Bleeding escrita por caiquedelbuono


Capítulo 36
Epílogo.




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Passou-se uma semana desde que Kofuf fora transformado em cinzas pelo incêndio calamitoso provocado por Logan. Os bombeiros nada falaram sobre a presença de restos mortais de algum indivíduo por entre os objetos consumidos pelo fogo, e o garoto logo concluiu que o zumbi desaparecera da face da Terra, literalmente. Assim como a carta do estudioso indicava, sua essência havia sido consumida e nunca mais voltaria. Logan já havia pensado se um zumbi antropomórfico seria capaz de renascer das próprias cinzas assim como uma fênix mitológica.

As coisas haviam mudado em Shavely, a partir de então. A morte do zumbi repercutira de tal maneira que os alunos que não haviam acreditado em sua existência, passaram a crer que ele realmente apavorou a vida de todos durante esse tempo. Eles só não acreditariam se fossem burros o suficiente, pensou Logan, porque a verdadeira Janeth estava morta e não havia mais nenhuma criatura que pudesse se metamorfosear nela.

Saber que Janeth estava morta fora um choque para a maioria dos alunos e os professores. Apesar de Logan sempre ter odiado a diretora, ele não queria que ela tivesse um fim tão trágico. Ninguém merecia morrer daquele jeito e pensava que ela pelo menos precisava de um tempo para poder perceber que estava agindo de maneira errada ao abusar de sua autoridade. Ele sabia que ela queria mudar, mas não houve tempo para isso. Sua vida fora arrancada e ser uma pessoa melhor já estava fora de cogitação, pelo menos para ela.

A desordem havia tomado conta do colégio durante aquela semana. As aulas estavam completamente perturbadas, os alunos não conseguiam se concentrar e os professores não conseguiam ensinar. Com o cargo de diretor vazio, a Sra. Strauss, que era a pessoa mais confiável de Janeth, assumiu a diretoria até que alguém mais experiente nesse ramo pudesse tomar conta de um colégio tão sofisticado como Shavely. Logan tinha uma ideia para resolver esse problema, mas ele não contou a ninguém, nem mesmo à Sophia, porque tinha a certeza de que iria surpreender a todos.

Falando em Sophia, esse era outro assunto complicado durante aquela semana. Depois que ela foi libertada do cativeiro de Kofuf, manteve-se silenciosa durante quase todos os instantes. Parecia sempre estar refletindo e nunca dirigia a palavra com ninguém. Não sorria e mal se alimentava direito.

Talvez fosse uma atitude esperada, depois de ficar dois dias trancafiada e amarrada sob as garras de um zumbi assassino cuja única objeção era matar as pessoas para poder comer seus corações, mas ele odiava ver sua namorada desse jeito. Era como se ele sentisse, juntamente a ela, as emoções que preenchiam seu coração. Ele não podia esperar que ela falasse sobre isso, não podia esperar que ela ficasse feliz simplesmente porque ele não queria vê-la triste, mas ajudá-la a se sentir melhor era uma coisa que ele sempre tentava fazer, mesmo que não adiantasse de nada.

Aquela tarde de sábado estava fria o suficiente para que não quisessem sair do quarto. Apesar de não haverem mais riscos, o dormitório ainda era único. Eles gostaram da ideia de dormir juntos e, enquanto não tivesse uma diretora que ditasse novas regras, eles acharam que não haveria problema algum.

O olhar de Sophia estava distante e ela fitava com interesse a janela aberta. O sol estava fraco e um vento gelado inundava o quarto. Logan deu um pequeno ruído para chamar a atenção da garota e ela virou o rosto sem qualquer interesse.

— Você está bem? — perguntou Logan, levantando a mão para acariciar o rosto dela.

Sophia deu um sorriso fraco, mas afastou disfarçadamente a mão, que caiu no ar e teria acertado em cheio o chão se não tivesse conectada ao seu antebraço

Logan emitiu um suspiro de insatisfação. Parecia que ela estava tentando se afastar dele.

