I'm Not Ok escrita por Bones


Capítulo 14
Capítulo 14 - Irmãos


Notas iniciais do capítulo

E vejam só quem está aqui com um dos capítulos mais longos de toda a história? :)
Nas sei se gostei ou não desse capítulo... achei que ficou grande demais, apesar da situação pedir desta forma.
Mas, bem, só espero que ninguém aqui fique com preguiça de ler tudo!
Espero que gostem!
Boa leitura!



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Capítulo 14 – Irmãos



Quando eu iniciei aquele assunto e disse as derradeiras palavras “Eu preciso contar algo”, eu realmente ainda não tinha me dado conta de o quanto aquilo seria difícil. Esconder um segredo das pessoas mais importantes para você por anos e camuflá-lo com mentiras até que todos estejam satisfeitos com suas respostas. Eu me sentia muito envergonhado. A vergonha de ter que me auto-desmascarar e a vergonha por ter feito tudo o que fiz. Massageei minhas mãos uma contra a outra, apertando-as, como se aquilo pudesse me ajudar a acalmar meus pensamentos. Agora que eu já havia começado o assunto, não havia mais muito que eu pudesse dizer sem ser o que eu realmente pretendia. Não dava para parar agora.


Sentia, cada vez mais intensos, os olhares de Ray e Mikey sobre mim. Minhas mãos, agora suadas e frias, apoiadas uma em cada um de meus joelhos. Passei a língua pelos lábios secos. Eu não sabia nem por onde começar.


– Eu... – hesitei.


Procurei uma forma melhor de começar. Abri a boca e fechei-a logo em seguida diversas vezes, sem saber mais o que eu estava fazendo naquela sala sentado naquele sofá. Os outros dois ainda me olhavam pacientemente. Imagino que, pela expressão que eu devia estar fazendo, eles notaram que seria um assunto sério.


– Há três anos, antes de nos mudarmos... – eu comecei, e o olhar de Mikey sobre mim transbordava pena. Aquilo me impulsionou a continuar. – Eu fiz algumas coisas que eu não queria ter feito. Aconteceram coisas comigo... Coisas que eu não contei a nenhum de vocês.


– Gerard, nós sabemos o que aconteceu. – Mikey, sério, me cortou. Ele parecia nervoso e desconfortável ao me ouvir tocar naquele assunto tão abertamente. Imagino que seja pelo fato de que eu nunca quis conversar sobre aquilo com ninguém.


– Mikey, vocês não sabem nem metade do que aconteceu. Eu menti. Menti muito, sobre muitas coisas... – e no ápice de toda a minha coragem, direcionei meu olhar a Ray e depois a Mikey, olhando-os nos olhos. Ambos sem saber direito como reagir.


– Por que mentiu, Gerard? – meu irmão me encarou, talvez triste, talvez com raiva.


– Porque eu fiquei com vergonha de mim. – respondi simples. Mikey me encarou um tanto boquiaberto e me olhou com uma expressão de quem não tem mais nada a declarar. E eu logo prossegui com meu monólogo.


Talvez aquela tenha sido a primeira vez na qual me senti tão próximo deles. Éramos verdadeiros companheiros, cúmplices. E eu conseguia sentir isso com uma clareza absurda, o que só me deixava feliz. Assim como Frank, eu tinha certeza de que eles continuariam do meu lado, independente do que eu dissesse ou do que mais eu acrescentasse àquela narrativa.


