O Amor É Clichê escrita por Juliiet


Capítulo 10
Mas É Muito Otário Mesmo


Notas iniciais do capítulo

Hey gente :)
Deixa eu contar uma historinha pra vocês. Lá estava eu, toda serelepe e saltitante, acabando o capítulo na data prevista, quando meu notebook queima e eu perco tudo o que tinha escrito. Foi o apocalipse, sério. Gente, eu enlouqueci e perdi completamente a motivação pra reescrever esse cap. Tanto que eu só ia reescrever semana que vem, depois do simulado que eu tenho esse sábado. Mas aí eu li um review tão lindo, mas tão perfeito, que me deu inspiração pra escrever. Não sei como, mas eu escrevi esse cap inteiro em só duas horas (gente, um recorde pra mim que sou a personificação da lentidão). Sério, Ágatha Rivera, esse capítulo só aconteceu graças a você. Eu amei seu review (ainda nem tive tempo de responder, mas me emocionou muito) e esse capítulo é seu!Ficou maior que o anterior e, pra ser sincera, eu gostei muito dele. Gente, Boa leitura :)
Eu sempre escrevo tratados nas notas do cap, né? Vou tentar enrolar menos hahaha



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— Você é louca, por acaso?

Bom, não posso dizer que não estava esperando por isso.

— Como você pode fazer isso?! O que você tem na cabeça?!

Não resisti e respondi:

— Cabelo.

O que só fez Geny grunhir e dar um tapa forte no meu ombro, que quase fez com que eu derrubasse o secador de cabelo.

Não, eu não estava realmente usando o secador. Não no meu cabelo, pelo menos. Nem sei como se faz isso. Eu estava tentando secar a bateria do meu celular.

— Sério, Tina, qual é o seu problema? — minha irmãzinha perguntou com a voz carregada de frustração.

Verdade, qual é o meu problema?

Sinceramente, não sei o que deu em mim noite passada. Foi quase como se outra pessoa se apoderasse do meu corpo e me obrigasse a fazer coisas insanas. Coisas completamente fora da minha órbita. Coisas que eu nunca deveria ter sequer pensado em fazer.

Coisas que eu adorei ter feito.

Acho que Tiffany é uma parte de mim, da minha personalidade, que eu nem sabia que tinha. Até porque, de certo modo, foi fácil interpretá-la. Depois que eu relaxei, ela fluiu naturalmente de mim, como se eu sempre tivesse sido a bela e interessante Tiffany e a nerd e estranha Maria Valentina fosse apenas uma casca. Tudo começou com a vontade de me vingar daquele ridículo do Vince, mas agora, não sei mais de nada.

Como eu sou estúpida. Geny tem todo o direito de estar furiosa. Contei tudo para ela assim que cheguei em casa e a garota não podia estar mais transtornada. Descobrir que a irmã mais velha sofre de um caso sério de transtorno bipolar e cria alter-egos para si mesma com o intuito de enganar um garoto...não deve ser fácil.

— Juro que não entendo! — continuou Geny, gesticulando furiosamente com as mãos e dando voltas pelo quarto. — O que leva uma pessoa a fazer uma coisa dessas?

— Eu sei que o que eu fiz foi estúpido — comecei, mas Geny estava alterada demais para me deixar terminar.

— Estúpido?! — ela repetiu, incrédula. — Estúpido é sacudir uma lata de coca cola e abrí-la na sua própria cara. Chamar o que você fez de estúpido é o cúmulo do eufemismo!

Ok, Geny já estava indo longe demais.

— Geny, eu tinha bebido e eu não estava pensando direito...

— Claro que você não estava pensando direito! — ela gritou. — E quem mandou você beber? Eu devia ter desconfiado que você ia acabar se tornando um perigo para si mesma naquela festa. Por que raios a Petra te largou sozinha?

Isso é verdade, se Petra não tivesse sumido e me deixado por minha conta, nada daquele desastre teria acontecido.

— Tanto trabalho...um vestido tão lindo...e você o estragou desse jeito! Por que você não pensou antes de se jogar naquela piscina?!

Espera aí...

Desliguei o secador e me virei para ela. Talvez eu não tenha escutado direito.

— Você tá fazendo todo esse escândalo por causa do vestido? E toda parte em que eu fingi ser outra pessoa como parte de um plano para me vingar do menino mais ridículo da escola?!

