ter uns cinco anos de idade.

Abri minha boca para tentar falar algo, mas nenhuma palavra saiu... Pus minha mão na garganta e forcei falar mais uma vez, balancei minha cabeça negativamente para a garotinha.

-Você é muda?! Coitadinha... Você nem sabe como é a sua voz... Nunca deve ter ouvido ela, né? – Abaixei minha cabeça e afirmei.

-Que pena, eu tenho certeza que uma garota tão bonita como você, deveria ter uma voz linda!

-ALICE! ALICE! - Uma mulher vinha correndo em direção a criança.

-Mamãe olha! Ela não precisa de proteção! – Disse a criança admirada.

A mãe ficou parada, em estado de choque. Sua expressão era de puro terror, seus batimentos aumentavam a cada segundo.

-KIARA! SE AFASTE DISSO! AGORA! – Gritava a mãe sem desfazer sua expressão de horror.

-Mas mamãe...

-AGORA!!! ALICE!

-Mas... – A mãe rapidamente avançou em direção a garota e tomou em seus braços. Virou para Miku e disse.

-Sua aberração! Deixe minha filha em paz! Ilusão de humano barata!

-Não mãaaae! Ela não é robô! Ela é humana! É humana, eu sei! Mãe!

-CALE A BOCA ALICE! VOCÊ PODERIA SER MORTA! –Disse a mulher segurando os braços da criança com força, e olhando com total desprezo para a Hatsune que naquele momento já estava com um nó na garganta, aquelas palavras feriram fundo.

‘Acho melhor eu sair daqui! Já ouvi muito por hoje!’ Retirei meu cabo daquele plug de energia, e comecei a caminhar, aquilo realmente me feriu, passei a vida toda sendo chamada de aberração, boneca de trapos, retalhos de lixo orgânico... Estava andando segurando o braço direito, cabeça baixa, pelo caminho minhas lágrimas formavam uma trilha. Eu já tinha agüentado por muito tempo e agora meu estomago roncava de fome. Afinal energia apenas não me basta, preciso comer. Logo vi umas bancas com maçãs, vermelhas e suculentas que brilhavam com a luz do sol, revelando um vermelho vivíssimo. Meu estomago logo roncou forte e alto, então apertei minha barriga com meus braços, ela estava doendo muito, eu não tinha nenhum dinheiro... Na verdade nem sei como usar... ‘Se ninguém ver... Eu posso sair ilesa... ’ Logo fui me esgueirando até chegar bem perto da banca, me escondi do lado da banca, sorrateiramente peguei uma maçã. Que delícia! Doce! Maravilhosa, suculenta como eu imaginei. Meu estomago gelou na hora em que o primeiro pedaço chegou nele. Uma sensação muito boa de estar saciando minha fome, nunca havia sentido algo tão bom como aquilo, porém apenas uma maçã não me saciaria, ainda tinha muita fome. Logo estiquei meu braço de novo para pegar mais uma, uma figura alta e gorda apareceu na minha frente tampando o sol. Humano! Sabia, pois usava a proteção. Ergui minha cabeça para ver o rosto dele, ele estava com uma expressão horrível, o ódio era extremamente visível:

-Sua robozinha ladra! – Disse ele – Vamos! Fale alguma coisa!

‘Eu não posso falar! Não tenho voz’ Apenas abaixei minha cabeça. Ele rapidamente segurou em meu cabelo e me suspendeu, ele realmente era grande, não por eu estar sentada, mas ele me tirou do chão!

-Um tanto leve para um robô. Você é uma nova linha? Lançamento novo? Qual é seu número de série? – Disse ele gritando enquanto me segurava pelos cabelos. Eu me senti totalmente acuada e impotente. Não posso fazer nada, não tenho força contra ele.

-ANDA! DIZ ALGUMA COISA! – Disse ele seguido de uma tapa na minha cara que me fez cair a 1,5 metros de distancia dele. O lugar que ele acabara de bater ardia como fogo. Então instantaneamente comecei a chorar. Eu não queria, mas foi mais forte que eu, a dor era imensa.

-Essa foi por não me responder.

