Bleeding escrita por caiquedelbuono


Capítulo 3
Semelhanças.




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Apesar de já ter uma ideia básica do que era o local o qual ele se encontrava, Logan ainda estava achando tudo estranho.

Ainda não havia caído a ficha que ele passaria todas as semanas preso àquele internato, como um detento. Ok, talvez ele estivesse exagerando ao pensar assim, mas era como se sua liberdade tivesse sido arrancada. Ele teria sempre que olhar para os mesmos rostos, todos os dias. Teria sempre que olhar para a mesma paisagem, olhar para o mesmo ambiente, para as mesmas paredes de pedra... Tudo isso parecia muito monótono e ele realmente queria que tudo voltasse a ser como era antes. Lá, na casa dos seus pais, junto a eles, tendo uma vida normal, junto a pessoas normais.

Ele se sentia um estranho que havia sido abandonado pela tia. Seus sentimentos internos eram uma mistura de rancor, amargura e tristeza, tudo aquilo aflorando dentro dele como uma complexa indigestão.

A cabeça dele começou a doer intensamente. Uma dor aguda percorrendo todo o seu cérebro. Ele sabia o que estava acontecendo e já se preparou para sentir toda a raiva transbordando na sua mente. Logan estava com ódio. Ele queria sair pela porta do seu dormitório e sair correndo, gritando e colocando para fora toda a angústia que estava dentro do seu peito, todo aquele sentimento de rancor que ele estava sentindo, aquela vontade absurda de destruir algo.

Ele sentou na cama e levou as mãos à cabeça. Quase tudo estava girando agora e ele fechou fortemente os olhos. Podia sentir as veias que levavam o sangue para o seu cérebro pulsando intensamente, a dor de cabeça ficando cada vez mais ousada.

Logan abriu os olhos e os levou até o porta-retratos dos pais. Ele segurou com toda sua delicadeza e olhou para o rosto rígido do pai, sorrindo para ele como se ele soubesse que Logan estava lá o olhando. Ele podia ouvir a voz grossa do seu pai dentro da sua mente: mantenha-se forte sempre, nunca perca sua fé. Não sabia por que ele havia pensado nisso, talvez a frequência com o que o pai repetia isso sempre que ele se sentia triste ou chateado fizesse com que ele considerasse isso o mais puro dos mandamentos. Mas como ele poderia ter fé e manter-se forte em um ambiente que, à primeira vista, parecia incrível, mas não o deixava feliz? Ele gostara da aparência de Shavely, mas ele nunca iria se adaptar ali, aquele mundo não era dele. Ele precisava de liberdade, expor suas ideias como se não houvesse amanhã.

Seus olhos se desviaram para sua mãe. Linda como sempre, com aqueles cabelos castanhos escorridos pelo corpo, quase tocando o meio de suas costas, aquele sorriso brilhante e feliz. Ele se lembrou de como o abraço de sua mãe era a coisa que ele mais valorizava. Curava todas as suas frustrações, todas as suas angústias, todos os seus medos...

E de repente, tudo o que ele mais amava na vida havia sido retirado brutalmente dele. Isso era injusto demais, por que havia de ser assim? Ele não queria mais olhar para os rostos sorridentes dos pais. Aquilo era uma mentira, ninguém estava feliz dentro daquele quarto. A raiva voltou a inundar seu cérebro e ele arremessou o porta-retratos contra a parede, fazendo com que ele se espatifasse em pequenos pedaços.

A sua respiração estava ofegante. Pequenas gotas de suor escorriam da sua testa e ele levantou-se e viu-se obrigado a ir até o banheiro, ao fundo do quarto, e molhar seus pulsos com uma corrente de água fresca e gelada. Aproveitou a grande quantidade daquele líquido gélido e inundou seu rosto. A raiva logo foi se esvaindo e seu cérebro não estava mais quente. O frio da água fez com que ele se encolhesse, sentindo os pelos do braço se arrepiar.

Uma corrente de ar entrava pela janela aberta e Logan foi até ela para fechá-la. Olhou no horizonte lá fora e percebeu quão bonita era a escuridão da noite. As estrelas brilhavam intensamente e elas pareciam dançar em volta da lua cheia e radiante. Ele pensou em como seria se ele fosse uma delas: silenciosa, distante e bonita.

Depois de fechar a janela, o cansaço lhe bateu. Havia pisado acidentalmente em um dos pedaços do porta-retratos que havia se partido e ficou arrependido por ter tido aquele ataque de fúria. Ele recolheu os pedaços de vidro e colocou-os no para-peito na janela, enquanto pegava a foto que ainda estava intacta e a levava para junto com ele até a cama.