— Ah, isso foi genial, Tina! — exclamou minha irmãzinha que, eu acabava de descobrir, tinha sérios problemas mentais. — Sério, foi incrível! Pelo que você me disse, o garoto ficou caidinho pela sua versão Tiffany! Que eu criei, só para constar. Você não teria ficado tão linda se não fosse por mim.

Entre os problemas mentais de Geny está a total incapacidade de achar a palavra modéstia no seu dicionário.

— Você não vai dizer que foi loucura? — perguntei, genuinamente chocada.

— Loucura foi o que você fez com o vestido, querida irmã. A parte de fingir ser outra pessoa para fazer aquele moleque implicante se apaixonar, só para depois dar um fora nele e assim, se vingar em nome dos nerds...isso foi simplesmente malvado. O que quer dizer que eu adorei!

Acho que esqueci como se fecha a boca.

— Você tá falando sério?!

— Tina, como você é cansativa! Já disse que, tirando a parte em que você destrói um vestido perfeito, eu simplesmente amei o seu plano — ela respondeu, revirando os olhos e começando a andar em círculos pelo meu quarto. — Agora nós só precisamos pensar num jeito de você continuar com isso sem ser descoberta.

— Continuar? Agora eu é que pergunto: você é louca, por acaso? Tiffany nasceu e morreu ontem! E não há nada que possa trazê-la de volta.

— Nem as... —

— Não, nem as malditas esferas do dragão! – às vezes Geny é tão descolada que esqueço que ela também tem algumas tendências nerds.

— Mas... —

— Chega, Geny. Eu realmente preciso de um tempo sozinha agora.

Geny bufou e colocou uma mecha do seu longo cabelo ruivo atrás da orelha. Virou-se e foi em direção à escada do sótão, onde estávamos, o único lugar onde não éramos incomodadas.

— Ótimo, eu vou — ela foi murmurando, a voz diminuindo de acordo com seus passos na escada. — Mas você sabe que isso não pode acabar agora. Covarde!

Bufei também, largando a bateria do meu celular na mesinha e me jogando na cama. Sufoquei um grito no travesseiro, rolei na cama e fiquei olhando para o teto, sem saber se estava furiosa ou assustada.

Talvez um pouco dos dois.

Tudo sobre a noite de ontem foi incrível. Tudo. Desde o momento em que eu decidi começar essa loucura de fingir ser outra pessoa até o momento em que fiquei tão assustada quando Vicente parecia a ponto de me beijar que o empurrei na piscina. E depois também.

Fechei os olhos e era como se pudesse vê-lo, ali, a meros centímetros de mim, sorrindo como uma criança, os cabelos escuros e molhados caindo nos olhos que brilhavam como se fossem estrelas irradiando luz. Meus lábios pareciam incapaz de relaxar e meu sorriso parecia colado em meu rosto enquanto nos olhávamos mergulhados até o pescoço na piscina do Tiago. Meus pés não tocavam o chão e eu já estava ofegante pelo esforço para não imergir. Vicente, ao perceber, colocou suas mãos em volta da minha cintura e me puxou para ele, segurando-me. Ele se moveu tão rápido que só percebi o que havia acontecido quando meu rosto já estava encostado em seu ombro coberto pela camisa encharcada. Ele estava com cheiro de cloro, perfume amadeirado e um pouquinho do que lembrava amaciante de roupas floral. Eu sei porque respirei fundo para sentir.

Para ser sincera, eu não sabia o que fazer. Nunca estive tão perto de um garoto assim, nem mesmo Silas tivera tanta liberdade comigo. Mas eu não me sentia mal ou sufocada, como achei que devia me sentir. Só...parecia certo naquele momento. Natural. Então, quando ele passou as mãos pela minha cintura e aproximou mais nossos corpos num abraço tão suave e doce, eu não fiz nada além de fechar os olhos e ouvir o ruído de nossas respirações molhadas e das batidas aceleradas do meu coração.

Maria Valentina nunca deixaria Vicente chegar tão perto, não sem brigar. Mas Tiffany era outra garota. E ela não apenas o permitiu abraçá-la, como gostou de estar em seus braços.

Era como estar em transe ou em alguma realidade paralela. Simplesmente não parecia real, era como estar sonhando. Talvez por isso mesmo eu tenha me permitido fazer coisas que, na vida real, nunca teria feito.

Mas aquilo era a vida real.

