Yaya despertou depois do que lhe pareceu longos meses, embora soubesse que só devia ter passado algumas horas. Ainda que estivesse sonolenta, podia sentir a dor e o formigamento em seu braço ferido. Já não doía tanto quanto antes, e parecia estar enfaixado, mas a simples tentativa de movê-lo fazia com que ele pulsasse com uma terrível dor latejante. Desistiu de tentar descobrir o atual estado de seu braço ferido, e levou o braço bom ao topo da cabeça. Pôde sentir os fios soltos, retalhados de qualquer jeito, um lado bem mais curto do que o outro. Seus olhos encheram-se de lágrimas ao perceber que seu cabelo estava tão desfigurado que não poderia nem mais fazer suas adoradas maria-chiquinhas.

– Você não deveria chorar só por causa disso, Yaya.

Uma voz masculina a sobressaltou. Se não se sentisse tão fraca e desolada, Yaya teria soltado um berro com o susto. Girou os olhos lentamente para a direção daonde viera a voz e confirmou suas suspeitas. Souma Kukai estava lá, sentado ao lado dela, aparentemente bastante alividado da menina finalmente ter acordado.

– Ku... kai. Claro que a Yaya quer chorar, o cabelo de uma garota é algo muito precioso para ela, sabia? - murmurou Yaya, meio sem saber diante daquela situação
– Ah, é... acho que já ouvi a Fujisaki falar algo parecido uma vez - Kukai deu um sorrisinho sem graça - Mas não precisa chorar por causa disso... quero dizer, cabelo cresce de novo, sabe...
– Um garoto não entenderia como me sinto - Yaya o interrompeu, anormalmente séria - Você... você jamais entenderia como a Yaya se sente agora
– Você tem razão. Realmente não entendo porque as meninas têm essa paranóia com cabelo, mas... ainda sou inteligente o bastante pra entender que você está nessa situação por minha culpa. Eu realmente sinto muito, Yaya... tudo isso aconteceu por minha causa. Lamento muito por não ter chegado antes. Se tivesse te encontrado alguns minutos antes, talvez você não...
– Isso não importa agora, não podemos voltar no tempo, infelizmente - Yaya o interrompeu de novo - Além do mais, você... você não tem culpa se uma louca psicótica se apaixonou por você, não é Kukai?
– Yaya... e-então você finalmente entendeu, não é? Que foi aquela maluca da Utau que criou uma obsessão por mim, e que eu não tenho culpa pelo que aconteceu antes!! - exclamou Kukai sentindo uma pontinha de esperança
– Você realmente não tem culpa pelo que aconteceu com meu cabelo ou com meu braço - admitiu a Às - Mas aquilo de antes... quando a Yaya viu vocês se... b-beijando... err... bem... o que realmente aconteceu naquela hora?
– Naquela hora... tinhamos nos separado pra pegar autógrafos, lembra? - começou Kukai, escolhendo com cuidado as palavras - Acabei encontrando o camarim da Utau e resolvi falar com ela e me desculpar, já que eu tinha derrubado ela na fila da lanchonete. Começamos a conversar, e ela de repente mudou o rumo da conversa e veio com um papo estranho pra cima de mim... e antes que eu percebesse, ela me roubou um beijo. Sei que é errado jogar a culpa toda em cima dela assim, eu deveria ter desviado, sei lá... m-mas fiquei tão surpreso na hora que nem tive reação... e você entrou justamente na hora em que ela estava me beijando, o que complicou ainda mais as coisas... m-mas eu não quis beijá-la, eu juro!! Ela fez aquilo contra minha vontade, é sério!!
– Não precisa colocar tanta ênfase ou a Yaya vai pensar que você está mentindo - Yaya desviou os olhos dele, sentindo seu rosto esquentar - Mas essa versão da história parece fazer muito mais sentido. E também gosto mais dessa versão do que ter que acreditar que vocês são namorados ou algo assim. Então não se preocupe, eu acredito em você, Kukai
– Yaya... obrigado, Yaya!