Quando ele deitou a cabeça no travesseiro, não se deu nem conta de que dois minutos foram suficientes para que a calma lhe percorresse e ele fosse embalado por um sono silencioso.



A claridade incomodou os olhos fechados de Logan e ele os abriu. Uma luz forte ofuscou seu olhar e ele esfregou os olhos com o dorso das mãos.

Ele havia dormido como uma pedra e não tinha tido nenhum sonho, nenhum pesadelo, nada que se relacionasse à morte dos pais. Geralmente, as suas noites de sono não era o que poderia ser descrito como calma.

Logan sentou na cama e levou um susto quando viu um garoto parado em frente à janela, com o olhar vazio e distante. Ele estava vestindo uma camiseta preta com o nome de uma banda de rock estampado, uma calça jeans básica e um All Star preto. Seus cabelos eram bagunçados e de uma cor que Logan não conseguia identificar. Parecia mais um castanho claro com alguns tons de ruivo.

— Você provavelmente deve ser o meu novo colega de quarto.

O menino pareceu se despertar do seu pequeno transe e olhou para Logan.

— Ah, oi. Não sabia que você tinha acordado. — ele deu um leve sorriso — E sim, eu sou o seu novo colega de quarto. Espero que não se incomode em dividir o seu quarto comigo.

Logan se espreguiçou e levou as mãos aos cabelos, que estavam desgrenhados e provavelmente bagunçados demais para que fossem vistos em público.

— Na verdade, eu cheguei ontem. Mas, de qualquer forma, seja bem-vindo à Shavely! — ele foi em direção ao garoto e estendeu a mão — Meu nome é Logan.

— Sou Marcos. Mas pode me chamar de Mark, prefiro assim.

Logan olhou para o chão ao lado de Mark e viu que sua mala ainda estava intacta.

— Pelo visto, você deve ter acabado de chegar.

— Sim. Na verdade, eu estava esperando você acordar para que eu pudesse desfazer a minha mala.

— Ora, que bobagem. Você poderia ter subido no beliche. Eu não desperto com os barulhos alheios.

Mark assentiu e pegou a sua mala e subiu no beliche. A mala dele era realmente uma mala e não uma mochila como era a de Logan. Ele via a quantidade de coisas que Mark carregava dentro da mala e percebeu imediatamente que ele era consideravelmente bem de vida.

— Devo considerar que seu gosto musical é bastante agradável — disse Logan, observando a camiseta que Mark estava trajando — Eu adoro Simple Plan.

— Ah, eles realmente são ótimos.

Mark pegou as elevadas pilhas de roupas e levou-as ao armário.

— As gavetas à esquerda já são minhas. — alertou Logan — Pode usar as da direita.

— Me responda uma coisa, — ele disse logo após guardar todas as roupas — o povo desse colégio se esconde ou ele é realmente vazio? Não vi uma alma viva quando estava vindo para o dormitório.

— Comigo foi assim também. E, cá entre nós, eu achei o povo daqui meio estranho — disse Logan, lembrando-se das coisas que Sophia havia lhe dito antes de ir para o seu dormitório.

Mark contorceu a boca.

— É estranho estar aqui. Parece que fui abandonado.

Logan percebeu a amargura na voz do menino e pensou se talvez ele estivesse passando o mesmo que ele.

— O que aconteceu para ser transferido para cá?

Mark abaixou o olhar e soltou um longo e profundo suspiro.

— É uma longa história e eu levaria quase o mês inteiro para contá-la.

— Não precisa falar se não quiser. Foi apenas uma curiosidade.

— É que eu me sinto desconfortável em contar isso para uma pessoa que eu acabei de conhecer. Quem sabe mais tarde...

— Não precisa se explicar. — interrompeu Logan — Eu provavelmente entendo o que você está sentindo.

Mark acenou afirmativamente com a cabeça e mudou sua expressão amargurada para uma um pouco mais alegre.

— Então, vamos ficar no quarto até o sol ficar a pino?

Logan deu um sorriso.

— Não. Temos que esperar a ambulância.

— Ambulância? — perguntou Mark confuso.

— É o sinal. Parece a sirene de uma ambulância.

Mark deu uma pequena risada, com um humor oculto escapando pelos seus lábios.