E isso ficou claro quando ouvimos vozes de um grupo de adolescentes que saía da casa em direção ao deck e à piscina. Só havíamos ficado abraçados por poucos segundos, apesar de que – só para ser clichê – tenha me parecido muito mais tempo. Soltei-me de Vicente imediatamente e afundei, engolindo um pouco de água da piscina. Ele me segurou, mas mantendo-se distante e eu me contive para não tossir. Entrei em pânico quando vi aqueles garotos e garotas vindo em nossa direção. Eu não queria que ninguém nos visse daquele jeito, seria simplesmente mortificante.

Olhei suplicante para ele, esperando que ele tivesse uma ideia para nos tirar dali, mas não ousando falar uma palavra. Felizmente ele pareceu entender e sussurrou:

– Você confia em mim?

Hesitei, porque é claro que eu não confio em um garoto com a capacidade de desenvolvimento mental de uma samambaia, simplesmente é pedir demais.

Mas então pensei que esse pensamento era tão Tina! E naquele momento, eu não era Tina, então podia simplesmente fazer o que quisesse.

Inclusive confiar naquele garoto que agora olhava para mim como se eu fosse a única pessoa no mundo inteiro.

Então devolvi seu olhar e assenti.

Ele sorriu.

– Respire fundo – ele disse, apenas mexendo os lábios. – Agora prenda a respiração.

Fiz o que ele disse e no segundo seguinte ele me empurrou para baixo d’água. Abri os olhos e o vi, também embaixo d’água. Seus cabelos balançavam como se fossem soprados pelo vento e sua pele parecia anormalmente azulada. Ele estava tão bonito! Seus olhos marrom escuro pareciam pretos e me olhavam como nunca fui olhada em toda a minha vida. Era algo quase como...adoração. Era mais ou menos como a emoção que vi nos olhos do papai enquanto ele olhava a última foto da mamãe que ainda não havia queimado, bem antes de jogá-la no fogo. Só que também havia mágoa e dor naquele olhar, ao contrário do de Vicente, que era tão cristalino como a água em que estávamos. Havia esperança e felicidade ali.

Não resisti e sorri, mesmo que isso fizesse a água entrar na minha boca. E Vicente tocou com cuidado uma mecha esvoaçante do meu cabelo.

Isso tudo durou apenas poucos segundos e logo ele me fez nadar silenciosamente pelo fundo da piscina até o outro lado, que era meio escondido por uma fonte e onde havia uma escada. Ninguém poderia nos ver dali.

Meus pulmões já estavam queimando quando chegamos lá, já que Tina nunca teve muito fôlego, Tiffany então, parecia perdê-lo constantemente. No entanto, quando emergimos, Vicente, ao contrário de mim, não parecia nem um pouco ofegante.

Confesso que isso me irritou um pouco.

– Pronto, você está a salvo, minha sereia – ele sussurrou com uma pitada de diversão na voz.

– Me chame de sereia de novo e eu cravo o salto do meu sapato na sua língua...meus sapatos!

Se eu chegasse em casa com o vestido encharcado, a maquiagem borrada, o cabelo arruinado e, ainda por cima, sem os sapatos, eu seria definitivamente assassinada por Geny.

– Você precisa ir pegá-los! – exigi.

– Eu? – Vicente perguntou, incrédulo. – Mas eles são seus! E você acabou de dizer que pretende usá-los para me mutilar!

– Eu prometo não fazer uso deles para perfurar qualquer parte do seu corpo – prometi, ainda incerta se cumpriria isso ou não. – Agora vá pegá-los!

Vicente suspirou e saiu silenciosamente da piscina, murmurando baixinho algo que soou muito como “o que eu não faço por você?”, mas acho que isso foi excesso de água nos meus ouvidos.

Quando Vicente saiu totalmente da piscina, notei algo meio perturbador. Sua camisa escura e seus jeans meio que colavam em seu corpo por causa da água, delineando seus músculos perfeitamente definidos. Futebol e surfe são definitivamente as atividades físicas que os homens deveriam praticar se quiserem arrancar das garotas a reação que o corpo do Vicente arrancou de mim. Meu coração ficou meio engraçado, sabe?

Bom, nem eu, isso é loucura completa.

Apertei os olhos e balancei a cabeça, fazendo gotas de água se soltarem do meu cabelo. Eu estava começando a enlouquecer. Mas quando abri os olhos, esqueci isso completamente, porque fiquei muito ocupada me segurando para não rir.