-E essa é por ter me roubado! – Ele me deu um chute que me arrastou no chão, ralando meu braço. Eu abri a boca sem emitir nenhum som. Olhei para o meu braço ferido e ele me mostrava um “No Data” brilhando em minha pele ralada, droga... Eu realmente não possuo voz, essa mensagem foi a confirmação... “No Data”, rapidamente me levantei. Ele veio em minha direção como um trator, apertou minhas bochechas me fazendo abrir a boca. Tentei mantê-la fechada, mas ele conseguiu abrir e colocou um objeto dentro dela:

-Gosta de roubar maçãs pra comer, não é? Então coma isso! – Ele deu um soco em meu rosto, o que fez o objeto cortar a minha boca inteira, quando cuspi, saíram cacos de vidro banhados em sangue, fiquei em estado de choque. Cai de joelhos e logo depois perdi as forças e se eu não botasse minhas mãos na frente, cairia de rosto no chão, muito sangue saia de dentro da minha boca. Agora além da dor dos socos sentia a dor dos cortes. Ele não parou de me espancar, logo aproveitou que eu estava fraca e caída e chuta o meu rosto, meu maxilar desloca, perco o controle da minha mandíbula e ela fica dormente, se algum dia eu imaginava em falar... Essa possibilidade tinha ido embora! Nunca mais eu conseguiria controlar meu maxilar! Continuo desabando em lágrimas, a dor era intensa nunca senti algo assim. Ele segura no meu braço e aperta com muita força, tanta força que sinto meu sangue ficar preso. Mais um soco no meu rosto, a dor triplica, chutes em minhas costelas me faziam perder o fôlego. Ele me espancou por horas e horas.

Finalmente ele parou... Não por pena ou por que eu estava quase morta, e sim por que ele estava exausto de tanto me espancar. Ele segurou em meus cabelos e foi me arrastando pela rua, as outras pessoas só olhavam para mim com reprovação, apoiavam o que ele acabara de fazer, sabiam que eu não era uma humana... Mas na verdade eu sou! Acho que Infelizmente... Chegamos a um beco muito distante de onde estávamos ele me largou junto ao lixo:

-Esse é seu lugar! Pedaço de metal inútil! – Ele continuou andando e voltou para onde ele nunca deveria ter saído. Porém me deixou com graves ferimentos, eu chorava sangue literalmente, meu braço estava deslocado, meu rosto estava sujo de sangue e poeira, meus cabelos estavam manchados de sangue também, um enorme hematoma tinha se formado em minha perna. O hematoma estava com uma coloração muito escura... Achei que iria perder minha perna! Estava realmente preocupante, meu rosto estava praticamente desfigurado, meu maxilar doía muito, apesar dele ter voltado pro lugar, depois daqueles socos seqüenciais. A dor era muito grande, não conseguia chorar, pois o sangue saia como água dos meus olhos e de minha boca. O corte que o vidro fez na minha boca estava doendo tanto que quase me fez desmaiar. Eu estava passando por maus bocados, talvez se eu morrer não vou sofrer tanto. Que dor!

A noite caia e começava a fazer muito frio, minha capacidade de gerar calor estava comprometida. Nunca senti frio antes, mas agora eu sentia muito, e é a coisa mais devastadora que alguém pode sentir, seus ossos doem, sua carne treme, e no estado que eu estava a dor era quadruplicada.

Comecei a tremer violentamente, de repente senti a presença de algo próximo a mim, abri meus olhos e era um cãozinho que olhava para mim de uma forma piedosa. Parecia que estava entendendo o que eu estava sentindo, ele lambeu minha bochecha, interpretei aquilo como um “Não se preocupe cuidarei de você”, ele limpou meu rosto sem medir esforços, sentou em minha frente me vigiando, era um cão de porte pequeno, porém um espírito valente. Não sei dizer que raça ele era, mas acho que deveria ser um Husky pelas cores da sua pelugem, apesar de ser um simples cão, seu olhar me transmitia segurança.

Mas eu ainda sentia frio, e a noite estava avançando, cada vez que a noite avançava mais eu tremia. Ele se levantou, voltou-se para mim e veio em minha direção, e se deitou bem junto a mim dividindo o calor de seu corpo.

‘Arigato gozaimasu! Arigato Ai-chan!’ Já que ele foi tão cuidadoso comigo merecia um nome... Ai-chan... Engraçado como as coisas acontecem, pensamos que o carinho que merecemos virá do lugar mais obvio que nossas mentes prevêem, mas na verdade vem do lugar mais inesperado que podemos imaginar! No meu caso foi com Ai-chan!

