Inimizade escrita por SleepySeven


Capítulo 3
Capítulo 3




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Ela odiava aquele lugar.

Com a vista nublada de lágrimas, a menina de cabelos castanhos e feições tipicamente japonesas inconscientemente fazia uma careta para a janela da sala, procurando por uma distração.

Chorar em público era, para ela, odioso. Ainda mais sendo alguém que não gostava muito de chamar atenção.

Sempre muito silenciosa, sempre com um olhar sério, convicto e reservado; aquela era Naomi Misora.

Em criança, não teve muitos amigos. Hoje, poderia contar os que tinha nos dedos das mãos, e mesmo assim dificilmente saberia dizer se usaria o termo “amigos” para descrevê-los.

Era seu primeiro ano no Saitama e seu primeiro ano também na região de Kanto [1].

Mais do que nunca, ela queria ligar pra casa e tomar o primeiro trem de volta para sua cidade, dar uma abraço na mãe e brincar com seu cãozinho, Haruko-kun.

No princípio daquilo tudo, não era tão ruim assim. Na verdade, aquela tristeza não era algo assim tão constante nem tão forte, era mais algo que ela viera juntando dentro de si e que, nos últimos dias, parecia ter atingido-a com tanta força como nunca fizera.

Aquilo não parecia certo.

Ao que o começo da vida universitária e a escolha de uma carreira se aproximavam, os pais de Naomi começavam a se preocupar — no interior do Japão, não havia muita oferta de emprego ou futuro para a caçula da família Misora. Nenhuma escola por perto poderia proporcionar-lhe uma formação devida.

A escola de nível adequado mais próxima de sua casa a obrigaria a tomar o trem diariamente, além de ter de andar um bom trecho a pé para chegar até lá. Seus pais negaram imediatamente a possibilidade.

A solução foi mandá-la para os cuidados de uma tia da cidade, que morava em Saitama. Não haveria muitos custos, e ela era comportada o suficiente para não causar problemas para a velha senhora.

Naomi não recusou. Não queria ir, mas também não queria ter de contrariar seus pais. Talvez três anos na cidade não fossem de todo mal, talvez até gostasse. Nunca se sabe.

No entanto, para a infelicidade da japonesa, a vida na cidade não era tão boa assim.

Sua tia era uma mulher solitária, gostava de sua companhia, mas, ao mesmo tempo, era um tanto rígida e desagradável. Fazia questão de lembrar-lhe que estava fazendo o favor de deixar que ela morasse ali, além de trazer à baila assuntos de família que Naomi não gostava de recordar.

Sendo assim, o clima que predominava em casa era sempre pesado. Silêncio mórbido, jantares onde as duas tentavam evitar trocar olhares, longas reticências quando tentavam manter uma conversa.

A saudade de Naomi só aumentava.

Mas não, Naomi deveria ser responsável e não decepcionar seus pais. Tinha de aguentar calada e, quem sabe nas férias, poderia voltar por um mês.

Enquanto isso, Naomi lanchava sozinha na sala de aula, fingindo que não havia lágrimas rolando suas bochechas, que não se sentia um pouco magoada com os pais, ou que tinha vontade de comer o que tinha em sua marmita — Nenhuma de suas tentativas parecia, porém, convincente.

Nessa hora, Naomi agradeceu mentalmente por seus cabelos serem longos; assim ninguém a perceberia chorando.

Ou pelo menos assim havia pensado.

Naomi soltou um grito abafado ao perceber dois olhos negros e permeados por olheiras encarando-a.

— Não vai terminar o seu lanche? Não é saudável passar o dia inteiro sem comer nada — Ouviu-o dizer.

Olhando para o garoto que sentava engraçado na carteira em frente à dela, várias frases se formaram em sua cabeça: "Com licença, se como ou não como é problema meu", "Há quanto tempo você estava aí?!" e "Ficar encarando as pessoas dessa forma é estranho!", mas o que conseguiu dizer foi apenas um débil e confuso "Hã?". Como não havia percebido que havia alguém a observando, e ainda por cima tão de perto?

— Seu lanche. Não vai comer?

Naomi disfarçou, fingindo um bocejo para conseguir secar as lágrimas com as mãos.

— Bem... acho que não. Não tenho vontade — respondeu, por fim.

— Hmm... Que desperdício. Mas, se prefere assim...

— É — bufou ela.

— É — replicou o sujeito.

Ela pensou que conseguiria se livrar do garoto, mas este apenas continuou encarando-a com seus olhos castanho-escuros e suas olheiras — olhando daquela forma, ele até que lembrava uma coruja, daquelas que não piscam e que conseguem virar toda a cabeça para trás. Ou no mínimo alguma espécie de panda.

Naomi, porém, sustentou seu olhar, incomodada.