— Desabafe. — ele pediu — Você nunca falou nada sobre o que ocorreu na sala de Kofuf e acho que isso está te sufocando. Sou seu namorado, confie em mim.

Logan analisou o corpo de Sophia e percebeu que seus ferimentos estavam em processo de cicatrização, mas ainda não estavam em bom estado. Provavelmente, ainda devia doer bastante. A barriga ainda estava envolta pela cinta especial e talvez levasse mais tempo para sarar do que as outras áreas. Uma facada que quase a matara não sararia com tanta facilidade.

— Você acha que isso tem alguma importância, Logan? — ela perguntou com a voz tão fraca que Logan não sabia se tinha entendido com perfeição o que ela falara — Já passou. Ele está morto agora.

Logan se remexeu sobre o colchão do beliche parecendo desconfortável. Ela estava tão longe e isso estava incomodando-o.

— Por que você está distante de mim? — ele perguntou parecendo uma criança chorosa — Desde que aquele maldito zumbi te prendeu, você mal me beija. Você age como se eu fosse um amigo.

Uma expressão diferente percorreu o rosto de Sophia e ele percebeu que sua bochecha fora preenchida com sangue. Seus olhos estavam piscando rapidamente e eles queriam dizer o que sua boca estava impossibilitada.

— Foi tudo muito difícil para mim. — a voz dela era sombria e suas sobrancelhas se ajeitaram de um jeito que demonstrava uma leve irritação a dominando — O que acha que eu senti quando me vi completamente amarrada e submissa a um zumbi? Fui tão idiota por ter permitido que ele me levasse àquele cativeiro.

De repente, um sentimento de culpa invadiu o coração de Logan. Estava tão óbvio que Kofuf tentaria fazer algo contra eles quando percebeu que haviam vasculhado sua sala. Ele deveria ter ficado de alerta naquela noite. Deveria ter protegido Sophia com unhas e dentes. Ele não conseguia saber como ela podia amar alguém tão imbecil.

— Tudo isso é culpa minha. — ele disse fitando o chão — Eu provoquei tudo isso quando contei a vocês a verdade. Eu deveria ter ficado quieto.

Sophia agarrou a mão de Logan e ele olhou no fundo daqueles olhos verdes e penetrantes que ele tanto amava.

— É sério que você está dizendo isso? E carregaria todo aquele peso sobre as suas costas? Acha que teria conseguido destruí-lo se não houvesse compartilhado conosco? Você seria muito inconsequente se fizesse isso.

— Mas eu coloquei a vida de vocês em risco. Eu deveria ter protegido-os em silêncio.

— Você fez exatamente o que tinha que ser feito, Logan, e eu tenho muito orgulho de você por isso.

Ele deveria se sentir reconfortado, mas aquelas palavras não foram suficientes para isso. Sentir orgulho não era uma coisa que faria com que se sentisse mais amado. Qualquer um poderia ter orgulho dele. Durante os últimos dias, a única coisa que tinha de Sophia era a sua amizade. Sentia saudade do seu abraço caloroso, dos seus lábios macios e do gosto doce do seu beijo. Queria mais do que tudo poder novamente olhar no fundo dos olhos dela e dizer que a amava sem se perguntar se estava fazendo o certo. Sem duvidar do sentimento dela por ele. Apenas queria ter a certeza de que ela o amaria por tudo o que ele fizesse.

— Você ainda não respondeu a minha pergunta. — ele disse.

Sophia suspirou e desviou o olhar para qualquer outra coisa que não fosse Logan. Ela estava fugindo do assunto e aquilo o sufocou de uma maneira que não conseguia descrever. Seus olhos arderam em lágrimas e ele se forçou o máximo que pôde para elas não escorrerem.

— Não sei se você deseja saber o porquê de eu estar assim. — a voz fria fez com que ele sentisse ainda mais medo.

— Eu preciso saber. — ele insistiu com uma euforia incrível — Me diga, por favor.

Sophia assentiu e levou as duas mãos ao rosto para esfregá-lo. Ela olhou para o teto do dormitório e fechou os olhos como se estivesse tomando coragem para dizer qualquer coisa. Uma rápida olhada para o rosto aflito de Logan e ela desviou o olhar para o zíper de sua calça.

