I'm Not Ok escrita por Bones


Capítulo 24
Capítulo 24 - Um Bom Amigo


Notas iniciais do capítulo

Olá novamente! ♥
Como eu disse, estamos voltando à programação normal, e aqui está a prova!
Antes de tudo, um pequeno aviso: a maior parte deste capítulo é composto por lembranças, então prestem bastante atenção.
Muito obrigada pelos reviews lindos e por continuarem acompanhando como sempre! E um agradecimento super especial à Adrenaline Earthquake, pela recomendação maravilhosa que me emocionou demais! ♥
Enfim, uma ótima leitura à todos!



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Capítulo 24 – Um Bom Amigo


Listas.

Sempre gostei muito delas. Não que eu fizesse o tipo de pessoa organizada. Na realidade, muito pelo contrário. Mas as listas, no geral, funcionavam como uma forma que eu encontrei de conseguir tornar mais reais os objetivos e metas que eu impunha na minha própria vida. Uma forma de tornar meus sonhos e ambições um pouco mais palpáveis e atingíveis, mesmo que apenas na minha própria cabeça. Naquele instante, enquanto observava de longe as líderes de torcida se oferecendo abertamente para Max, o capitão do time de futebol, eu havia acabado de fazer uma lista. E agora estava ali, sentado em uma das mesas vazias do refeitório e mordendo a tampa da minha própria caneta, desejando com cada célula do meu corpo que aquele cara bonito, desenvolto e popular fosse eu.

Eu sempre soube que Max era um babaca e que aquelas líderes de torcida não passavam de vadias que só sabiam se encher de maquiagem e sacudir seus pompons na cara do primeiro cara popular que passasse por elas. Eu sabia que era melhor que eles todos de alguma forma, mas o simples ato de olhar o meu reflexo no espelho ultimamente estava destruindo cada uma das minhas convicções... Até porquê eu já estava cansado. Cansado daquela merda toda.

“Se eu tivesse a oportunidade...” – pensei, enquanto dava uma mordida um pouco mais forte na caneta, o plástico se trincando sob meus dentes. – “Eu escolheria o caminho mais fácil.”

O problema era que aos olhos de todos os imbecis daquele colégio, eu não passava de um saco de lixo. Eu era só mais um moleque esquisito que havia acabado de colocar seus pés no ensino médio: um território inóspito, selvagem e ainda inexplorado por mim. Mas mesmo naquele curto período de tempo que eu passara observando cada uma daquelas pessoas, eu já tinha conseguido captar duas coisas do espírito daquela hierarquia: a primeira era que eu, definitivamente, se continuasse como estava, jamais conseguiria me enturmar com nada nem ninguém. A segunda era que a popularidade faz o sucesso ou a ruína de uma pessoa naquele lugar. É algo que te proporciona algum tipo de “status”. Ser considerado “popular” em um colégio aonde a maioria dos estudantes vem de famílias de classe média alta (e que podem ser extremamente cruéis se isso for lhes render algumas risadas) significa que você tem algo que te torna especial e admirável, o que te dá o direito a algum tipo de poder sobre as outras pessoas. Sendo popular, muitas portas se abrirão para você. E aquela parecia ser a única luz a brilhar no fim do meu túnel particular de humilhações.

“E aqui estão, meus caros, as duas únicas coisas que movem o ser humano:” – eu pensava e murmurava, ao mesmo tempo em que rabiscava as palavras no rodapé de uma das páginas do meu caderno. – “esperança (ou, dependendo do ponto de vista, interesse) e poder.”

E eu sou tão humano quanto qualquer um e estava tão cansado quanto os outros “esquisitos” que, assim como eu, tinham que conviver com as provocações e agressões que caras como Max achavam que nós merecíamos apenas pelo fato de não nos encaixarmos direito em lugar algum.

E eu queria me encaixar. Mais do que qualquer outra coisa, eu queria deixar de ser o “moleque esquisito” para ter o sucesso que Max tinha e que eu sabia merecer mais que ele.

E foi com esse pensamento que eu me levantei do meu lugar, dando uma última olhada na minha lista antes de fechar meu caderno. Reli os poucos itens e, por fim, arranquei a folha e amassei-a. Se eu quisesse mesmo que as coisas se tornassem diferentes para mim daqui para frente, imagino que eu teria que agir de forma diferente também. E assim pus-me a caminhar em direção ao grupo que, há pouco, eu observava tão atento.

Se eu fizesse tudo certo, talvez aqueles caras pudessem mudar um pouco a situação deprimente e insustentável na qual se encontrava a minha vida escolar.