Eles ouviram calados todas as partes da minha história. Desde quando eu comecei a me rebaixar apenas para conseguir entrar no círculo social de Max – e nesse ponto eu notei Ray um pouco desconfortável, porém sua expressão revelava extremo entendimento. – até quando comecei a apanhar dele. Falei sobre Arthur e sobre minhas tentativas de convencer Lindsey a me deixar assumir a paternidade dele e por fim, da ligação que havia recebido dela dias atrás, e tudo o que havia conversado com ela hoje em seu apartamento. Preferi não dizer nada sobre a conversa que eu havia tido com Frank, apesar de ter dito a eles que ele fora comigo. Tudo bem que eles deveriam imaginar que Frank sabia de parte da história, mas não queria confirmar os pensamentos deles em voz alta. Não por vergonha, mas por medo de Mikey ou Ray se sentirem... ofendidos, ou algo assim. Eu acabara de conhecer Frank e já contara a ele o período mais crítico da minha vida antes mesmo deles conseguirem imaginar o que havia de errado comigo. Eu me sentia culpado por isso, em parte, mas não acho que eu teria conseguido contar tudo aquilo a eles sem antes conversar com Frank. Ele foi, literalmente, o pontapé inicial para toda essa revolução na minha vida. Se eu não tivesse, sequer, o visto aquele dia, nós nunca nos conheceríamos, eu continuaria estagnado do mesmo modo e a ligação de Lindsey uma semana depois teria sido solenemente ignorada. Ela e eu acabaríamos mortos. Ela com, provavelmente, um tiro dado por Max, e eu afogado nas minhas próprias mágoas, com um frasco de remédios e uma garrafa de gim.


Quando terminei, a primeira coisa que fiz foi olhar para Mikey. Nem eu mesmo havia percebido que, enquanto falava, abaixava o olhar, com vergonha e medo de suas reações. E eu não pude reprimir um pequeno sorriso, mesmo que triste, ao ver os olhos de Mikey brilhando em minha direção. Estavam transbordando lágrimas, mas aquilo não importava. O que eu via neles, por trás de todas aquelas lágrimas, foi um brilho de admiração tão forte, tão verdadeiro... algo que eu nunca imaginei que seria direcionado a mim. E eu finalmente me senti apto para ser um irmão de verdade. O irmão que Mikey precisava.


Olhei depois para Ray, que me encarava com o olhar mais passivo e compreensivo do mundo. Ele sorriu para mim, talvez um pouco abalado, colocando uma das mãos em meu ombro e me olhando nos olhos, como se dissesse que estava tudo certo e que eu não estava sozinho. O que Ray sabia daquela história era bem menos que Mikey, com certeza, mas aquilo não parecia importar. Agora ele me conhecia realmente, assim como eu o conhecia há anos. Estávamos quites. Verdadeiros amigos, afinal.


Não demorou muito mais para eu sentir os braços dos dois me envolvendo, e lá ficamos. Os três abraçados no meio da sala, naquele momento sensível e íntimo tão estranho para cada um de nós. Quando nos separamos, vi Mikey esfregar os olhos discretamente por baixo dos óculos de grossas lentes, e Ray olhar de mim para ele, rindo um pouco. Estava tudo normal, por fim. Éramos apenas nós, assim como éramos apenas eu e Frank naquele carro. E eu sentia minha cabeça cada vez mais leve, meus pensamentos se juntando e tomando formas coerentes, as palavras desconexas prontas para sair da minha boca se organizando em frases de forma calma. As coisas só faziam cada vez mais sentido agora.


E eu só conseguia pensar em uma coisa: “Maldito Frank! Ele tinha razão! De novo!”.


– Gerard... – Mikey começou, sem aviso, ainda com aquele brilho de admiração no olhar, tão estranho a mim. – Apesar de ter esperado todo esse tempo para nos dizer isso... Acho que falo por nós dois... – e ele olhou para Ray, que sorriu e acenou com a cabeça para que ele prosseguisse. – Quando eu agradeço toda a confiança que depositou em nós.


– É. Ainda mais em mim. Não sou nada seu, você não tinha a obrigação de me contar isso. – Ray disse, de forma um pouco animada. Imagino que ele conseguia se sentir mais meu amigo agora, assim como eu.


– Tinha sim. Muitas vezes eu te disse coisas e fiz coisas que na hora pareceram sem motivo. – e ele sabia que eu me referia à nossa última discussão. – Mas acho que agora tudo está explicado. Somos amigos, afinal. – e ambos sorriram bobamente, acompanhados por mim. – Eu sei que demorou para eu perceber, mas, se eu não confiar em vocês, em quem eu vou poder confiar?


– Mas que merda, Gerard! – olhei para Mikey assim que o ouvi praguejar, vendo-o enfiar os dedos longos e magros novamente por debaixo dos óculos para tentar parar as lágrimas que teimavam em lhe escorrer pela face.