Abracei Ai com as poucas forças que me restavam, ele chegou seu corpo mais junto ao meu, esbocei um sorriso para ele, mas meus músculos doíam muito e não pude manter o sorriso por muito tempo, logo que viu minha tentativa de sorriso abanou seu rabo. Eu estava pela primeira vez na minha vida, segura! Me sentia um pouco melhor, os cortes causados pelo vidro estavam se fechando, meu corpo se recupera um pouco mais rápido que os humanos, logo meu calor corporal estava quase restabelecido. Eu estava esperando ficar completamente bem para agradecer ao Ai pelo que ele fez por mim! Quero falar para ele... Esqueci... Não tenho voz...

Olhei para meu braço, que estava quase curado, “No Data” minha voz... Minha maior expressão. Não estava comigo... Talvez ela nem exista e eu tenha que viver assim, no silencio o resto de minha vida. Não poder falar o que sente... O pior castigo que existe a qualquer um! Eu estava ficando cansada:

‘Não! Tenho que agradecer ao Ai-chan! Tenho que ficar acordada!’ Meus olhos começavam se fechar e a sensação gostosa de sono estava tomando meu corpo. Até que eu adormeci.

No dia seguinte acordei com lambidas no rosto. Abri meus olhos e Ai-chan estava na minha frente, muito feliz abanando seu rabo. Sorri para ele! Eu estava completamente restaurada, o abracei devidamente desta vez, me levantei, caminhei até a entrada do beco, Ai me acompanhou. Eu sentia fome novamente, olhei para o lado e percebi que a loja que deva para o beco era um restaurante, e tinha uma porta de acesso que possivelmente era para a cozinha, corri para o fim do beco onde ficava essa porta e para minha sorte ela estava destrancada. Ai veio atrás de mim. Fiz um gesto para ele me esperar e não entrar, ele obedeceu e eu entrei, era um lugar meio escuro, havia uma lâmpada velha iluminando o corredor, e uma forte luz branca saia da ultima porta desse curto corredor ‘Deve ser a cozinha’ pensei eu.

O cheiro de comida era irresistível, dessa vez ninguém me pega! Com muito cuidado fui chegando cada vez mais perto da porta, fui bem encostada na parede andando, até chegar à porta:

-SUSHI PARA A MESA TRINTA E QUATRO – Ouvi um deles gritar.

O barulho de metais batendo era muito intenso, havia também uns chiados, e outros barulhos engraçados, barulhos que eu diria que eram macios e suaves, mas que se podia ouvir a certa distancia. Tomo coragem e decido por meu rosto para conseguir ver a comida. Na hora que eu estava colocando o rosto um clarão de chamas toma o lugar! Levei um grande susto, depois do clarão um grande barulho de chiado começou a tomar conta da cozinha. Tomei coragem mais uma vez, e olhei; a cozinha era grande, tinha enormes balcões, panelas enormes, e um lugar onde eles colocavam os frutos do mar, e era de lá que vinha o barulho de chiado:

-PEDIDO DE YAKISOBA! MESA 06! – O cozinheiro pôs o macarrão numa caixinha.

-É PARA VIAGEM, SOTA-SAM! – Disse outro rapaz fora da cozinha.

-EU SEI JÁ EMBALEI PARA VIAGEM! – Olhei em volta e quando olhei para o lado esquerdo havia um fogão. Nele tinha uma panela com água e a água estava engraçada... Então o barulho suave e macio era o da água... ‘Será que sempre que colocamos a água no fogo ela faz esse barulho ou isso só acontece aqui?...’ Fiquei pensando. Não! Não posso ficar pensando, olhei para o lado direito e tinham cinco daquelas caixinhas que o cozinheiro colocava a comida, e estava cheia de comida! Sorte grande! Era só pegar e sair andando. Cuidadosamente peguei duas, uma para mim e outra para o Ai-chan, e sai andando sem fazer o mínimo barulho.

Ai aguardava na porta, sentado, abri a caixa e pus no chão, ele rapidamente levantou e começou a comer. Me sentei do lado da porta encostada na parede, peguei os hashis que estavam no lado da caixa, abri ela e comecei a comer, Ai terminou de comer a comida dele e ficou junto de mim. ‘Ele não deve comer a séculos, terminou sua comida em segundos’ Logo depois eu estava dividindo minha comida com ele, eu não agüentaria comer tudo. Sorri para ele e ele pulou em mim e começou a lamber meu rosto, eu queria rir, mas não emitia som algum, tudo acontecia, minha barriga contraia, minha vontade de rir aumentava, mas não emitia som algum... Não sei quanto a vocês, mas viver sem poder falar, ou então ouvir sua voz é horrível!