Ver Vicente se arrastando escondido de planta em planta era de fato uma cena engraçada. Precisei morder minha mão para não gargalhar quando ele se escondeu atrás de uma samambaia enorme pendurada num suporte para plantas. Era realmente engraçado vê-lo conviver com sua própria espécie.

Espere, isso foi bem malvado.

Dane-se, Tiffany pode ser malvada de vez em quando, certo?

O grupinho que havia saído da casa havia sentado numa das mesas próximas das espreguiçadeiras em que eu e Vicente estivemos mais cedo. Mas eles pareciam tão bêbados e focados em sua própria conversa que não viram meu salvador de scarpins se esgueirar ali perto e pegar meus sapatos. Fechei os olhos e suspirei, aliviada.

Logo ele veio até mim e sussurrou:

– Vamos sair daqui – e pegou minha mão com firmeza para me levar para longe dali.

Apenas o segui em silêncio, com o vestido colado no corpo, descalça e com os cabelos molhados. Fomos até a frente da casa que estava vazia e – convenientemente para mim – escura. Vicente me arrastou até o carro que reconheci como sendo o que viera nos buscar na escola das vezes que fui estudar na casa do Vicente. Mas não havia sinal do motorista antipático em lugar nenhum. Vicente parou e tirou do bolso uma chave, apertando a trava automática, que não funcionou.

– Valeu à pena – murmurou, antes de abrir o carro com a chave normal mesmo.

Sorri e ele abriu a porta do passageiro para mim, fechando-a assim que me acomodei e dando a volta no carro para se sentar no assento do motorista.

Estava escuro e confortável dentro do carro e, aparentemente, Vicente não se importava se estávamos molhando seu banco de couro. Também não me importei.

– Você tem idade para dirigir, Vince? – perguntei em minha voz anormalmente doce e lembrando de chamá-lo pelo apelido. Eu sabia que ele tinha 16, como eu, mas Tiffany não.

– Na verdade, não – ele respondeu, parecendo meio tímido. – Mas minha mãe nunca está em casa, então não tem realmente alguém que me diga o que posso ou não fazer.

Estremeci. Era a primeira vez que o ouvia falar da mãe e havia tanta dor em sua voz! Uma pena que eu apenas pudesse ver sua silhueta nas sombras, que não me davam acesso aos seus olhos tão expressivos. Queria saber o que ele estava sentindo.

Fiquei sem ter o que dizer por um momento e então Vicente ligou o carro e disse:

– Não vou nos matar, não se preocupe. Só quero levá-la a um lugar especial.

Assenti e o vi dirigir numa velocidade surpreendentemente devagar – acho que por minha causa. Ficamos em silêncio o tempo todo, ouvindo apenas o ronco suave do motor. Percebi que estávamos indo em direção à praia, e não demorou muito para chegarmos lá, já que quase não havia carros na rua. Ele estacionou bem perto da areia, mas não fez nenhum movimento para descer do automóvel. Eu também não. Ele apenas tirou seu cinto de segurança, depois o meu, e inclinou nossos encostos para trás. Então apertou um botão que abriu o teto solar do carro e deitou-se, olhando para o céu. Fiz o mesmo.

Apesar de ser bem tarde, o céu não estava negro. Estava aquela mistura de rosa e vermelho, cheio de nuvens, como se fosse chover. E até o ar carregava o cheiro de chuva com a brisa úmida que vinha do mar. De alguma maneira, era ainda mais bonito do que se o céu estivesse estrelado. Dessa maneira, tão denso e carregado, era quase como se o céu estivesse vivo, respirando. Fechei os olhos e aspirei o cheiro de areia molhada e sal. Uma parte de mim sussurrou dentro da minha cabeça que não queria que aquela noite acabasse.

E o problema é que não tenho certeza se a “parte” foi Tiffany ou Tina.

Não posso negar, eu me sentia feliz. Livre. Como acho que nunca fui na vida. O que é uma loucura, afinal, como posso me sentir feliz com uma pessoa que odeio tanto?

Mas quando eu havia me divertido desse jeito?

Quando havia sido tão espontânea assim?

Eu sabia a resposta para isso. Nunca. E isso me assustou. Muito. Principalmente quando senti os dedos de Vicente se apertarem ao redor dos meus, segurando minha mão com tanto cuidado, mas, ao mesmo tempo, com tanta necessidade. Como se fosse algo que ele precisasse fazer.