Aproximei-me o suficiente para que as líderes de torcida me vissem e fizessem caretas na minha direção. Ignorei. Max estava bem à minha frente, de costas para mim. Estendi minha mão para tocar seu ombro...

A música tocava alta nos meus ouvidos, e parecia tão intensa que eu conseguia sentir a vibração de cada batida um pouco mais grave em meu próprio corpo, subindo pelos pés e saindo pela boca. O ritmo marcado em meu peito, como se alguém estivesse me dando socos de dentro para fora. O cenário da nossa “festinha a céu aberto” não podia ser mais caótico! Havia carros e pessoas por todo o lugar, inclusive sobre os velhos trilhos de trem abandonados e enferrujados pelo tempo. Tudo à nossa volta parecia vazio. Talvez por aquele ser um bairro um tanto quanto esquecido da cidade, ou simplesmente pelo fato da música vinda da traseira de alguns dos carros estacionados ali de qualquer jeito conseguir soar mais alto do que qualquer outra coisa em um raio de quilômetros.

E era nesse meio que eu me encontrava.

Tentava atravessar – sem muito sucesso, diga-se de passagem – aquela pequena multidão de garotos e garotas (a maioria deles do meu próprio colégio) que rapidamente se juntaram assim que ouviram o barulho da música eletrônica começar. A grande concentração de pessoas por metro quadrado dificultava e acabava por limitar qualquer possibilidade de movimentação corporal que eu pudesse ter. Vez ou outra, quando a música dava alguma trégua, eu conseguia ouvir sob os meus pés os estalos que os copos de plástico espalhados pelo chão faziam ao serem quebrados. Ao longe – e sem muito esforço, como se aqueles sons também fizessem parte do plano de fundo da música – risadas embriagadas e gritos eufóricos podiam ser ouvidos com clareza. E sobre um carro ou outro, algumas garotas já muito longe de seu estado normal de consciência, se arriscavam em danças estranhas e supostamente sensuais, seus passos claramente trôpegos antecedendo uma possível – e quase certa – queda.

E eu não vou mentir agora dizendo que eu não gostava. Era divertido, instigante e excitante, mesmo que de uma forma bem estranha. Naquele lugar eu tinha sempre uma cerveja na mão! As pessoas falavam comigo! E as que não falavam estavam tão entretidas em seus próprios mundos ilusórios completamente feitos de álcool que aparentemente não tinham tempo para parar e me olhar torto. E para mim mesmo, o álcool estava sendo tão bom! Um parceiro fiel que me desinibia e me dava a coragem que eu precisava em qualquer situação.

Era quase como Max!

Se eu soubesse que ele iria me acolher no seu próprio grupo dessa forma, teria vindo falar com ele muito, muito antes! Max me apresentou pessoas, me incluiu em conversas, e, principalmente, me trouxe a festas como essa. No meio de toda aquela gente, por mais que ninguém falasse comigo e a recíproca fosse válida, eu me sentia uma parte do grupo. Eu não era mais “o estranho”! Eu havia, finalmente, conseguido encontrar o meu lugar no fluxo. Naquelas festas, no meio de toda a confusão de pessoas e músicas estranhas, eu era tão ou mais comum do que qualquer um que estivesse ali. E eu devia tudo isso a Max!

Senti uma mão em meu ombro, o que de início me sobressaltou um pouco, fazendo com que eu me virasse depressa, mas logo sorri divertido ao notar quem era, me oferecendo mais um copo de bebida.

Era só falar em Max que logo ele aparecia...

– Pára, porra! Pára!

Eu me sacudia e me debatia, mas meus braços estavam bem presos pelos dois caras que me seguravam. Olhei exasperado para minhas pernas tentando chutar algo ou alguém, meu corpo estirado de forma dolorida contra um dos bancos de madeira do vestiário, agora vazio. Um dos caras que seguravam as minhas pernas me sorriu cínico. Seu rosto não me era estranho, mas não conseguia me lembrar do seu nome. O outro eu sabia quem era. Seu nome era Robert. Robert Bryar. E naquele momento eu só conseguia pensar no quão desgraçado e nojento ele era. Tão nojento quanto Max! Tão nojento quanto qualquer outra pessoa que o seguia ou que o admirava. Tão nojento quanto aquela merda de escola inteira!

Deixei minha cabeça cair sobre o banco, derrotado. Não havia escapatória. Pelo menos, não com quatro pessoas me imobilizando e Max rondando, assistindo a tudo bem atento, como se estivesse “esperando eu me acalmar”. Apertei os olhos com forças, as lágrimas transbordando e escorrendo pelos lados do meu rosto. Mas não, eu não chorei.