Pela primeira vez estava me sentindo feliz, Ai conseguiu fazer o que meu pa... Digo o que o doutor Hatsu nunca conseguiu. Ele é muito especial para mim! Eu só queria ter minha voz para falar a ele isso! “No Data” Eu sei que ela esta aqui, mas... Esquece... Melhor eu não pensar nisso. Tive que tirar Ai-chan de cima de mim, porque ele não saia, fiquei fazendo carinho nele, esse cão é muito cuidadoso e carinhoso, foi a melhor coisa que aconteceu.

De repente Ai se levantou e começou a rosnar, tinha uma pessoa se aproximando, eu escondi as embalagens de comida e fiquei de pé atrás dele:

-Ora, ora, ora... O que uma garotinha como você faz nesse beco? – Disse um rapaz magricela, com metais perfurando as bochechas e o nariz, usava óculos escuros e cabelos descoloridos com mechas em vermelho, seu nariz era longo e curvado. Usava uma jaqueta de couro preta.

-Zero um... Você não é humana, não é? – Droga ele viu a marca desse maldito número no meu braço! Eu tenho que esconder isso!

-Você não fala? – Ai não parava de rosnar e latir.

-Vejo que não... E isso é bem interessante... – O que ele quis dizer com “interessante”? Ele começava a me olhar de um jeito bem estranho, começava a me dar medo, ele desligou a proteção. Espera aí! Humanos podem desligar a proteção?! Ele começava a avançar para cima de mim, e estava começando a se despir. ‘NÃO!!! ISSO NÃO!’ Eu gritava desesperada em meus pensamentos, fui me afastando até encostar na parede, Ai estava desesperado e latia muito para ele, e ameaçava avançar em cima, mas o rapaz não ligava para ele:

-SAI SEU VIRA LATAS! – Quando ele foi chutar o Ai-chan, ele mordeu a canela do moço magricela.

-AHHH DESGRAÇADO! - A canela dele começava a sangrar, apesar de ser uma pessoa de dar medo, era tão frágil como um copo de cristal ao cair no chão! Logo Ai largou a canela dele e mordeu mais acima bem próximo das partes intimas do magrelo!

-Desgra... – Logo depois desmaiou. Minhas pernas tremiam, eu quase fui violentada em plena luz do dia, minhas mãos tremiam muito. Ai chegou perto de mim e as lambeu, e começou a me acalmar. Eu tinha que tirar aquele cara dali antes que acordasse... Minha sorte que era dia e não havia muitos humanos nas ruas, pude arrastar esse troço até um lugar bem distante, meu Ai ajudou arrasta-lo, realmente ele gosta de mim! Um grande amigo eu consegui, chegava ser um pouco cômico se eu não estivesse ainda tremendo.

Deixamos ele bem distante do beco... Mas infelizmente eu teria que me mudar de lugar, porque esse infeliz com certeza iria me procurar! Comecei a procurar outro lugar para ficar. E achei um. Um pouco distante do centro, incrivelmente ainda existia árvores por ali, era uma colina, de grama muito verde e no alto da colina tinha um pessegueiro. Achei melhor ficar em um lugar escondido do que ficar exposta a todos. Por sorte não muito longe dali encontrei uma loja abandonada. Era grande, tinha muita poeira, estava vazia a única coisa que tinha nela era alguns lençóis, que pra mim é muito útil, e balcões. ‘Ai-chan, achamos um lugar onde podemos ficar!’ Incrível como ele parece que consegue ouvir o que eu penso, ele abanou seu rabo com muita força e vontade. Nossa... Ainda estou no meu segundo dia aqui, e parece que foi uma eternidade. ‘Por que todos tentam me destruir? Eu não fiz mal a ninguém! Os seres humanos se acham racionais, mas na verdade eles são mais irracionais do que uma ameba! Por uma ideia mal formada eles desprezam quem é diferente, e oprimem a minoria!’ Ai-chan se deitava encolhido em cima de um dos lençóis sujos de poeira, já dormia. Afinal ele me defendeu sem medir esforços... Nesse momento eu sorri, tinha achado um grande tesouro, alguém que se importe comigo, mais racional que muitos humanos, com um coração verdadeiro e sincero. Deitei-me próximo a ele, como na noite anterior. Eu estava exausta, pois não tinha recarregado meu sistema, logo o sono veio e me deixou inconsciente.