— O zumbi... — o único sentimento que poderia estar acompanhando tais palavras era repugnância — me obrigou a...

Ela parou de falar como se suas forças tivessem sido abatidas e um choro desesperado tomou conta dela. Lágrimas grossas escaparam dos olhos lacrimejantes da garota e ela transportou o corpo para mais perto do de Logan.

O garoto estava aturdido e não podia imaginar que isso pudesse ter acontecido. Não sabia o que dizer e seus olhos estavam arregalados. Apenas afagava o cabelo de Sophia enquanto ela encharcava sua camiseta com lágrimas salgadas.

— Foi tão horrível, Logan. Ele estava transformado em Brian e meu nojo diante tal cena me impede de tentar descrever. Eu queria conseguir esquecer, mas essas imagens sempre voltam para me atormentar. Eu não consigo dormir à noite quando imagino que tal atrocidade aconteceu comigo. De novo.

Um soluço subiu à garganta de Logan e sua voz saiu embargada em um choro que ele controlou para não demonstrar.

— Eu estou aqui. — foram as melhores palavras que conseguiu escolher — Chore. Bote para fora tudo o que está guardado dentro do seu coração. Estou para sempre com você.

Sophia se agarrou desesperadamente a Logan e segurou o seu corpo como se fosse dela. Ambos estavam colados um ao outro, embalados como se fossem um só.

— Pode me prometer que nunca sairá da minha vida? — ela perguntou olhando para os seus olhos — Não pude evitar parecer ser tão fria diante tais circunstâncias, mas eu amo você mais do que eu amo a mim mesma. Você é tudo o que eu tenho.

Era tudo o que ele precisava ouvir.

— Serei sempre seu e nenhumas outras palavras serão mais verdadeiras.

Pela primeira vez naquela semana, um sorriso de felicidade escapou dos lábios dela. Ele a protegeu sob seus braços e sentiu o calor escapando de cada parte do seu corpo. Os dedos dele foram explorando cada parte do seu corpo, brincando de lhe causar arrepio. Um olhar foi mais do que suficiente para que ele a trouxesse ainda mais perto e permitisse que seus lábios se encontrassem. A sensação daquela boca macia se encostando à dele era extasiante e apenas servia para ele querer mais. A língua dele ia adentrando na sua boca vagarosamente, como se aquele fosse o primeiro beijo. Como se ainda estivesse conhecendo o território. Era ardente e apaixonante e ele estava mais do que viciado.

— Acho que finalmente solucionamos o mistério da nova diretora! — disse Helena, abrindo a porta do dormitório com uma velocidade recordista. — Logan tentou esconder, mas a verdade finalmente veio à tona!

Um suspiro escapou da boca de Logan e Sophia quando se desvencilharam e caíram na gargalhada.

— Pelo menos dessa vez ela não atrapalhou o momento que precede o beijo. — disse Sophia com respingos de riso se intercalando ao seu tom de voz.

Helena deu de ombros.

— Engraçadinha.

— Tem certa mulher querendo te ver, Logan. — informou Tommy, que estava ao lado de Helena escondendo uma risada por entre seus lábios — Ela está esperando na sala de estar.

— Por que não diz logo que é a tia dele? — perguntou Helena beliscando levemente o braço de Tommy — E, francamente, Logan, por que você não contou isso à gente? A quanto tempo está escondendo que Mary será a nova diretora do colégio?

— O quê? — perguntou Sophia ­— Ela será?

— E a lerdeza novamente voltou a dominar o corpo da princesinha. — disse Helena em seu usual tom sarcástico — Vamos pensar? Logan disse que sabe uma pessoa perfeita para se tornar a nova diretora e eis que a tia dele resolve vir ao colégio para conversar com ele. Agora, com muito esforço, o que você pode concluir?

Sophia apenas deu uma risada forçada, enquanto revirava os olhos.