Como se fosse algo que eu precisava que ele fizesse.

– Por que me trouxe aqui? – perguntei, rompendo aquele silêncio que não era bem um silêncio, já que o vento zumbia agradavelmente em nossos ouvidos.

– A praia é uma parte de mim – ele respondeu. – O segundo lugar no mundo onde eu mais amo estar. Por isso aprendi a surfar, para ter mais um motivo para estar sempre aqui.

– Você surfa? – perguntei baixinho. Por um momento, odiei precisar fingir que não sabia.

Ele assentiu.

– Ainda não respondeu minha pergunta – insisti, ainda olhando para o céu. – Por que me trouxe aqui?

– Acreditaria se eu dissesse que foi porque quis simplesmente dividir uma parte tão importante de quem eu sou com você?

Fechei os olhos, absorvendo suas palavras, deixando-as fazerem maravilhas em minha alma por um momento. Mas me repreendi mentalmente por não me conter. Esse tipo de sentimento é sempre muito perigoso. Ninguém devia ter o poder de fazer outra pessoa se sentir tão bem. Podia acabar se tornando um vício.

– Não sei – respondi finalmente, soltando nossas mãos.

– Me conte alguma coisa sobre você – ele pediu, depois de alguns segundos.

Alguma coisa? Qualquer coisa? Algo que importe? Algo verdadeiro? Uma banalidade? Eu simplesmente não sabia o que dizer e de repente isso era muito importante para mim.

Lembrei que Tiffany faz coisas impulsivas como pular na piscina completamente vestido, então fechei os olhos e disse a primeira coisa que me veio à cabeça:

– Quando eu era pequena, queria ser astronauta.

– Toda criança já quis ser astronauta, Tiffany – ele respondeu, zombeteiro.

– Talvez, mas não pelo mesmo motivo que eu.

– E qual era esse motivo?

– Você sabe aquela sensação de alívio que temos quando voltamos para casa de uma longa viagem, não importando quão boa ela tenha sido? Eu tenho essa sensação quando olho para minha casa porque eu sei que lá dentro estão tudo e todos que eu amo. Mas quando você ama alguém, mas não sabe onde essa pessoa está, em todo o mundo? Eu só queria ir para o espaço para poder olhar para a Terra e saber que, em todo o universo, era ali que estava essa pessoa – confessei, sem saber o porquê, já que era algo que eu nunca tinha dito a ninguém. – É estúpido, eu sei, mas...

– Não é estúpido – Vicente disse, inclinando-se para poder me olhar, ainda que não desse para ver muita coisa naquela semi escuridão. – É lindo.

Senti meus olhos arderem, mas não podia chorar. Não ali. Não naquele momento. Não na frente do garoto que eu mais detestava em todo o mundo.

O ódio é um sentimento esquisito, não é? Faz coisas engraçadas com a sua barriga. Como se houvesse um monte de borboletas dentro dela.

– Quem era? – ele perguntou. – Quem era a pessoa que você amava tanto?

Virei-me para fugir do seu olhar que, mesmo no escuro, me queimava com sua intensidade.

– Agora não importa mais – respondi. – Nunca poderei vê-la de novo. Nem sequer lembro-me do seu rosto.

Agradeci mentalmente por Vicente não ter mais insistido no assunto e me assustei ao olhar no painel do carro e perceber que eram quatro da manhã. Insisti para irmos a um ponto de táxi, apesar de Vicente ter dito que não tinha problemas em me deixar na minha casa.

– Eu moro muito longe – menti.

– Não tem problema – ele disse. – Eu levo você em qualquer lugar. E está muito tarde para pegar um táxi.

– Não, está bem? Eu vou de táxi e você me levar não é uma opção.

Visivelmente contrariado, ele finalmente aceitou. Calcei meus sapatos e saí do carro dele, que havia aberto a porta para mim. Vicente já havia me conseguido e pagado o táxi enquanto eu estivera me fazendo apresentável. Meu vestido já estava quase seco, mas cheirava a cloro. Meu cabelo estava em situação similar, porém era ainda pior porque estava meio duro e cheio de nós. Tentei ajeitá-los da melhor maneira possível e limpei as manchas pretas que o rímel havia deixado em minhas bochechas. Estava tão cansada que não tive nem forças para me importar de ter ficado a maior parte da noite com o rosto manchado daquele jeito.