E eu não pude conter uma gargalhada, dada da maneira mais despretensiosa e leve possível. Havia tempo que eu não ouvia um som assim ser produzido por mim, tão verdadeiramente. Saí do meu lugar no sofá, apenas para sentar-me ao lado de Mikey e abraçar-lhe pelos ombros de forma desajeitada, porém carinhosa, o que fez apenas Mikey rir e se apressar ainda mais em se recompor. Ray fazia coro comigo em suas gargalhadas assistindo nossa cena.


– Gerard. – Mikey me olhou de forma questionadora, e eu ainda tinha meu braço sobre seus ombros. Eu não queria soltá-lo. Queria finalmente poder protegê-lo, como um legítimo irmão mais velho deve fazer. – O que pretende fazer agora?


– Como assim? – eu não havia entendido sua pergunta sob uma primeira análise.


– Sabe... – Ray prosseguiu. Ele, pelo menos, já havia entendido o que meu irmão queria falar. Provavelmente era sobre algo no qual ele estava pensando também. – Com relação à Lindsey, às denuncias...


– Eu... – eu comecei, e tenho certeza de que eles nunca ouviram aquela frase saindo da minha boca antes. – Eu acho que preciso de ajuda com isso.


E o sorriso de Mikey naquele momento não poderia se estender mais, de forma alguma.


No dia seguinte, a escola. Nada me parecia mais estranho do que voltar àquele lugar. Sinceramente, eu imaginava aquilo tudo como fazendo parte da minha infância, da minha adolescência. Agora eu já não me sentia em nenhum desses estágios. Se eu já não me encaixava lá antes, agora eu sentia que me encaixava menos, porque todos os meus problemas reais iam muito além do que qualquer coisa que pudesse acontecer dentro daquele prédio. Meus problemas envolviam a maioria das pessoas que eu conhecia, e, se eu desse um passo errado, muita gente poderia sair machucada, inclusive eu. E isso ia muito além do que qualquer problema que um adolescente normal possa ter.


Quando nós quatro chegamos à frente dos portões da escola, olhei para Frank discretamente, me lembrando que um dia ele rira da minha extrema preocupação com Gregory e o que ele poderia fazer comigo. E, com essa memória, ri sozinho, com as mãos enfiadas nos bolsos. No fim ele tinha razão novamente, Gregory nunca me pareceu tão insignificante quanto agora. Meus problemas com ele nunca me pareceram tão bobos, tão pequenos... Tão idiotas, assim como ele próprio.


E, sem o medo costumeiro, entrei na escola e ficamos os quatro no pátio de entrada conversando até que Mikey fosse embora, seguido um pouco depois por Frank, e depois disso não demorou muito para que o sinal batesse e que eu e Ray fossemos para nossa sala. Eu sentia como se nada pudesse dar errado naquele dia, porque sempre ocorre aquele pensamento de “pior do que está não pode ficar”. E digamos que eu estivesse um pouco errado com relação a isso.


Entramos na sala, eu e Ray, e fomos acompanhados pelos olhares e cochichos de toda a turma até nos acomodarmos, um pouco mais afastados do resto, nas primeiras carteiras próximas à porta. Olhei por toda a extensão do local e achei aquele falatório todo ainda mais estranho. Gregory não estava ali. Eles deviam estar agindo com indiferença, assim como na semana que passara. Olhei para Ray, o cenho franzinho, e ele devolveu meu olhar, um pouco tenso em sua carteira, da mesma forma. Ele também tinha notado.


– Olha, sei que isso vai soar clichê... – Ray começou, olhando meio desconfiado para os lados antes de prosseguir, apenas para ter certeza de que não havia ninguém por perto escutando nossa conversa. – Mas eu estou com um mau pressentimento.


Passei meus olhos novamente por toda a extensão da sala, todos ainda olhando para nós e cochichando. Alguns apontavam, outros riam de forma nervosa, mas todos falam baixo, como se pela primeira vez fizessem questão de que nós não os ouvíssemos. Levei a mão à gravata que fazia parte do uniforme do colégio e afrouxei o nó sem me importar com as “normas sobre o uso do uniforme dentro da sala de aula”. Aquilo tudo estava me deixando inquieto. Não era o clima normal de hostilidade. Eles sabiam de algo. Algo grande, relacionado a mim, que eu não fazia nem idéia do que pudesse ser.