— Não questione minha inteligência, ruivinha selvagem. — Helena abriu a boca numa expressão de surpresa a ouvir tal insulto — Eu sei muito bem como se raciocina, mas apenas estou impressionada porque finalmente teremos o que sempre queríamos: uma diretora legal dentro desse colégio.

— Uma diretora legal... e bonita. — Tommy completou.

Logan olhou para Helena e percebeu a raiva se formando dentro do seu cérebro. Uma cena de ciúmes estava prestes a se formar e ele queria se sentar e pegar uma vasilha de pipocas enquanto assistia.

— Seu safado! — Helena levantou a mão e deu dois tapas na cabeça de Tommy — Era só o que me faltava você ficar babando na nova diretora do colégio.

Tommy esticou as mãos para se defender da fúria de Helena, mas seus lábios evidenciavam que estavam se divertindo com toda aquela situação.

— Pensei que não tinha ciúmes. — provocou Sophia, cochichando as palavras ao ouvido de Helena.

— Não se intrometa. — revidou Helena — Cuide do seu namorado, que eu cuido do meu.

Logan começou a andar em direção à porta do quarto.

— Bem, acho que não podemos deixar a futura diretora do colégio esperando para assumir a posse. Vamos encontrá-la.

Os garotos assentiram e seguiram Logan até que todos estivessem fora do quarto, rumando para a sala de estar.

— Acabei de lembrar que no próximo final de semana tem festa! — disse Helena — Temos que dizer a ela para caprichar na decoração, contratar outra banda famosa, comprar muitas bebidas...

— Assim você leva minha tia à falência.

Helena bufou.

— Você nunca vai deixar de ser chato, não é?

Logan fez um sinal negativo com a cabeça e Helena revirou os olhos. Eles continuaram caminhando em silêncio até encontrarem a porta da sala de estar. Rapidamente entraram e uma mulher com longos cabelos negros e escovados estava sentada no sofá, olhando para todos os cantos e parecendo muito aflita. Mary estava elegante como sempre e dessa vez um vestido azul-escuro, que Logan julgava ser de cetim, cobria seu corpo.

Logan pigarreou e Mary desviou o olhar para ele.

— Ah! Graças a Deus vocês chegaram! — ela levantou do sofá e foi se encontrar com eles — Eu estou nervosa. Não sei se estou pronta para governar um colégio.

Logan deu um sorriso.

— Você nasceu pronta. Sempre levou jeito com crianças e lembro-me muito bem da única pessoa que foi capaz de me dar conselhos quando mais precisei.

— Logan, isso é sério. — Mary levou a mão à boca e começou a roer a unha do dedo indicador — Cuidar de um sobrinho é completamente diferente de cuidar de um colégio. Além do mais, tem certeza que eu posso ser a diretora?

— O colégio é hierárquico e Janeth era a última pessoa viva da família. Não sobrou mais ninguém e qualquer pessoa de fora pode assumir a diretoria.

Mary franziu o cenho.

— Como sabe disso?

— Ele não sabe. — disse Helena — Apenas está juntando palavras difíceis e tentando dar sentido a elas.

Logan fuzilou a amiga com o olhar, mas desconsiderou responder àquele comentário.

— Mas... a sala da direção não foi destruída durante o incêndio? Onde vou ficar enquanto ela é reformada?

— A Sra. Strauss utilizou a biblioteca para assumir suas funções de diretora, mas creio que ela não permitirá que você faça o mesmo. Sei que há uma sala vazia no segundo andar do colégio.

— Era a antiga sala de espanhol. — contou Sophia — Janeth cortou essas aulas da grade quando a última professora teve que sair e ela não encontrou alguém que a substituísse.

A cada informação nova que obtia, Mary parecia cada vez mais confusa e disposta a sair correndo de lá.

— E por que não deixam a bibliotecária como diretora?

Helena riu.

— Ela é velha demais para isso. A única coisa que sabe fazer é ficar resmungando pelos cantos. E ela tem pelos na orelha! Aposto que ela deve usar fraldas...

— Ah, ok Helena. — Tommy colocou a mão na frente da boca dela, impedindo-a de falar — Todo mundo já entendeu.