Acordei no meio da noite, levantei, estava meio tonta, afastei minha franja dos olhos, a rua estava movimentada, pessoas andando e conversando, decidi permanecer imóvel. De maneira nenhuma quero chamar a atenção. De repente um barulho de metal caindo do chão; levo um grande susto:

-Que barulho foi esse?-Um dos humanos pergunta ao outro. Era Ai, ele estava explorando a loja e sem querer derrubou uma lata.

-Não sei... Deve ter algo dentro desse lugar abandonado. – Ele vinha em minha direção, ‘Ai-chan! Eu pedi para ficar quietinho!’ uma expressão de pânico começou a se formar em meu rosto. Ele vinha de língua para fora e abanando seu rabo como de costume.

-Ah cara. Eu não vou entrar lá... – Ouvi um deles dizer.

-Deixe de ser medroso! Eu estou louco para usar isso aqui... – ele tirou um aparelho do bolso, meio obsoleto, uma Tazer.

-Onde você arrumou isso? Não fabricam mais desse!

-Eu sei! Esse aqui é especial, modifiquei a tensão dele! – Disse o garoto dando um sorriso macabro.

-Isso não vai acabar bem...

-Deixa de ser medroso! – Ele começava a entrar na loja.

Ouvi os passos deles se aproximando, logo fiquei imóvel ‘Com sorte eles vão achar que estou desativada’. O garoto com a Tazer caminhava na frente apontando o aparelho na espera de alguém para eletrocutar.

-Kin-san isso não vai acabar bem...

-Fique quieto! – disse sussurrando.

-AHHHHHHHHHHH O QUE É AQUILO! KIN! OLHA O QUE É? – Kin aponta o Tazer e vê um vulto.

-Droga! – Ele ativa a Tazer. O que da uma luminosidade mínima.

Era o Ai, e ele chegava perto dos garotos:

-Uffa... É só um cachorro! O barulho foi o cachorro que fez. Pronto, vamos embora Kin-san! – Ele vira as costas e começa a andar, mas Kin segura em seu pulso:

-Não! Eu tenho que testar a Tazer! – disse ele olhando pro cão.

-Ah não cara! Não! Eu não vou participar disso!

-Cala a boca e fica aqui! Ou você não é um dos águias?

-Eu sou... - Disse ele abaixando a cabeça. Logo permaneceu em seu lugar.

-Ei cãozinho... Vem aqui vem? – Kin começa a chamar o Ai, estala os dedos e assobia.

-Não cara! Por favor, o cão não!

-Você quer ficar no lugar dele? – disse em um tom severo e autoritário.

-Não...

-Então cala a boca! – Ai se aproximou dele.

-Muito bem cãozinho! – Ele começou a acariciá-lo. – Fique bem quietinho... Não vai doer... Muito! – Ele liga a arma, começa a aproximar do corpo do cão.

-Ops, acho que pisei em algo... – Disse o garoto que iria fugir discretamente.

-No que você pisou Shino? – Disse Kin sem paciência.

-Nossa é linda!

-O que é linda? – Perguntou ele sem olhar para trás.

-Uma Andróide. Esta empoeirada... Deve estar desativada!

-Ahhh Shino! Uma Andróide?! Pelos céus! Você achou uma andróide bonita?

-Mas ela é! – Disse ele retrucando.

-CALA A BOCA! Eu vou testar meu presente do dia da morte! – disse Kin sorrindo diabolicamente.

-Mas não existe dia da morte...

-Pra esse cachorro vai existir! – A luz azul da Tazer refletia no rosto dele, revelando uma beleza incomparável, porém seu coração era morto, não tinha compaixão de ninguém, nem de si próprio. Tinha olhos profundos, mas dominado pela maldade, seus lábios eram perfeitos, mas deles só sairiam palavrões e ameaças, seu rosto parecia ser de porcelana, mas toda aquela porcelana transpirava perversidade. Cabelos negros como a cor de sua alma obscura. Sua expressão tinha fome... Fome de morte!

Ele começou a aproximar a arma do Ai-chan, que inocentemente permanecia imóvel.

-Cachorro vira lata idiota! – dizia ele rindo, até que encostou a Tazer no azarado cão.

Ai soltou um “grito” de dor, uma enorme descarga elétrica correu pelo corpo dele. Ele imediatamente caiu no chão, e entrou em convulsão. O garoto ria vendo o cachorro em convulsão no chão. Sua gargalhada ecoava pela loja, Ai estava gravemente ferido, a arma abriu um enorme ferimento em suas costelas, ele começava a chorar como todo cão faz quando sente muita dor, porém ele estava sem forças e seu choro saia muito falho, o que preocupava mais porque Ai-chan sempre é forte!