Mas eu sabia que a resposta não tardaria a chegar.


Logo, alguns dos “atletas”, amigos de Gregory, entraram em disparada pela sala, parando no meio dela, rindo sem pudor algum. De alguma forma, aquilo me deixou preocupado. Eram todos altos, idiotas, ricos e debochados. Aquele tipo de gente dentro de uma escola só ri daquela maneira, chamando a atenção de todos para suas caras nojentas, quando eles conseguem ferrar com a vida de alguém. Pelo menos era isso que eles costumavam fazer quando me batiam ou me ridicularizavam na frente da turma. Comecei a sentir meu sangue esquentar, mesmo sem saber o porquê. Talvez fosse aquilo que Ray chamou de “mau pressentimento”, mas eu nunca acreditei nesse tipo de coisa, então tentei me acalmar e permaneci quieto em meu lugar, encarando-os discretamente, esperando o que viria a seguir.


– Galera, vocês não vão acreditar no que está acontecendo lá fora! – um deles gritou. Não era da nossa sala, ele estava no último ano, e ria sarcástico, com lágrimas escorrendo pelo canto dos olhos. – O Gregory! Ele está lá fora com aquele nerd do primeiro ano, sabe? – e ele curvava seu corpo de tanto rir. E eu não conseguia pensar em outra pessoa que não fosse Mikey. Fechei minhas mãos em punhos. – O moleque está quase chorando de medo!


Aquilo foi o bastante para mim. Levantei-me de súbito, fazendo a turma toda se silenciar e me seguir com o olhar, e saí da sala a passos largos. Fodam-se as aulas, fodam-se os professores, foda-se se eu fosse expulso. Meu único objetivo em mente era matar Gregory.


Só fui notar Ray e parte da turma atrás de mim quando avistei uma aglomeração estranha no meio do corredor. E por uma brecha eu pude observar. Era Mikey. No chão.


Saí correndo de onde eu estava e empurrei diversas pessoas com violência para que eu pudesse entrar no meio daquele círculo, onde cada aluno, com seu próprio sorriso sádico, ria de Mikey no chão, os lábios ensangüentados e os óculos quebrados ao seu lado. Eu nunca havia sentido tanta raiva em toda minha vida.


– Gregory! – eu gritei, chamando sua atenção. Ele puxava Mikey com força pela gravata, tentando forçá-lo a levantar, mas soltou-o ao me ver. Seu nariz parecia bem novamente, mas seu ego estava visivelmente ferido.


– Ora, Ora! Se não é o Super Way! Veio salvar o irmãozinho hoje, é? – ele ria debochado, e a roda se abriu um pouco quando os alunos perceberam que ele se aproximava mais de mim.


– Tudo bem você me bater, mas é melhor tirar suas mãos imundas de cima do meu irmão, ouviu? – e com aquelas palavras eu afirmava para mim mesmo que já estava mais do que na hora de eu assumir o meu papel de irmão mais velho. Mikey, ainda no chão, me olhava um pouco atordoado, devido aos socos. Não se movia, pois aparentemente não conseguia se levantar.


– Você se lembra do que aconteceu da última vez que me ameaçou, não lembra, Way? – ele se aproximou ainda mais, o dedo em riste apontado para o meu peito. Mas eu não me movi um único milímetro para trás.


– E você deve se lembrar do que eu fiz com a merda do seu nariz da última vez que tentou me socar, não lembra? – eu cuspi as palavras com violência em sua face, e ele embranqueceu um pouco, ouvindo um tímido coro de risadas dos alunos que nos assistiam como hienas a espera de um pedaço de carne esquecida pelos leões.


– Calem a boca, todos vocês! – ele berrou nervoso, perdendo um pouco de toda a pose. O que só confirmou a minha teoria de que sem o apoio do público, o palhaço não é nada. Seu olhar logo se voltou a mim. – E você, Way, vai me pagar pelo que me fez semana passada. Você e o seu irmãozinho cretino! – ele rosnou, e se afastou de mim rapidamente, dando um chute rápido que acertou Mikey em cheio no estômago.