Mary coçou a parte traseira da cabeça e entortou a boca em uma expressão de insatisfação. Sua face rígida demonstrava que não queria aceitar a proposta de jeito nenhum.

— Certo... eu realmente não tenho outra alternativa, tenho?

Logan deu um sorriso travesso.

— É claro que não. — ele puxou a mão da tia e começou a arrastá-la até a porta da sala de estar.

— Espere. — ela se retesou — Para onde está me levando?

— A cerimônia de posse, ué. O colégio todo está nos esperando lá na quadra de esportes.



A quantidade de alunos boquiabertos quando perceberam quem se tratava a nova diretora misteriosa foi impressionante. Talvez esperassem por uma mulher velha e obsoleta, assim com a Sra. Strauss, e realmente não imaginavam que encontrariam alguém tão jovial como Mary. Só Logan conseguia enxergar que ela era perfeita para aquele cargo?

Ela se manteve nervosa durante os primeiros minutos do discurso e por diversas vezes engasgou-se com as próprias palavras, mas ao pouco foi se soltando e começando a interagir com os alunos. Palavras importantes saíram de sua boca e ela não conseguiu deixar de citar a presença sobrenatural que pairou sobre o colégio durante as semanas anteriores. Por mais que a ameaça tivesse sido aniquilada, advertiu os alunos que outros zumbis poderiam invadir o colégio. Logan lhe informara de que Kofuf já dissera várias vezes que uma legião de zumbis estava pronta para atacar, mesmo sem saber se isso era verdade ou não. Um ataque não poderia ser descartado, mas Logan preferia não pensar naquilo. Queria esquecer por alguns momentos que zumbis existiam de verdade.

As palavras de Mary continuaram a surtir um efeito positivo nos alunos. Era como se uma aura dourada tivesse preenchendo o colégio. A simpatia de Mary era inquestionável e rapidamente todos perceberam que ela era incrível.

Um cronograma com novas regras seria impresso assim que tomasse posse de sua sala improvisada e a expectativa no rosto dos alunos era mais do que evidente. Saber que as coisas poderiam mudar agora que o colégio estava na mão de alguém que merecia sentimentos positivos era realmente muito bom. Novas regras visavam novas atitudes e tudo seria diferente. Uma mudança para melhor estava se aproximando e nada poderia ser melhor que aquilo. Logan estava se sentindo orgulhoso de si mesmo por ter sido o responsável por colocar a pessoa certa na direção do colégio.

A noite já havia caído e Logan, Sophia, Helena e Tommy estavam reunidos na sala de estar. Logan estava segurando o pedaço de papel que Mary havia entregado ao quarteto.

— Estão todos psicologicamente preparados? — perguntou Sophia.

— Deixe de frescura. — disse Helena rudemente — É apenas um pedaço de papel.

A menina loira amarrou a cara de um jeito que deixou Logan assustado. Qualquer dia desses, ela se irritaria de verdade com Helena e deixaria seu rosto com alguns hematomas.

— Que mudará nossas vidas daqui para frente.

Tommy suspirou.

— Será que é possível vocês pararem de brigar por pelo menos alguns segundos? Deixem o Logan ler o que está escrito.

Logan agradeceu e pigarreou antes de começar a ler a folha de papel.

Enquanto lia, percebia que sua vida seria a melhor possível daqui para frente. O regime de internato fechado mudaria para internato semiaberto, o que indicava que eles poderiam sair do colégio pelo menos no final de semana. As festas mensais seriam levemente reduzidas devido ao seu grande custo e seriam realizadas uma vez a cada três meses. Os dormitórios continuavam divididos entre meninas e meninos, mas havia uma nova relação com os nomes dos alunos: Helena e Sophia ainda dividiriam o mesmo quarto, enquanto Logan dividiria com Tommy. As aulas ainda continuavam preenchendo tanto o período da manhã como o da tarde, e nada havia mudado em relação a isso. Um belo dinheiro guardado na poupança do colégio seria investido para uma reforma na quadra de esportes, visando cobri-la devidamente como vários alunos sempre reclamaram.