Miku ouviu o choro de seu companheiro. Lágrimas começaram a escorrer de seus olhos paralisados e abertos:

-Kin... A andróide esta chorando... – ele para de rir.

-Impossível! Andróides não choram e esse esta desativado! – Afirmou Kin.

Lágrimas enormes rolavam do rosto da Hatsune. O choro do Ai-chan ecoava em sua cabeça, logo no lugar do medo começou a reinar o ódio. Dos olhos paralisados Miku revelava uma expressão de ódio profundo, e elevou seu olhar com sua cabeça baixa:

-KIN!

-QUE É? ME DEIXA EM PAZ! PRECISO LEMBRAR-ME DESSE DIA! – Regozijava.

Miku se ergue, levanta sua cabeça e a deixa cair levemente para o lado direito, seu olhar era vazio. Rapidamente ela avança e segura Shino pelo pescoço e aperta:

-Crrraac... k...ki...KIN! – Disse ele sendo sufocado. Kin se vira e presencia Miku sufocando Shino.

-DESGRAÇADA VOCÊ NÃO ESTA DESATIVADA! – Avançou com a Tazer e logo descarregou ela em Hatsune. O sistema dela entrou em pane, mas era facilmente recuperado, em poucos segundos ela estava de volta, agora com todo seu sistema recarregado. Ela abaixa a cabeça e fixa o olhar no Kin. Os olhos dela brilham em vermelho:

-DROGA! – Ele ameaça correr, mas antes dele chegar à saída Miku o esperava lá, com Shino sendo estrangulado. Logo Shino fica inconsciente. Kin cai sentado no chão, agora toda a perversidade fora convertida em puro medo.

Ai chora mais uma vez. O ódio de Miku aumenta drasticamente, a ponto de a raiva ser convertida em impulsos elétricos, passando pelos seus circuitos e se tornando cada vez mais forte, a sensação da dor que ela sentia quando isso acontecia reforçava o processo, a mão de Hatsune começa a apresentar raios de eletricidade, ao perceber isso ela eletrocuta Shino. Uma descarga de energia tão forte que ele começa a soltar uma grande quantidade de fumaça, e é carbonizado. Grandes filetes de eletricidade chicoteavam o chão, quebravam as lâmpadas queimadas, destruíam as caixas fechadas.

Kin se sentia acuado e sem ação, sentia medo, estava encolhido, nunca tinha enfrentado algo tão poderoso. Agora aquele garoto grosso se tornou em uma criança apavorada, sua voz mudou completamente, estava tremula e infantil:

-Gomen! Por favor, não me mate! – Pouco ligava para seu amigo que tinha acabado de ser carbonizado e virado cinza.

Um filete de energia vai direto nele dando uma descarga elétrica, mas não era o suficiente para matar. O rosto dela estava mudado, tinha um sorriso diabólico, queria brincar com sua vitima. Ela pega o Shino que estava carbonizado e joga em cima do garoto. Kin apesar de ser um marginal grosso e violento, nunca tinha visto um cadáver na vida, aquela cena foi um choque imenso para ele, pois apesar de ver um cadáver pela primeira vez esse cadáver era de seu “amigo” que querendo ou não era o único que possuía, ele entra em desespero e chora descontroladamente, seu grito de medo era de cortar o coração, dessa vez ele estava sendo sincero tinha medo e não ocultava isso, o choro dele tinha um tom de arrependimento. Em meio a lagrimas e soluços ele pronuncia:

-Desculpe! Desculpe! Eu não sabia... Eu realmente... – Ele estava com seu cérebro totalmente embaralhado. Não sabia em que pensar, muitas coisas passavam em sua cabeça.

A expressão de Miku muda completamente, estava com uma expressão meiga e comovida, se não fosse pela expressão amigável eu diria levemente arrependida. Lentamente ela anda até Kin se abaixa, ele fecha seus olhos esperando um ataque, ela o abraça surpreendentemente. Ele abre os seus olhos com uma feição de espanto. Seu coração batia rápido não esperava aquela atitude. Seus olhos enchem de lágrima, ele realmente se arrepende, muitas cenas passam em sua cabeça, lembranças... Ele retribui o abraço dela se sentindo confortável e sem medo. Ela volta a sorrir diabolicamente quando ele encosta sua cabeça em seu ombro, Miku o segura forte e aplica uma descarga muito forte.

