“Uma dose de vodka com limão, por favor.” Essa é a frase que repito todas as noites para o jovem rapaz que trabalha no Napitki, um bar mal iluminado e desagradável, totalmente entregue as moscas e homens sedentos pelo álcool barato e de baixa qualidade que lá se oferecia. Qualquer um que entrasse no Napitki pela primeira vez nos dias de hoje se perguntaria o porquê de esse horroroso boteco estar localizado em um bairro tão nobre da cidade de Belo Horizonte. Para ser sincero, também me pergunto isso às vezes, antes de minha dose diária de vodka começar a fazer o efeito desejado. E é dessa maneira pouco saudável que desfruto meu tempo livre.

    Antes que você comece seus julgamentos – Ah! Como é prazerosa a sensação de diminuir, mesmo que temporariamente, nossa podridão ao nos depararmos com um ser mais desgraçado que nos, viva a desgraça alheia! – irei explicar-lhes uma coisa: O narrador que vos fala não se trata de um viciado em álcool. Não, isso jamais. Qual o significado de apenas ingerir todos os dias um líquido ardente que lhe queimará a garganta e cairá como acido em seu estomago, para depois causar-lhe incontáveis horas de dor de cabeça e ânsias de vomito? Não entendo como meus vizinhos de mesa conseguem desfrutar de algo tão vazio durante toda a madrugada, enquanto aumentam cada vez mais o tom de voz e riem histericamente como hienas, alguns chorando como crianças por moças que lhes partiram o coração.

    Apesar de consumir as mesmas doses que meus companheiros – Se é que posso chamá-los assim – não possuo os mesmos vícios que eles, pobres alcoólatras desprovidos de dignidade. O meu vício incontrolável é a sinceridade. Sou um fiel amante da verdade e gostaria de possuir a capacidade de executá-la sempre, mas infelizmente preciso sempre recorrer ao Napitki para que isso se torne possível.

     Após todo o desconforto inicial gerado pela bebida deixar-me, posso finalmente iniciar um processo que gosto de chamar de Rvota. Creio que a maioria das pessoas já possuiu o sentimento que antecede esta relaxante ação, da qual o individuo tem a sensação de que explodirá como um frágil balão de gás se caso não liberar todo o ar maléfico que está a tanto tempo confinado em si.

    A Rvota consiste justamente nisto, liberar todo o ar que tanto lhe prejudica, e como posso fazer isso? Simples, fale o que desejar, faça o que mais lhe agradar. Quer assassinar sua esposa porque ela se deita com outro todas as noites? Vá em frente! Talvez possa ate mesmo conhecer alguma ex-cunhada no velório e iniciar uma bela e duradoura relação. Quer dizer ao seu chefe, aquele explorador ignorante, o quanto ele é arrogante e pessoas como ele deveriam jogar-se de uma ponte? Faça isso! Você poderá encontrar carreiras bem mais promissoras e ainda ampliará seus horizontes em sua busca por um novo emprego. O Rvota é a melhor opção para todos que desejam uma vida extremamente satisfatória!

    Porém, infelizmente a sociedade ainda não possui a capacidade de compreender toda a beleza desse magnífico processo. As pessoas tentam esconder toda a sua imundice hipócrita atrás de uma máscara sorridente – Cínico, é como posso definir esse sorriso – chamada “bom senso”. Nunca consegui entender a origem desse termo, já que – pelo menos em minha verdade – não existe “bom senso” algum em distorcer palavras, inventar mentiras e omitir fatos. Mas enfim, não irei mais perder meu precioso tempo no Napitki executando tais monólogos, não farei isso.

    Chamei o jovem rapaz em minha mesa novamente e, entregando-lhe uma razoável gorjeta, pedi mais uma dose da melhor vodka russa que o humilde bar poderia oferecer-me. E em generosos goles, senti descer em minha garganta o amargo e delicioso sabor da sinceridade.