Logan terminou de ler e dobrou o papel, repousando-o sobre o sofá.

— Como assim minhas festas serão reduzidas? — perguntou Helena indignada — Vou conversar seriamente com Mary sobre isso depois.

Sophia olhou para ela como se fosse completamente desvairada.

— Não acredito que está preocupada com isso. — um suspiro — Não tenho para onde ir ao final de semana.

— Nem eu. — repetiu Tommy insatisfeito.

— Vocês podem ficar aqui se quiserem. — disse Logan, percebendo que isso não ajudaria absolutamente em nada — Não são obrigados a abandonar o colégio no final de semana. É apenas uma possibilidade a mais.

O sorriso falso que escapou dos lábios de Tommy e Sophia fez o pensamento de que todas as pessoas ali dentro pudessem ser órfãs aquecer sua mente. Seus pais também estavam mortos, mas ele sabia que poderia passar o final de semana na casa de Mary. A mãe de Tommy estava morta e ele considerava o pai a última pessoa do mundo. Já Sophia... bem, não precisava nem citar sobre a sua situação familiar. Agora, ele nunca havia parado para pensar sobre Helena. Nunca tivera a chance de perguntar a ela o que tinha acontecido para estar naquele internato e nem sabia se tinha o direito de ter conhecimento dessas coisas. Eles obviamente eram amigos, mas até onde a amizade iria a ponto de saber de coisas que poderiam perturbá-la? Será que seus pais estavam mortos? Será que tinha brigas constantes com eles a ponto da convivência tornar-se insuportável?

— Ou podem ir para a minha casa... — disse Helena timidamente — Lá tem espaço para todos. Há alguns quartos de hóspedes e vocês podem dormir neles.

— Pensei que sua casa fosse Shavely. — disse Logan em um tom provocativo, com a clara intenção de tentar obter a resposta para as perguntas que povoavam sua mente.

Helena suspirou.

— Acha que esse meu jeito é pura coincidência? Quando cheguei a esse internato, Sophia, Tommy e Brian já estavam aqui. Digamos que eu fui a última a chegar do grupo de amigos, desconsiderando você, é claro. Eu tinha um péssimo comportamento e uma relação familiar ainda pior. Brigava sempre com a minha irmã e chamava meu pai de coisas que eu realmente não gostaria de repetir. Eles sempre diziam que iam me mandar para um colégio interno, mas eu nunca ligava e sempre achava que era da boca para fora. — ela fez uma pausa e fechou os olhos tentando tomar coragem. Os amigos ouviam a história com interesse — Eu devia ter uns oito ou nove anos, quando, em meio a uma discussão com o meu pai, peguei uma faca na gaveta da cozinha e atirei contra ele. Por sorte, acertou a perna e ele não morreu, mas aquilo foi a gota d´água para me mandarem para cá. Sempre me arrependi por isso e constantemente ligava para casa e conversava com a minha mãe. Cogitava a ideia de voltar, e, embora ela achasse que eu merecesse essa chance, meu pai jamais permitiu. Não os vejo até então e, aqui estou eu, desde quando tive a infeliz ideia de jogar um objeto cortante em uma das pessoas responsáveis por terem me colocado no mundo.

Um sorriso escapou dos seus lábios quando ela terminou de falar e Logan estava tão boquiaberto que sua saliva estava secando dentro da boca. Sophia e Tommy encontravam-se do mesmo modo que ele.

— Uau. — disse a menina loira — Sempre soube que você era uma delinquente juvenil.

— Não brinque com isso. — Helena choramingou — Eu não queria ter feito o que fiz.

— Por que nunca me contou isso? — perguntou Tommy segurando na mão dela.

— Ah, Tommy, faria alguma diferença se eu contasse? Nem sei por que eu acabei contando isso a vocês agora, mas me bateu um desespero por saber que chegou a hora de voltar para casa, olhar no fundo dos olhos do meu pai e pedir desculpas.