E eu voei para cima dele. Meu primeiro soco acertou sua barriga, e eu o ouvi gemer sonoramente pela dor, curvando-se para frente. Dei, naquela área, mais dois ou três socos, até vê-lo de joelhos no chão. Então agarrei seus cabelos, e aproximei meu rosto da sua orelha:


– Não ouse me ameaçar, McCain. – eu rosnava para ele, que apenas gemia de dor em resposta, as duas mãos postas sobre o estômago. – Ou eu faço você engolir essa sua língua.


E, repetindo as palavras que ele próprio havia me dito quando nos confrontamos pela primeira vez, agarrei seus cabelos novamente, e direcionei uma joelhada em seu rosto. Notei o sangue quase que instantaneamente. Talvez seu nariz estivesse quebrado de novo. E isso não me faria mais feliz.


Deixei Gregory lá, largado no chão, uma das mãos sobre o nariz, a outra sobre a barriga, e o choro contido fazendo com que todos se calassem. Olhei todos daquela aglomeração com desprezo, e eles logo começaram a se dispersar. Admito que tudo aquilo me assustou um pouco... mas não havia sido como da primeira vez em que eu havia batido em Gregory. Dessa vez eu estava totalmente ciente do que eu estava fazendo. Em cada ato, em cada investida. Era eu.


Direcionei-me então a Mikey, ajoelhando-me no chão ao lado dele. Ray, que não saíra de lá nem por um instante, correu até nós, a face tensa, porém com o olhar controlado, como se tentasse fazer eu me acalmar de alguma forma.


– Gerard... Pra que isso tudo? – Mikey resmungou, cuspindo um pouco de sangue no processo. Ele devia estar com um corte no interior da boca. Isso se não tivesse perdido nenhum dente.


– Porra! E você ainda pergunta? – coloquei minhas mãos, frias e trêmulas, no rosto de Mikey, encarando-o melhor. Notei, rapidamente, sua dificuldade para respirar. Por mais que estivesse ofegante, já era para sua respiração ter se estabilizado. – Mikey, você está com a sua bombinha? – ele fez que não com a cabeça, a respiração ficando cada vez mais pesada.


Eu me levantei do chão sem pensar, e comecei a correr até a sala de Mikey, que estava mais próxima do que a minha naquele momento. Devia estar na mochila dele, ele sempre a deixava lá, apesar de eu sempre insistir para ele carregá-la no bolso.


– Gerard, onde você está indo? – Ray gritou, e antes que eu sumisse de sua vista, gritei uma resposta.


– Leve Mikey para a enfermaria! Eu vou pegar a bombinha dele! – e, dito isso, corri sem olhar para trás.


A imagem de Gregory estirado no chão chorando sem conseguir se levantar ao lado de Ray e Mikey não poderia me deixar mais satisfeito. Nunca me senti tão bem em fazer mal a alguém. Pode soar estranho, sim, eu sei, mas é a realidade. Há muito, muito tempo eu já devia ter feito algo a respeito das provocações que aquele idiota sempre direcionava a mim. Se eu não tivesse deixado tudo isso ir tão longe, talvez agora eu não tivesse que agir daquela maneira. A culpa era minha e da minha falta de atitude no final das contas.


Mas o que realmente dominava meus pensamentos era Mikey.


Quando encontrei a sala de Mikey, abri a porta, um pouco afoito, notando que a professora estava no meio da aula e que todos os alunos estavam sentados e em silêncio. Minha entrada repentina deve ter assustado a todos, que me olharam em espanto. Mas eu não me importei. Murmurei um “com licença” e pus-me a revirar as coisas de Mikey.


– Gerard Way, por um acaso eu posso saber com que direito o senhor interrompe a minha aula dessa maneira? – a professora, que apesar de novata já se sentia a dona da turma, empertigou-se, e logo os cochichos começaram entre os alunos. Eu não respondi, apenas continuei a procurar o que queria. – Gerard Way, não ouviu a minha pergunta?


E vi seus olhos se arregalarem ao notar uma mancha grande de sangue na área do joelho direito da minha calça. Ela permaneceu parada de braços cruzados, tentando manter a pose, mas não insistiu mais. Ficou apenas parada à minha frente, me observando revirar as coisas de Mikey. Onde raios estava aquela maldita bombinha?