A pele de Kin estava chamuscada, as palmas de suas mãos estavam queimadas, ele tremia isso atrapalhava sua respiração. Ele estava tão desnorteado que as lágrimas escorriam de seu rosto de uma maneira confusa. Não duraria muito. Aos poucos Hatsune estava aniquilando aquele garoto que um dia andava pelas ruas normalmente. Ele então arregala os olhos e da o ultimo suspiro de sua vida, um suspiro desesperado, um suspiro de dor e socorro. Miku sentiu a vida deixando o corpo dele. Ela volta ao normal, não se lembrava de quase nada, só lembrava que descarregou sua fúria. Seu nível de energia estava baixo, tinha usado muita energia, ela vai até Ai, que estava desacordado e sangrando, por um momento ela pensou que seu melhor amigo havia morrido, mas Ai deu um sinal de vida, respirou. Ela logo pegou o casaco que havia caído de um dos garotos e vestiu, cobrindo o numero em seu braço, cuidadosamente pegou Ai-chan no colo e se aventurou pela noite. Por sorte conseguiu achar um centro veterinário. Ela estava suja de poeira e sangue do Kin, mas naturalmente achariam que era do cão. Hatsune entra no centro veterinário, o veterinário estava na recepção, estava encerrando o expediente, ela chama a sua atenção:

-Olá menina! Mas o que você esta fazendo com um cão... – Ele vê o ferimento do cachorro.

-Nossa um ferimento grave – Diz ele examinando Ai ali mesmo.

-Como ele se machucou? – Perguntou o veterinário. Miku olhou dentro dos olhos dele com um olhar muito triste e balançou a cabeça negativamente.

-Você não pode falar... É isso? – Ela afirmou com a cabeça, uma lágrima escorria de seu rosto.

-Não se preocupe menina, vou cuidar dele. Anna prepare os aparelhos, temos uma emergência!

-Sim doutor! – Anna foi para dentro preparar os aparelhos. O doutor tirou Ai dos braços de Hatsune, ela segurou o braço do Doutor antes dele ir e deitou sua cabeça sobre Ai. ‘Até mais tarde amigo!’ O doutor entra com Ai-chan e ela espera sentada no banco da recepção, logo acaba adormecendo, pois sua carga estava muito baixa.

Horas depois o doutor volta e começa a despertar Hatsune:

-Menina! Ei menina? Acorde! – Sacudia ele dizendo. Ela abre seus olhos, tinha recuperado um pouco da energia, estava vendo as coisas embaçadas... Estava acordando ainda.

-Seu amiguinho esta fora de perigo! Consegui restaurar o ferimento, esta totalmente fechado. Você pode pegar ele, não precisa pagar o procedimento, salvar animais é meu trabalho e faço isso por prazer! – Ela sorri para ele e o abraça, após da um beijo em seu rosto. Ai chega andando e quando vê Miku sai correndo e pula nela a derrubando e lambendo seu rosto. Ela ria, mas como sempre não produzia som.

-Melhor se apressar, esta quase amanhecendo, e garanto que esqueceu sua proteção. Ela olha para o doutor agradece a sua maneira e sai rapidamente com Ai-chan no colo.

Ela volta para a loja abandonada, leva os corpos para bem longe e os queima. Quando volta para a loja o sol estava nascendo, e ela finalmente foi descansar.

Uma semana se passou, ela passou por muita coisa, teve que aprender a se defender. Sofreu vários ataques, mas o que marcaria a vida da Miku para sempre seria esse:

Eu estava me escondendo de um grupo antiandroides, eu me descuidei e meu numero apareceu dentro de um restaurante quando eu tentava sair sem pagar. Eu não estava pensando direito e... Voltei para a loja abandonada onde Ai-chan me esperava logicamente que achava que eu traria sua comida como das outras vezes... Mas dessa vez... Eu trouxe os humanos. Quando eu entrei na loja fiquei sem saída, logo eles formaram uma roda e começaram a me espancar até que um deles:

-PESSOAL! Ela não é feia. É bem feita... E muito bem feita... – Disse ele segurando meu rosto com um olhar nojento de sedução. Virei meu rosto pro outro lado.

-Onnt ela é tímida! Você é tímida androide desgraçada? Não se lembra de mim?– perguntou ele com ódio. Olhei bem para o rosto dele e me lembrei. Era o cara que tentou me matar no beco. Não respondi nada, pois não podia.

-Você não fala? Eu sei que você não fala! E repito isso é muito interessante... – Ele começou a desabotoar sua calça. Ai avançou nele, mas foi impedido por um dos integrantes do bando, ele recebeu um golpe o que deixou no chão sem forças. O desgraçado não parou, continuou a desabotoar sua calça. Empurrei ele e recebi uma bofetada no rosto.