Abri os olhos no susto, assim que senti algo duro me acertar novamente na barriga. Um livro de capa dura, eu supus. Mas Max sempre batia com força, então nem sempre eu conseguia acertar no meu palpite.

Me remexi um pouco mais, forçando os pés inutilmente, enquanto meus braços, já cansados, permaneciam quase imóveis. A agitação me garantiu mais um golpe. E mais um, e mais um...

– Pára! Pára com isso! – eu tentava gritar com todo o fôlego que conseguia puxar para os meus pulmões. Os olhos apertados pela dor, as lágrimas incessantes, mas eu estava longe de estar implorando. Eu só queria uma luta justa. – Max, eu sei o que você quer, mas isso é entre mim e você! Essa porra está injusta!

O que eu obtive não foi uma resposta, no entanto. Não conseguia vê-lo, mas ouvia sua risada logo atrás de mim, que logo foi acompanhada por todos que estavam ali. Menos eu, obviamente. E Bob que, de uma forma estranha, apenas sorriu amarelo até que o coro de risadas tivesse seu fim. Provavelmente não havia entendido a “piada” e mesmo assim preferiu não ir contra os outros e tentar acompanhar o assunto.

Levei mais um golpe, dessa vez na perna direita, e não consegui reprimir um grito ao sentir uma pontada de dor particularmente aguda no local do choque. Só esperava que nada estivesse quebrado, porque depois eu não teria como me explicar em casa.

Abri meus olhos novamente. Um par de olhos castanhos me encarava de volta.

Ouvi risadas no andar de baixo. Havia sido acordado por elas, inclusive. Ergui meu tronco da cama a contragosto, logo apertando os olhos com força contra a claridade proporcionada pela minha cortina aberta e rumando rapidamente em direção a janela na intenção de fechá-la. Minhas pernas, ainda aparentemente dormentes, pareciam não obedecer aos meus comandos, o que me fez tropeçar diversas vezes – algumas nas roupas e calçados espelhados pelo chão do quarto, e outras simplesmente nos meus próprios pés. –. Praguejando um pouco, estiquei as mãos para as cortinas grossas à minha frente e as fechei com um pouco mais de força do que o necessário.

Voltei para a cama, me joguei sem o mínimo de cuidado sobre ela e voltei a me cobrir. Sentia meus olhos se fechando devagar, meu corpo todo amolecendo novamente...

E uma nova onda de risadas se fez ouvir do andar de baixo. Dessa vez o som era particularmente alto e era acompanhada pelo barulho do videogame. Abri os olhos, franzi o cenho, e voltei a me sentar na cama, tudo quase ao mesmo tempo. Estranhei. Michael era o único que jogava videogame naquela casa. Além de mim, se formos contar as raras vezes que pus minhas mãos naqueles controles nos últimos meses. E uma coisa era certa, com o pouco que meu raciocínio matinal me permitiu perceber, ele não estava rindo sozinho.

Levantei novamente, a curiosidade falando mais alto do que qualquer outra coisa. Antes de tudo, dei uma passada rápida no banheiro para lavar o rosto na intenção de terminar de despertar e aproveitei para escovar os dentes, até porque, já que eu iria descer de qualquer forma, não custava nada passar na cozinha e tomar um café.

Encarei meu reflexo no espelho de uma forma séria, minha pele parecendo mais pálida que o normal em contraste com a bermuda e a camiseta preta que eu usava. Meu rosto não tinha mais marcas, muito menos as costumeiras olheiras que circundavam meus olhos antigamente. Os remédios que eu andava tomando me faziam dormir muito, às vezes, mais do que o necessário, e sempre que eu voltava ao meu médico, ele me dava uma nova dosagem de medicamentos, me dizendo que ela funcionaria melhor e que provavelmente eu não sentiria tanto sono. Besteira. Eu continuava me sentindo sedado.

Saí do meu banheiro e abri lentamente a porta do meu quarto, tentando não fazer tanto alarde de que eu estava acordado. Meus pés descalços basicamente não faziam barulho contra o assoalho de madeira, mesmo assim eu buscava andar sobre os tapetes. Não tanto pelo barulho, essa tática era mais para tentar manter meus pés quentes por um pouco mais de tempo.

Cheguei à beira da escada e desci dois ou três degraus, meus olhos buscando encontrar, na sala, quem acompanhava meu irmão. E não demorou muito para que eu avistasse uma figura alta de magra, de grandes cabelos volumosos, sentada ao lado de Michael e rindo com ele. Me esforcei um pouco para me lembrar de onde o conhecia e logo me lembrei que, há alguns dias, esse mesmo cara estava no nosso jardim conversando com Michael. Provavelmente nosso vizinho. Eu os observei da janela durante algum tempo, mas logo perdi o interesse. Era uma amizade nova para Mikey. Ótimo. Espero que algum dia isso alivie um pouco a minha culpa por tê-lo tirado de sua vida em nossa cidade natal e o trazido para cá.