Logan se lembrou de Helena falando com naturalidade sobre sua família no dia que distribuíra as fantasias para a festa de Halloween. Ela era perita em esconder seus sentimentos e talvez toda aquela agressividade que às vezes demonstrava era apenas uma defesa contra si mesma. Talvez “agressividade” não fosse a palavra certa... Helena era inconsequente e não se grudava às regras. Por mais que ela nunca tivesse comentado nada, Logan sabia que havia um motivo para ser assim.

— Agora que sabem minha história de vida, podem questionar minha personalidade.

Aquilo era uma coisa que ele nunca faria. Cada um tinha o seu jeito de ser e, não importassem as circunstâncias, tinham que aprender a conviver com isso. Logan sempre seria observador e pensativo. Arrancava fragmentos de conversas e transformava-as dentro do próprio pensamento, tentando decifrá-las de um modo que as outras pessoas não faziam. Aquele momento de reflexão foi responsável por fazê-lo perceber que seus ataques de fúria eram cada vez menos frequentes e isso talvez indicasse um diagnóstico de cura. Sua esquizofrenia estava deixando de existir ao longo do tempo e quem sabe agora poderia considerar-se como uma pessoa normal.

Agora que estava imerso profundamente em pensamentos, se esquecendo do mundo à sua volta, poderia fazer o que Helena havia sugerido. Não questionar a personalidade como se tentasse julgá-los, mas sim perceber as qualidades e os defeitos que cada um deles possuía. Notar o que eles tinham de melhor e os fatos que foram precursores para que pudessem ser amigos.

Quanto à Sophia... Ela sempre teria aquele jeito doce e delicado, como se pudesse quebrar com um simples toque. Sua personalidade prestativa e seu rosto sorridente sempre se destacariam diante suas emoções externas.

E não adiantaria tentar mudar o jeito desleixado e selvagem de Helena. A garota sempre teria uma resposta na ponta da língua e seu senso de humor prevaleceria acima de tudo. Ela era aquele tipo de pessoa que poderia perder um amigo apenas para ter o prazer de fazer uma piada.

E o que dizer de Tommy? Ele sempre seria aquele garoto calado e quieto com os cabelos jogados sobre o olho e um piercing de argola enfeitando o nariz. Não adiantaria tentar mudar sua aparência para agradar aos outros ou porque os amigos disseram que seria o melhor a se fazer. Ele tinha que se sentir bem do jeito que ele era e sempre foi.

Logan tinha que admitir que as amizades que construíra dentro de Shavely seriam para sempre. Jamais, em hipótese alguma, se esqueceria daquelas pessoas que estavam sentadas junto a ele no sofá.

— Que silêncio! — disse Sophia rindo — Será que vocês estavam pensando no mesmo que eu?

— Por um acaso você estava pensando no quão importante é a amizade que construímos? — perguntou Tommy.

Um sorriso se formou nos lábios da garota.

— Sim! Você também estava?

Tommy acenou afirmativamente com a cabeça.

— Eu também... — disse Logan e Helena em uníssono.

Os quatro amigos sorriram radiantemente. Eles levantaram do sofá e suas mãos se uniram. Aproximaram-se e após alguns segundos estavam envolvidos em um abraço coletivo. O calor da amizade podia ser sentido e aquele momento nunca seria esquecido. Compartilhar o mesmo pensamento era o símbolo de uma união que duraria para toda a vida.

Um pigarro interrompeu a conexão entre os amigos e eles se afastaram. Uma menina que Logan nunca havia visto na vida estava parada diante deles, olhando com interesse. Seus cabelos castanhos eram tão grandes que suas pontas chegavam a alcançar seus glúteos. Os olhos castanhos eram claros, mas ao mesmo tempo uma estranha escuridão parecia emanar deles. A maquiagem escura e exagerada deixava seu rosto pesado e a garota exibia peitos visivelmente avantajados.

— Com licença, desculpe se estou atrapalhando algo, mas sou nova por aqui. Acabei de chegar e gostaria de saber se vocês podem me ajudar.

Logan pareceu ficar encantado com a beleza daquela menina e rapidamente balançou a cabeça afirmativamente como se fosse um idiota.

— É claro!

A menina sorriu.