-Desgraçada! Vai ter o que merece! Segurem-na! – Logo dois dos caras seguraram meus braços.

-Esta gostando, não é? – Depois de dizer isso ele começou a massagear meus seios. Aquelas mãos nojentas, repugnantes, estavam alisando minhas pernas também, ele começou a tirar minhas roupas. Quando desabotoou o primeiro botão da minha blusa:

-AHHHHHHHHHHHHHHHHHHH! – Os homens que seguravam o braço da Miku foram eletrocutados, ela estava fora de controle.

-O que? Onde aprendeu isso? – Os homens caem mortos, Hatsune estende sua mão e segura na perna do rapaz que tentou violenta-la. Assim que a descarga chegou o corpo dele foi desintegrado.

Logo que o rapaz é desintegrado Ai pula em meu colo para comemorar, assim que eu o abraço a carga vai para o corpo dele, toda minha energia passa para ele. Ai solta um grande uivo de dor, mas eu não consegui me controlar, não pude impedir que a eletricidade passasse para ele. ‘Ai-chan, onegai, aguente firme! Seja forte!’ Senti que ele estava perdendo as forças ‘Não! AI-CHAN FIQUE, NÃO... ’ Ai deita sua cabeça em meu ombro e sinto seu coração parar de bater. Retomei o controle, porém era tarde de mais, não poderia fazer mais nada, grandes lágrimas escoriam de meu rosto, muitas lágrimas, eu parecia uma enorme cachoeira, as minhas lágrimas pingavam sobre o corpo do meu amigo.

‘Não pode ser! Ai... Não! Eu nem tive a chance de te agradecer! Como eu pude? Eu sou um monstro! Matei meu melhor amigo, na verdade melhor e unico... ’ Abracei o corpo dele como se aquilo fosse trazê-lo de volta. Apertei, não queria me despedir, aquilo não poderia estar acontecendo!  ‘Isso é um pesadelo. Onegai Ai-chan, me acorde! Me acorde!!! ’ Eu estava desejando profundamente que aquilo fosse um pesadelo, que quando eu acordasse Ai estaria na minha frente abanando seu rabinho e empurrando meu rosto com seu focinho como ele sempre faz! Mas isso não aconteceu. Horas se passaram e eu não parava de chorar, ele já estava ficando encharcado, uma hora eu tria que aceitar que eu... Não... Não quero aceitar isso... Por quê? Ai-chan, isso não poderia acontecer...

Anoiteceu e eu ainda chorava, mas levantei com ele nos braços afinal se eu não providenciasse seu enterro logo entraria em decomposição. Antes de sair, peguei meu pente que Havia achado em um beco e penteei seu pelo macio. Queria que ele fosse enterrado dignamente. De alguma forma eu honraria a sua memória. Ele parecia tão sereno e calmo, parecia dormir, aquilo cortou ainda mais meu coração. Peguei no meu colo novamente e sai pelas ruas carregando ele. As pessoas olhavam, mas não tinha problema, pois eu estava com o numero coberto e era de noite. Sabia exatamente onde sepultar o corpo do Ai... Subi a colina verde, o luar deixava aquele lugar ainda mais lindo, se não fosse uma noite tão triste meu coração se encheria de alegria... ‘Você merece o melhor lugar! Esse é o melhor lugar que eu posso te dar... Gomenasai Ai-chan!’ O pessegueiro estava florido, as pétalas caiam e projetava sua sombra à luz do luar. Preparei tudo para Ai... Algumas flores de pêssego, e na árvore eu entalhei “Um grande amigo! Sempre me lembrarei de ti Ai-chan” Queria escrever um mundo para ele, mas não tinha espaço. Coloquei seu corpo na cova e comecei a jogar a terra para enterrá-lo. Cada vez que a terra caia sobre seu corpo milhares de lembranças invadiam minha mente, e a dor e o peso da culpa e da tristeza aumentavam sobre meu coração.

O sono veio com toda sua força, eu não queria deixar Ai sozinho então dormi sobre seu tumulo. ‘Essa é a minha primeira noite sem você Ai-chan... Estou tão sozinha, tudo ficou tão morto e vazio, por favor, volte e traga de volta as cores do meu mundo! Ai-chan, sem você estou incompleta... A noite esta tão fria... E você não esta aqui para me proteger como sempre fazia... ’


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem!! >.