— Eu não acreditei muito quando a Janeth disse que ficaremos aqui todos os dias. — disse Mark com o dedo indicador sobre o queixo — Quero dizer, não poderemos sair dos confins desse colégio para nada?

— Aqui é um internato, que está sempre pensando no bem-estar dos alunos. — respondeu Logan imitando a voz de Janeth — Mas se você procurar “internato” em um dicionário vai ver que significa moradia e sustento dado aos alunos de um colégio.

— Traduzindo, meus pesares se tornarão reais. Estamos presos aqui.

— Sim.

Mark reclamou alguma coisa num tom de voz que Logan não conseguiu entender. Ele estava compartilhando o mesmo sentimento que o colega de quarto, uma vontade absurda de sair daquele internato.

— Quando eu entrei no quarto — Mark começou a falar — vi alguns pedaços de vidro pelo chão e também restos do que parecia um porta-retratos.

O arrependimento por ter quebrado o porta-retratos dos pais percorreu a garganta de Logan e ele quis gritar. Mas a única coisa que fez foi respirar fundo e controlar a angústia dentro do seu peito.

— Eu o quebrei sem querer. Tinha a foto dos meus pais nele. — Logan colocou a mão entre os cobertores da cama e achou a foto perdida entre eles. Ele a entregou para Mark, que olhou cuidadosamente para ela.

— Eles parecem ser bem legais e felizes. — Logan pode constatar uma leve inveja em sua voz. — Onde eles estão agora?

— Estão mortos. — Logan disse aquilo com um sorriso no rosto e ouviu um leve ganido saindo da boca de Mark.

— Desculpe. Eu sinto muito.

Logan não respondeu. Ter falado para Mark que seus pais estavam mortos pelo menos fez com que ele se sentisse mais aliviado. Ele percebeu que Mark não era uma pessoa estranha como todos os outros que ele havia conhecido ontem, tanto que aquele não era um segredo que ele contaria para qualquer pessoa. Ele jamais contaria à Sophia que estava no internato porque seus pais estavam mortos e sua tia não queria cuidar dele. Ele jamais abriria a boca para falar qualquer coisa que fosse a respeito disso para ninguém daquele internato.

Um silêncio profundo se formou depois que Mark falara e ele foi interrompido por duas batidas na porta. Logan e Mark se entreolharam e ao abrir a porta Logan deu de cara com uma figura branca cujos cabelos loiros se destacavam em seu campo de visão.

— Oi. — disse Sophia — Vim chamá-lo para o café da manhã.

— Mas o sinal ainda nem bateu. — respondeu Logan.

— Eu sei, mas eu gosto de chegar mais cedo. Não gosto de correr o risco de chegar lá e ver que os deliciosos potinhos de salada de fruta acabaram.

Sophia esticou o pescoço e estreitou os olhos quando percebeu a presença de Mark no quarto.

— Olha, temos mais um estudante em Shavely!

— Oi. — ele acenou timidamente. — Sou o Mark.

Os lábios de Sophia se contraíram levemente em um sorriso.

— Sophia.

Logan pigarreou. Ele não gostava de como Sophia podia parecer invasiva, com aqueles olhos verdes penetrantes... Ele notou que ela estava sempre sorrindo e nas poucas horas de convivência com ela percebeu que não havia nenhum respingo de melancolia ou tristeza nos seus olhos; sempre aquela alegria contagiante e aquele sorriso minucioso.

Logan não tinha motivos para sorrir. Não entendia porque Sophia parecia estar feliz naquele lugar infernal que, apesar de bonito, não se adequava ao que ele queria para a sua vida. Talvez ele quisesse passar mais tempo com ela. Algo dentro dele dizia que Sophia era diferente de Tommy, Helena e Brian. Eles eram estranhos para ele, mas ela já não poderia ser classificada assim.

— Acho que não seria adequado você descer de pijamas para a cantina — disse Sophia e Logan olhou para o seu corpo, o qual estava revestido com uma camiseta de flanela azul e uma bermuda um tanto quanto curta. Seus pés estavam despidos.

Logan sentiu as bochechas enrubescerem e ele pegou uma troca de roupa no armário e se dirigiu ao banheiro.

Dentro do cômodo, enquanto ele substituía seu pijama antiquado por uma camiseta vermelha com alguns desenhos estampados e um jeans básico, ele pode ouvir Sophia dando leves risinhos. Será que vê-lo de pijama era assim tão engraçado?

Logan voltou logo em seguida e estava pronto para encarar seu primeiro dia de aulas em Shavely.


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