Antes que pudesse sequer pensar em se segurar, Kukai se jogou em cima da garota e a apertou num forte abraço. Yaya sentiu seu rosto esquentar numa velocidade alarmante, mas quando se recuperou do susto, o abraçou com seu braço bom.

– Não sabe o quanto estou aliviado por você finalmente ter entendido o que aconteceu!! - exclamou o Ex-Valete com a voz embargada. Parecia que ele ia começar a chorar a qualquer momento. Depois de apertá-la por mais alguns segundos, Kukai se afastou.

– N-Nee Kukai... onde nós estamos? - Yaya mudou o rumo da conversa numa tentativa de disfarçar seu embaraço
– Ah, estamos num hospital. Logo depois que você desmaiou eu chamei uma ambulância, afinal, o que te aconteceu não foi apenas ter ganhado um terrível corte de cabelo né? Como está o seu braço?
– Ainda dói quando tento mexer ele... mas não acho que esteja quebrado nem nada - a menina respondeu - Droga, não quero nem ver como vou fazer pra escrever... se eu já não copiava a matéria antes, imagina agora?!
– Eu copiarei a matéria pra você até seu braço ficar bom! - exclamou o garoto decidido
– O que?! N-Não seja bobo Kukai, você é de uma série diferente, e estuda em outra escola agora!
– Não importa! Faltarei a escola e irei à Academia Seiyo, e copiarei a matéria até seu braço ficar bom! - ele tornou a afirmar como se realmente pudesse fazer isso
– Kukai... v-você não precisa fazer isso. A Yaya vai dar um jeito, não se preocupe - ela tornou a desviar os olhos dele, numa tentativa inútil de esconder o rubor de seu rosto
– Nee Yaya... tem uma outra coisa que eu queria te falar - Kukai falou de repente. Agora foi a vez dele corar
– Hein? O que foi?
– Bem... s-sei que esse não é o lugar nem hora mais indicados, mas... m-mas eu queria dizer... não, eu preciso dizer... q-que eu... na verdade eu...!

Antes que Kukai pudesse terminar a frase que mudaria por completo o rumo da vida dos dois, eles ouviram uma batidinha na porta, e em seguida uma enfermeira entrou, fazendo o garoto se calar. Ela verificou a bolsa de soro que estava ligada à Yaya por uma agulha em seu braço bom, trocou as ataduras do braço ferido, e lhe deu um comprimido para dormir, dizendo-lhe que a menina precisava descansar mais, e depois saiu.

– Droga... a Yaya odeia tomar remédios - resmungou a menina - E então... o que você queria me dizer, Kukai?
– Ah... esquece, agora você precisa dormir, não é? Eu falo outra hora - respondeu o rapaz com um sorriso sem graça
– Mas... a Yaya não quer dormir... a Yaya quer ficar... conversando com... com você... waaaahh... - sua tentativa de reprimir um enorme bocejo falhara
– Querendo ou não, parece que você vai ter que dormir. É melhor você descansar mesmo, desse jeito você se recupera mais rápido - falou o Ex-Valete gentilmente - Olhe, seus pais estão na recepção terminando de preencher uns papéis, mas eles devem querer te ver também, eu vou chamá-los enquanto você ainda está acordada, ok?

Kukai já ia se levantar quando percebeu que Yaya não parecia ter ouvido a última frase. Seus olhos estavam completamente fechados, e ela dormia profundamente.

– Acho que agora já é tarde demais - riu-se Kukai. Ele se aproximou mais um pouco dela e, contemplando o rosto da garota, murmurou - Acho que o Tadase e o Fujisaki tinham razão no fim das contas... cara, não acredito que eles perceberam isso antes de mim. Acho que eu... gosto de você muito mais do que eu imaginava, Yaya. Mesmo que você não sinta o mesmo por mim, eu... vou te proteger, e não vou deixar que mais ninguém te faça mal. Nem a Hoshina Utau, nem ninguém... não vou deixar você sofrer de novo... eu prometo.