Desci os degraus restantes depressa, agora querendo apenas chegar logo à cozinha e pegar meu café. Mas antes que pudesse descer o último degrau, ouço a voz de Mikey.

– Gerard?

Desci o degrau que faltava sem muito ânimo e caminhei até a sala, parando sob o portal.

– Bom dia! – meu irmão me cumprimentou com certo ânimo, e eu imaginei que isso fosse porque, nas últimas semanas, ele raramente me encontrava acordado. Vi ele pausar o jogo e me encarar, ainda sorrindo de leve, talvez cauteloso. O cara ao seu lado também focou sua atenção em mim. – Ah, esse é o Raymond! – ele disse, apoiando uma das mãos no ombro do outro. – Nos conhecemos outro dia. Ele mora no outro quarteirão!

Permaneci sério e calado, apenas esperando para ver aonde isso tudo ia dar.

– Ray, esse é o meu irmão, Gerard.

– Prazer. – ele disse simples, sorrindo para mim, que apenas retribuí o gesto com um aceno de cabeça.

– Vem, senta com a gente! – Michael voltou a falar, chegando para o lado e me indicando o lugar. Dei um passo para trás. – Ah, vamos. Faz tempo que não jogamos um pouco...

Na realidade, não fazia tempo apenas que não jogávamos um pouco. Fazia tempo que não nos falávamos, ou agíamos como irmãos. Mas isso, para mim, era absolutamente justificável. Eu me sentia culpado demais para me aproximar dele. Envergonhado demais. Eu sempre soube que eu era covarde. Covarde demais para enfrentar as conseqüências do que eu mesmo havia causado.

Ele devia ter vergonha de me ter como irmão.

Olhei para o tal de Raymond e dei mais um passo para trás.

– Bom... tudo bem se não quiser então. – seu olhar decepcionado caiu sobre mim como uma pedra, mas apesar disso, meu olhar ainda estava focado em Raymond.

Desde que nos mudamos eu andava com um pavor estranho de pessoas. Eu sentia nojo, asco, e dificilmente aceitava companhia, fosse de quem fosse. E isso se agravava quando se tratava de uma pessoa desconhecida. E, como tudo na vida, isso tem um motivo (que foi à resposta que eu cheguei depois de uma longa auto-análise).

Eu tinha medo.

Medo de ser julgado, de ser apontado. Eu já me sentia culpado por ter abandonado Lindsey nas condições que ela se encontrava... eu tinha medo. Medo porque eu sabia que eu podia e devia ser acusado. Por ser um covarde e ter motivos para ser tratado como tal. Mas não era como se eu conseguisse abrir a boca para me defender... eu mesmo não me dava crédito algum.

Olhei para Raymond novamente – eu ainda estava parado no mesmo ponto desde que Michael havia me chamado – vendo que ele voltara a se entreter com o jogo na tela à sua frente. Sentia os olhares de rabo de olho que meu irmão me dava, sua atenção dividida entre mim e o jogo, como se esperasse que eu fizesse algo estranho a qualquer momento, mas eu fingi que não havia notado.

Era difícil ver os olhares decepcionados que Michael me lançava toda a vez que eu recusava seus convites para fazer algo com ele. Era difícil rejeitar meu irmão dessa forma. E agora ele havia arranjado um novo amigo, e provavelmente eles estariam sempre juntos daqui para frente, então de uma forma ou de outra, eu seria obrigado a continuar recusando as aproximações de Michael, por não conseguir me sentir à vontade perto de uma pessoa estranha.

E foi a primeira vez que aqueles pensamentos me ocorreram.

“Que tipo de pessoa Raymond era?”

“Ele me julgaria da forma como eu me julgo?”

“Será que ele conseguiria substituir minha presença para Michael? Como uma espécie de “novo irmão mais velho”?”

E movido pelo puro egoísmo e ciúme, na perspectiva de perder meu único laço restante com Michael, adentrei sorrateiro na sala, me aproximando mais e mais, e logo já estava sentado entre meu irmão e Raymond. Vi um grande sorriso no rosto de Michael enquanto este arrumava os óculos no rosto e eu mesmo não pude reprimir um pequeno sorriso ao ver isso.