Logo senti uma mão em meu ombro. Virei rapidamente para trás e me deparei com Frank, estendendo para mim com a outra mão a bombinha. Até que enfim!


– Imagino que seja isso, não? – Frank disse sério, e a professora logo entendeu o que se passava.


Eu sorri nervoso, peguei a bombinha de sua mão e corri para a porta, mas notei que ele vinha logo atrás de mim. A professora não fez mais nenhuma objeção ou comentário sobre nós, mas logo ouvimos seus gritos ecoarem pelos corredores na tentativa de cessar as conversas entre alunos.


– Como você tem isso? – perguntei um tanto sem fôlego enquanto corria. Notei que a cada passo que eu dava, Frank dava dois.


– Mikey me deu isso no fim de semana. Disse que é bom as pessoas mais próximas a ele terem uma dessas, caso algo aconteça e ele esteja sem a dele. – Frank sorria enquanto falava, apesar da dificuldade em falar e correr ao mesmo tempo. Era visível sua felicidade em ser considerada uma pessoa próxima de Mikey, e ainda mais por poder ajudar dessa forma.


Queria ter metade da alegria que Frank tem ao ajudar as pessoas. É algo realmente raro e admirável. Não se vê muito disso hoje em dia.


Depois disso, decidimos economizar fôlego, e corremos o mais rápido que nossos corpos puderam agüentar até entrarmos, por fim, na enfermaria. Jack estava lá, o semblante dividido entre a animação e a preocupação com o paciente à sua frente. Ele tentava limpar o sangue que escorria da boca de Mikey para seu queixo e, de lá, para seu pescoço, e isso deixava à mostra seus lábios, já roxos pela falta de ar. Ray permaneceu lá, segurando a mão de Mikey e tentando acalmá-lo, mas nada parecia adiantar.


Aproximei-me dele meio estabanado, pisando em alguns dos materiais de Jack. Pedi licença a ele e coloquei a bombinha na boca do meu irmão, que logo aspirou ao remédio, e não demorou muito para sua respiração se estabilizar novamente. A minha e a de Frank, por outro lado, demoraria um pouco mais.


– Eu... Eu realmente lamento. Estão faltando alguns materiais e remédios por aqui, então não havia muito que eu pudesse fazer. – Jack tentava se explicar, enquanto voltava a trabalhar nos machucados de Mikey, um pouco constrangido.


– Não esquenta, Jack. – Frank se pronunciou, jogado em uma cadeira. Eu o olhei e ele apontou uma cadeira ao lado da maca onde Mikey estava deitado, e eu me sentei, agradecido.


Esquento sim, Frank. – Jack murmurou, desolado. Ele se parecia com Frank, afinal. Seu hobby era ajudar as pessoas. Apesar de Jack às vezes querer fazer isso um pouco forçadamente.


– Eu sei que você fez o melhor pelo meu irmão, Jack. – lhe sorri, ainda ofegante, pondo uma das minhas mãos sobre o braço esquerdo e estendido de Mikey. Ray ainda segurava sua mão, posicionado ao meu lado.


Jack pareceu se conformar um pouco apenas com aquele gesto meu, mas eu não estava conformado com nada. A raiva iria demorar a passar, com certeza. Se eu tivesse agido contra Gregory antes, provavelmente nada daquilo teria acontecido...


Mas agora não dava mais para concertar, aquilo era só mais um erro do passado. O que eu tinha que fazer naquele momento era me acalmar e me concentrar em cuidar de Mikey.


Mas aquela seria a primeira e única vez. Porque com certeza episódios como aquele não se repetiriam nunca mais. Não enquanto eu estivesse ao lado do meu irmão.



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Notas finais do capítulo

Bom, postei hoje porque amanhã e segunda terei vestibular.
Torçam por mim, porque estou aqui, "tremendo nas bases"!
Talvez me encontre com vocês novamente na terça-feira, com um novo capítulo, ok? :)
Espero que estejam gostando do andamento da história! Se não estiverem, não pensem duas vezes antes de reclamar!
Beijos, muito obrigada por lerem até aqui!
Espero vocês nos comentários!