Antes que pudesse se segurar, Kukai roubou um beijo da garota adormecida. Ainda que eles já tivessem tido alguns "beijos acidentais" anteriormente, pela primeira vez ele não se sentiu embaraçado nem culpado por beijar a garota que amava (ainda que ela estivesse dormindo). Ele se afastou alguns segundos depois, e ainda contemplando o rosto adormecido da Às, deixou que um sorriso bobo tomasse conta de seus lábios.

– Finalmente se decidiu, Kukai? - perguntou seu Chara Daichi ao seu lado
– É... acho que já tava na hora né? - ele respondeu meio sem graça
– Já passou da hora, isso sim! - exclamou Daichi - Fala sério, até eu já tinha notado que você sempre esteve caidinho por ela!
– Então bem que você podia ter me avisado antes né?! - rebateu seu dono
– Essas coisas a gente não pode sair falando, a própria pessoa tem que perceber - afirmou Daichi com um ar de sábio que não combinava com ele
– É, talvez você tenha razão - admitiu Kukai pensativo - E por favor, não vá contar sobre isso pra Yaya, hein?! - disse Kukai se referindo à Shugo Chara da Às
– Não se preocupe, isso é você quem tem que falar pra ela! - respondeu Pepe
– Certo... bom, acho que já vou indo agora, os pais dela devem estar mortos de preocupação. Cuide bem dela, sim?
– Pode deixar com a Pepe-chan! - exclamou a Chara da menina em um tom eficiente que não combinava com ela
– Até mais Pepe! - despediu-se Daichi.

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Uma semana se passou depois disso. Kukai ia visitar a "amiga" diariamente no hospital, mas, à pedido dela, não contou para ninguém sobre o que tinha acontecido, nem mesmo para os outros Guardiões. E então, na segunda-feira da semana seguinte, durante o começo de mais uma reunião dos Guardiões...

– Bom, essa é a sua parte hoje, Hinamori-san - dizia Tadase, distribuindo as tarefas daquela tarde - Essa é do Fujisaki-kun - ele entregou outra pilha de papéis ao Valete - E Mashiro-san... quer parar de tomar chá e terminar de carimbar os papéis por favor?!
– Não tenho culpa. Essa devia ser a tarefa da Yaya, e não minha - respondeu a loirinha indiferente
– Hoje já faz uma semana que ela falta à escola né? - comentou Nagihiko - O que será que acontec...
– Ahh!! Olhem, é a Yaya!! - Amu interrompeu o namorado, se levantando e apontando para a entrada do Royal Garden de repente.

Os outros se levantaram para ver melhor também. Os cabelos soltos da ruiva continuavam extremamente curtos, é claro, mas agora estavam pelo menos do mesmo comprimento. Parece que outra pessoa (provavelmente sua mãe) acertara o corte para ela. Como não dava mais para prendê-los em suas costumeiras maria-chiquinhas, ela simplesmente amarrara uma fita rosa ao redor da cabeça, com dois lacinhos do lado, estilo Suzumiya Haruhi.

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Seu braço ferido, que aparentemente ainda não estava curado, estava enfaixado e pendurado numa tipóia. Provavelmente isso era um exagero, mas do jeito que a garota era "eletrica", sempre pulando e correndo por aí, talvez fosse melhor assim. Ela adentrou o Royal Garden com uma cara anormalmente séria, de mãos dadas com ninguém menos do que Souma Kukai.

– Ya... ya? - Amu murmurou estática - O que... o que aconteceu? Por que você faltou todos esses dias?? E o que houve com seu braço?!
– O que aconteceu com seu cabelo? - indagou Rima, também se aproximando
– Meu Deus, o seu cabelo... está completamente curto, não sobrou praticamente nada dele!! Quem foi o monstro que fez isso com você?! - indagou Nagihiko assombrado, como se compreendesse a dor que garota sentira ao perder o cabelo (talvez compreendesse mesmo)
– O que realmente aconteceu com você Yuiki-san? - perguntou Tadase sério.