— Estou grata pela gentileza. Ah, e que deselegância a minha. — ela deu um tapa na própria testa — Meu nome é Fanny. E o de vocês?

As apresentações foram devidamente feitas e Fanny apertou a mão de todos.

— Ouvi dizer que esse colégio é um internato de regime semiaberto, estou certa?

O tom de voz de Fanny não emitia nenhum interesse. Logan teve a leve impressão de que ela havia perguntado apenas para puxar algum assunto.

— Agora é. — respondeu Sophia — Uma nova diretora assumiu depois que a antiga morreu e o regime foi mudado.

— Hum... — respondeu Fanny — Então, será que vocês podem dizer onde fica a sala dela?

— Ela está usando uma sala improvisada. — a menina loira respondeu — Você a encontrará no segundo andar do colégio. Suba o primeiro lance de escadas que vir pela frente e vá até o final do corredor, na última sala à direita.

Os olhos de Fanny brilharam e ela fez um pequeno movimento com o corpo.

— Obrigada. Foi um prazer conhecer vocês.

Ela virou o corpo e foi em direção à porta da sala de estar. Deu uma última olhada para os quatro amigos — que estavam cochichando o fato de terem achado Fanny simpaticíssima — e sem que ninguém pudesse perceber, seus dentes pontiagudos ficaram à mostra.


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Notas finais do capítulo

E depois de muito trabalho, dedicação, suor e horas queimando os miolos, mais uma fic chega ao fim. Sei que dá uma sensação de quero mais, mas tudo que é bom um dia acaba.
Devo dizer que Bleeding é a fic mais madura que eu já escrevi (não diria a melhor porque não quero parecer prepotente). Nela pude aperfeiçoar meus métodos de escrita e acumular um vocabulário levemente rico. Foi com essa fic que criei o melhor personagem que eu poderia ter criado (a Helena, eu a amo de paixão!) e me apeguei a eles de tal maneira que sempre penso como seria se eles existissem de verdade.
E eu tenho que agradecer tudo isso a você que está lendo essa nota final. Você que acompanhou essa história até o fim, curtiu cada cena, se aterrorizou com cada morte sinistra, vibrou cada momento de felicidade dos personagens, mergulhou de cabeça e vivenciou a história como se fizesse parte dela. Agradeço cada review que foi deixada elas foram muito importantes para que eu tivesse incentivo de continuar escrevendo, agradeço a todos os leitores que criticaram positiva e negativamente, agradeço aos momentos de espera quando eu demorava a postar, agradeço a todo mundo que de alguma forma ajudou para que essa fic não ficasse apenas na minha cabeça.
Sei que posso considerar Bleeding um mini-sucesso e todo esforço valeu a pena. Cada minuto que fiquei matutando pra encontrar o melhor jeito de escrever fez tudo ter sentido. Quando você termina de escrever uma história, olha para trás e vê todo o esforço necessário, você se dá conta do quão importante tudo isso foi. Você se sente como se uma missão tivesse sido cumprida.
Teve momentos nos quais a inspiração me faltava e já cheguei a pensar em jogar tudo para o alto e abandonar a fic de uma vez. Mas daí eu percebi que isso seria tolice e que não poderia deixar todos vocês na mão. Eu tinha que ir até o fim e... bem, creio que consegui.
Mais uma vez agradeço a todas as pessoas que contribuíram, mesmo da menor maneira possível, para que essa fic saísse e podem ter certeza que verão o nome de todos vocês nos agradecimentos caso um dia eu consiga levar Bleeding às prateleiras das livrarias.
E, como eu não conseguiria viver sem os personagens maravilhosos que criei, em breve começarei a fazer um projeto paralelo no qual descreverei cenas que não puderam ser escritas pelo fato da história ser vista apenas sob o ponto de vista de Logan. Isso mesmo! Pretendo escrever cenas sob o ponto de vista de outros personagens (que estão inseridas dentro da narrativa de Bleeding). Aguardem!
Aqui está o link do projeto paralelo: http://www.fanfiction.com.br/historia/218329/Bleeding_-_Projeto_Paralelo



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