– Bom – eu disse quando já estava pronta para entrar no banco de trás do táxi. – Muito obrigada por...não sei pelo quê estou agradecendo.

– Que tal por eu ser excelente companhia? – ele brincou.

– É, deve ser por isso mesmo – respondi sorrindo, finalmente notando um pouco do Vicente que eu conhecia antes. Sendo legal ou sendo um ogro, o garoto continuava se achando a última coca cola gelada do deserto.

– É melhor eu ir – falei, com medo por não estar com a mínima vontade de ir.

– Por que tenho a impressão de que nunca mais nos veremos de novo? – ele perguntou, sério de repente.

Eu não fui capaz de responder.

– Vicente, certo? – eu disse em tom de pergunta. – Se for para nos vermos de novo, eu acharei você.

Depois disso entrei no táxi e fiquei vendo Vicente pelo vidro traseiro enquanto o carro se afastava. Confesso que achei que ele não fosse me deixar ir embora, seu olhar me dizia isso. E uma pequenina parte de mim quis que ele não deixasse.

Só faltava a chuva para dar um ar mais dramático, não é? Bom, infelizmente ela só chegou com a luz da manhã, cegando-me com sua realidade.

Acabou.


Levantei da cama, sentindo-me meio tonta. Nem percebi que havia cochilado, mas aparentemente dormi muito, se a luz fria de fim de tarde que entrava pelas janelas servia de indicação. Minha cabeça doía um pouco e meu estômago roncava. Eu definitivamente havia perdido o almoço. Desci as escadas do sótão e fui até a cozinha. A casa parecia vazia. Abri a geladeira, mas não havia nada comestível, só as coisas saudáveis que papai e Geny comiam e que eu, como qualquer pessoa normal, odiava. Fui até o armário em cima do balcão da cozinha (precisei subir no balcão para alcança-lo, como é bom ser baixinha) e peguei a caixa de cereal. Coloquei quase todo o conteúdo da caixa em uma caneca e peguei uma colher. Sempre comi cereal sem leite porque detesto a consistência que os flocos adquirem quando molhados. É meio nojento.

Fui para a sala e não havia ninguém lá também. Domingos são realmente deprimentes, em uma casa vazia então...a única vontade que eu tinha era a de me encolher em um cantinho e esperar a segunda feira chegar. Percebi que a luzinha da secretária eletrônica estava piscando, fui até a mesinha e apertei o botão do telefone. A voz grave e constantemente irritada soou como se ele estivesse ali:

Vou trabalhar a noite inteira e Maria Eugênia foi fazer um trabalho da escola na casa daquela amiga dela, a Magno. Se ela não voltar até às 7, me ligue.

Como sempre sem nenhuma saudação, nenhum “oi filha” ou sei lá, qualquer coisa que indique que ele não é uma máquina. Mas tudo bem, já devia estar acostumada com isso. Olhei o relógio e vi que já eram quase sete da noite, mas não me preocupei nem pensei em ligar para o papai. Sabia que mãe de Sarah Magno traria Geny em casa, como sempre fazia quando ela ia para lá.

Terminei meu cereal e subi para o sótão, peguei meu celular e a bateria e desci de novo. Fui para o banheiro e escovei os dentes, depois coloquei a bateria no aparelho e tentei ligá-lo. Foi realmente muita burrice ter me jogado na piscina sem tirar o celular do bolso do vestido. Bom, pelo menos eu salvei os sapatos.

O celular funcionou e a primeira coisa que eu percebi era que havia uma mensagem bem desaforada de Petra. Tudo bem, ela estava meio danada da vida comigo. Eu cheguei às 5 da manhã na casa dela, precisei me esgueirar pela janela como uma fugitiva da polícia e sei que ela teve que mentir para a mãe dela dizendo que eu estava dormindo embaixo das cobertas, que estavam – olá sr. Clichê, você por aqui? – cheias de travesseiros. Depois, saí de lá antes das nove da manhã, quando ela ainda estava dormindo.

E ainda por cima, eu não contei absolutamente nada para ela. Sério, Petra é minha melhor amiga e eu a amo muito, mas simplesmente sei que ela não entenderia, faria um escândalo pior que o de Geny e, não sei! Simplesmente não pude me abrir com ela. Sabia, de algum modo, que a coisa não daria certo. Por isso ela não sabia nada sobre Tiffany e Vince.