Yaya abaixou um pouco a cabeça, respirou fundo, forçou um sorriso e respondeu:

– Não se preocupem, a Yaya está bem! É que eu tropecei e caí da escada lá em casa uns dias atrás. Por isso machuquei o braço e precisei faltar esses dias, só isso!
– Mas Yaya-chan... o seu cabelo... por que ele está assim? - quis saber Nagihiko
– Ah, isso? A Yaya quis mudar de visual, só isso! - ela respondeu como se não fosse nada
– Mas...
– Ihh relaxa Nagi! - ela interrompeu o amigo - Às vezes você parece a sua irmã! Você dá muita importância pra essas coisas, sabia?!
– Err... b-bem, é que... o cabelo é uma coisa importante pras garotas, não é? - ele falou meio sem graça, mexendo distraidamente numa mecha do próprio cabelo
– Ahh sabia que já tinha ouvido isso em algum lugar! - pronunciou-se Kukai, apontando para o Valete atual - Sinceramente não entendo essa cisma com o cabelo que as meninas têm, mas se a Yaya quis mudar o visual, então deixa ela, ué! Ela até que ficou bonita assim!
– Verdade, combinou com você, Yaya - concordou Amu, agora recuperada do susto
– É, devo admitir que ela parece menos infantil agora - disse Rima, voltando ao seu chá
– Mas você já está bem pra poder vir pra cá, Yuiki-san? Quero dizer, você vai conseguir fazer as coisas com esse braço assim? - perguntou o Rei
– É exatamente por isso que eu vim com ela - Kukai respondeu no lugar da Às - Como vêem, a Yaya não está podendo escrever, nem nada, então até o braço dela melhorar, eu vou vir visitá-los e ajudar a Yaya com as tarefas dela. Bom, isso se vocês não se importarem, é claro
– Por mim está ótimo. Pode começar carimbando esses papéis - respondeu Rima, apontando para a pilha de papéis que Tadase lhe entregara anteriormente
– Esse é o seu trabalho, Mashiro-san - lembrou Tadase com uma gota na cabeça
– Tudo bem, tudo bem! Posso ajudá-la com isso também! - exclamou Kukai animado - Então vamos começar galera, mãos à obra!

Kukai sentou-se à mesa e começou a examinar os documentos daquele dia, enquanto Yaya, Amu e Rima se juntavam à ele. Nagihiko continuou de pé, observando a Às com uma cara estranha.

– Está tudo bem, Fujisaki-kun? - indagou o Rei
– Não, não está tudo bem... pelo menos não com ela – ele respondeu, indicando Yaya com a cabeça - Ela disse que só caiu da escada e que quis mudar o visual, mas eu conheço muito bem um sorriso falso quando vejo um, já distribui milhares deles. Yaya-chan está mentindo, ela não deve ter caído da escada coisa nenhuma. E aposto que esse corte de cabelo também não foi feito porque ela quis simplesmente "mudar o visual"
– Eh? Mas então... o que foi que houve com ela?! - perguntou Tadase confuso
– Não sei... mas que ela está mentindo, ela está - tornou a afirmar Nagihiko - Além do mais, reparou como o Souma-kun a acompanhou até o Royal Garden hoje? Ele provavelmente fez isso pra poder protegê-la de alguma coisa... ou alguém. Aposto que essa história dele realizar as tarefas da Yaya-chan no lugar dela até o braço dela melhorar também é só uma desculpa pra ele poder ficar ao lado dela
– O que?! Mas então isso quer dizer que...
– Quer dizer que deve ter alguém querendo fazer mal à nossa pequena Às... e talvez essa pessoa ainda não tenha desistido - Nagihiko respondeu a pergunta do Rei antes que este à fizesse - Mas se ela não quer nem nos contar o que houve, a coisa deve ser séria mesmo... vamos deixar que o Souma-kun cuide disso, até que ela consiga nos dizer o que realmente aconteceu
– Ei, seus preguiçosos!! Vocês vêm vão ajudar ou não, hein?! - gritou Kukai lá da mesa
– Nagi! Tadase-kun! Parem de enrolar e venham logo! - chamou Amu
– Pelo menos vamos tentar ficar ao lado dela o máximo de tempo possível, assim ao menos ninguém poderá fazer mal à ela - murmurou Tadase
– Sim, está bem - concordou Nagihiko antes de voltar para a mesa com o Rei e se juntar aos amigos.