Se para continuar tendo meu irmão de alguma forma eu precisasse conviver com Raymond, que fosse dessa forma. Eu não iria me aproximar dele, eu não queria. Eu queria meu irmão, e era apenas isso.

– Olha só, esse jogo é novo! – Michael exclamou.

– Cara, estou cansado de jogar esse! Tem duas semanas que não jogo outra coisa! E já zerei, inclusive. – Raymond, ao meu lado, respondeu com certo orgulho de si mesmo. Olhei para ele, que me encarou de volta e me ofereceu o controle, sorrindo divertido. – Toma.

E eu aceitei o controle de suas mãos.

– Sério que você nunca leu? É um livro muito bom! Eu mesmo não gosto muito de “praticar o habito da leitura” – e ele fez as aspas com as mãos, fazendo Mikey rir. – e não consegui largar desse livro sem ler, pelo menos, umas três vezes. – assisti Raymond colocar sobre a mesa da cozinha um exemplar de “O Caçador de Pipas”, de Khaled Hosseini, e isso logo chamou a minha atenção.

E agora eu olhava para Mikey tão incrédulo quanto Raymond. Como ele ainda não havia lido esse livro? Ainda mais ele que vivia dentro de bibliotecas?

Ele analisou a capa do livro, segurando-o em uma mão e uma torrada com geléia na outra.

– É. Nunca li mesmo.

– Mas como não? Não conheço pessoa que passe mais tempo dentro de uma biblioteca que você! – eu não disse?

– Me desculpe se eu não li todos os livros do mundo, ok? – ele retrucou cínico e de boca cheia. – Então, do que se trata o livro?

– Bem...

– “O Caçador de Pipas” se passa basicamente todo no Afeganistão e trata bastante das condições políticas e sociais antes, durante e depois da ocupação soviética e, logo depois, da ascensão do regime talibã. Fora isso, retrata também os conflitos internos do personagem principal, chamado Amir, que passa a vida toda se culpando por um erro cometido no passado. – eu comecei a falar sem me dar conta exatamente do que estava fazendo. – Também fala bastante sobre o valor da amizade, do ato de se doar e não esperar nada em troca e sobre a redenção, em si.

E nesse momento, Michael parara de mastigar sua torrada e Raymond apenas me encarava, ambos surpresos. Imagino que essa tenha sido a fala mais longa que eu pronunciei em meses de convivência com meu irmão e o novo “amigo da família”, a julgar pelo fato de que Ray não saia mais de dentro da nossa casa.

– Eu li o livro. – disse simples, desviando meus olhos para o tampo de madeira da mesa.

– Está ouvindo isso? Siga mais o seu irmão, pequeno gafanhoto. – Raymond começou, em tom divertido, se aproximando e segurando meu ombro. Fiquei instantaneamente sem graça, mas não era como se eu realmente me importasse de tê-lo por perto.

Eu havia me acostumado. A presença de Raymond em nossa casa já era tão corriqueira que tinha dias que eu ia dormir, deixando ele e meu irmão na sala, e quando acordava na manhã seguinte, lá estava ele em nossa cozinha dizendo “bom dia” e oferecendo café. Era como se mais uma pessoa tivesse se mudado para nossa casa. E isso já não me incomodava mais.

Ele se mostrara uma pessoa divertida e prestativa, com o passar do tempo. E um bom ouvinte, imagino eu, já que vez ou outra flagrava ele e Mikey conversando de forma séria e com a voz baixa.

E a aproximação entre ele e meu irmão também não me incomodava mais. Agora sim eu via que ele não queria, e também não poderia tomar meu lugar na vida de Mikey. Ele mesmo, algumas vezes, me chamava para conversar ou jogar videogame com eles, e isso me fazia sentir incluído no grupo de alguma forma. E, com isso, com o tempo, passei a me sentir um pouco mais à vontade perto dele.

Ele era uma pessoa agradável no fim das contas.

Ray.

Um bom amigo.

Acordei me sentindo tonto, as imagens dos últimos sonhos que eu tivera ainda se passando na minha cabeça e sumindo devagar, uma a uma. Primeiro Max, depois as festas, depois Bob, Mikey, Lindsey...


Ray.


Levantei-me do sofá com rapidez e comecei a andar pela casa. Precisava encontrar Mikey e nós dois precisávamos falar com Ray. De preferência, agora.


Mas Mikey não estava em casa.



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Notas finais do capítulo

Enfim, espero que estejam tão felizes quanto eu! Mal consigo descrever minha felicidade por voltar à ativa! ♥
Espero poder ter o prazer de ver à todos nos reviews, para que eu possa respondê-los! E, dessa vez, sem mais atrasos!
Beijos!