Suspirei e nem me dei ao trabalho de responder à mensagem. Tentaria falar com ela na escola amanhã. Resolvi tomar um banho e fui buscar uma toalha nova na lavanderia. Depois de pegar uma toalha branca e felpuda, resolvi catar algo para vestir na pilha de roupas limpas por pura preguiça de subir até meu quarto. Foi quando vi a camisa do South Park que Vicente havia me emprestado quando eu tomei banho na casa dele, e que eu havia colocado na máquina de lavar há alguns dias. Sem hesitar, peguei-a da pilha junto com uns shorts de algodão e corri para o banheiro. Depois do banho, vesti a enorme camisa e os shorts e fiquei olhando para meu reflexo no espelho. Os dizeres I Killed Kenny estavam ao contrário no espelho, mas se eu baixasse os olhos para a blusa, podia ler direitinho. Passei as mãos pelo desenho de Kenny, quase prendendo a respiração.

O que havia de errado comigo?

A porta do banheiro foi aberta e Geny entrou lá, toda sorridente. Eu levei um susto e quase gritei. Quando minha querida irmã percebeu o que eu vestia, começou a rir sem parar.

– E ainda me diz que não vai continuar com a farsa? – zombou ela. – Você quer continuar!

Enfurecida, empurrei-a e saí do banheiro, correndo para o meu quarto. Antes de subir as escadas, gritei:

– São quase oito horas, eu devia ter ligado para o papai!

A resposta dela foi clara:

– Se eu contar tudo o que você já fez, Tina, ele não se importaria comigo nem se eu só aparecesse aqui amanhã.

Bufei e subi as escadas para o sótão. Joguei-me na cama e, pela segunda vez hoje, fiquei mirando o teto. Como se o meu teto fosse interessante. Eu nem tinha aqueles adesivos de estrelas que brilham no escuro e que são patéticos.

Acho que vou arrumar alguns.

Meu celular vibrou no bolso do short e eu o peguei, achando que era mais uma mensagem ofensiva da Petra.

Não era.

Petra não era o Cérebro de Mosca.

Meu coração pulou uma batida. Duas, na verdade. E acelerou tudo de uma vez, como se eu tivesse subido e descido as escadas do sótão pelo menos umas vinte vezes. Minhas mãos começaram a suar.

O que ele queria comigo?

E se ele tivesse descoberto tudo?

O que fazer?

Levantei da cama e dei umas cinco voltas pelo quarto, apertando o celular recém-chegado do mundo dos mortos nas mãos.

Será que eu devia afogá-lo de novo?

Não. Eu precisava ver. Precisava ver o que Vicente tinha dito naquela mensagem. Apertei a tecla para abrí-la, sentindo meu sangue fluir gelado nas veias.

Ei, coisinha nerd, a nossa próxima aula será amanhã, mesmo horário de sempre. Nem tente reclamar!

Fiquei olhando para o telefone como uma pateta. Minha expressão deve ter sido cômica, mas eu só sentia vontade de quebrar alguma coisa naquele momento.

Mesmo temerosa, eu ainda queria que ele descobrisse. Sabe, queria que ele não fosse tão cego e sacasse que a garota cuja companhia ele aparentou ter gostado tanto era na verdade a nerd que ele tanto despreza.

Mas ele é muito otário mesmo.

Talvez eu devesse simplesmente fazer como Geny disse e arranjar um jeito de continuar com isso, não é? Eu queria fazê-lo sofrer, afinal de contas. Essa foi a ideia inicial, vingar-me dele.

Mas agora, como eu posso continuar com isso?

Como posso não continuar?

Talvez eu realmente queira ser Tiffany só por mais um tempo. Talvez eu mereça isso. Talvez.

Isso é tão louco, mas é simplesmente mais forte que eu.

Suspirei e levei a gola da camisa até o nariz. Cheirava a lavanda, o mesmo cheiro de todas as minhas roupas. Nada como aquele cheiro dele ontem à noite. Deitei-me na cama de novo e comecei a brincar com a barra da camisa. Fechei os olhos e respirei fundo.

Eu já sabia o que iria fazer.



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Notas finais do capítulo

Gente, eu tenho aula amanhã e to morta de sono, então se tiver algum erro, sorry, me avisem. A revisão foi meio porca haha.
Amei todos os reviews de vocês, vou tentar responder todo mundo :)
Enfim, beijos e até a próxima