Ela conhecia aquele garoto de vista. Aliás, era impossível não conhecer. No início do semestre, era apenas um garoto meio estranho que não era muito de falar, mas, após a divulgação dos resultados das primeiras avaliações, tornara-se um dos melhores alunos do colégio, competindo apenas com o já afamado Raito Yagami.

(O engraçado é que Yagami parecia ser a única pessoa com quem ela via aquele sujeito estranho falando e, apesar de um parecer ser o completo oposto do outro, Naomi achavam que no fundo eram a mesmíssima coisa.)

Também parecia ser alguém um tanto “exótico”, mas nunca parou para realmente conversar com ele e descobrir se fazia o tipo de gênio excêntrico que se via em mangás ou se era apenas um pobre coitado com um parafuso a menos.

Mas, ainda assim, quem ele pensava que era? Tudo bem que era um dos melhores alunos do colégio, mas aquilo não lhe dava o direito de ser impertinente. E Naomi não gostava nem um pouco que houvesse pessoas bisbilhotando sua vida.

Eram naquelas horas que o gênio de Naomi começava a dar seus sinais.

Aquilo, sim, era um dos motivos da japonesa não ter muitos amigos.

"Decifra-me ou devoro-te!" — essa era uma boa frase que descreveria o modo como os colegas de classe viam-na. Mesmo sem perceber, Naomi sempre sustentava um ar um tanto quanto intimidador a sua volta, o que afastava um pouco as pessoas ao redor dela.

Além do mais, ela era uma moça dotada com beleza e inteligência, e era também, modéstia à parte, uma ótima atleta. Aquilo mantinha seus pobres admiradores — porque Naomi tinha muitos — a uma considerável distância.

Aquele ali, fosse admirador ou não fosse, não parecia ter consciência daquela "barreira". Na verdade, não parecia ter consciência nem de espaço individual.

— Seu nome é Naomi, certo? — perguntou ele, por fim.

— Misora.

— Esse é o primeiro nome ou o de família? Desculpe, ainda não me acostumei com isso.

— De família.

— Misora Naomi, então? “Naomi” não parece japonês.

— É.

E então voltaram a um silêncio mórbido.

— Bem, você pode me chamar de Ryuzaki.

Naomi ainda tentou se segurar, mas não conseguia mais.

— Escute aqui — disse ela —, isso é meio desconfortável, então seria legal que você dissesse logo o que quer.

Ryuzaki piscou (era a primeira vez que Naomi via-o piscando em sua presença), parecendo estar meio confuso.

— Eu queria te fazer parar de chorar. E deu certo. Não consigo ver damas chorando. — Embora suas palavras tivessem um teor que normalmente seria de preocupação, a postura imutável de Ryuzaki não parecia dizer o mesmo. — E, além do mais, não tenho muita experiência com doces japoneses, e me parece que esses aí no seu lanche estão uma maravilha. Já que não vai querer, que tal evitar o desperdício e me oferecer um?

Naomi franziu as sobrancelhas, sem saber se o garoto falava sério, e tentou pensar em algo para dizer, mas não achou nada que pudesse lhe livrar de seu embaraço. Ryuzaki viu-a enrubescer tão rápido que chegou a pensar que ela estava passando mal.

— Des... des... — ela tentou dizer. Aquilo havia sido um pouco rude de sua parte.

— Está tudo bem, não me importo. Estou acostumado com esse tipo de coisa — interrompeu Ryuzaki. — Mas queria mesmo esses bolinhos.

Naomi suspirou, dando-se por vencida.

— Se chamam yaki manjus... — Um pouco relutante, ela entregou os manjus a Ryuzaki. Na verdade, ela ia comer os bolinhos, mas não teria gás para enfrentar a insistência daquele sujeito estranho.

Ficaram em silêncio até bater o sinal que marcava o final do intervalo. Naomi comendo sua marmita e Ryuzaki beliscando os manjus recém adquiridos.

A partir desse dia, Naomi conseguiu um estranho companheiro para lhe fazer companhia durante os intervalos.

Não que isso fosse motivo para acabar com os silêncios prolongados nas conversas que os dois tinham. Ele continuava sendo estranho. E ela também não deixava de ser.

"Esquisito atrai esquisito" — foi o que Naomi concluiu.


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Notas finais do capítulo

[1] Kanto é uma região no leste do Japão, onde as cidades de Tóquio e Saitama estão localizadas. Saitama, por sua vez, é uma cidade montanhosa ao norte de Tóquio.
- Olá, olá o/
Devo algumas explicações e desculpas sobre o capítulo 3 e 4. Ambos já haviam sido postados como capítulo 3 na 2ª semana de dezembro, mas resolvi deletar e re-escrever. Minhas sinceras desculpas, e espero que gostem dos capítulos.