Um problema chamado Robin escrita por Yuushirou


Capítulo 1
Só uma menina


Notas iniciais do capítulo

Pensem o que quiserem, eu amo escrever coisas aparentemente impensadas! *-*



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Três da tarde. Tempo úmido, do tipo quente e desconfortável, diga-se de passagem. Mas nunca era tempo ruim para se tirar um cochilo rápido, não para o Almirante Aokiji. Este resolveu aproveitar a breve folga de pouquíssimos dias que possuía para dormir por umas doze horas diárias. Há quem acredite na teoria de que Aokiji na verdade não dormia, mas treinava mentalmente para aperfeiçoar suas técnicas de criação e manuseio de gelo. Os frequentes cochilos seriam apenas uma fachada para camuflar seus intensos treinamentos diários. Por outro lado, alguns marinheiros não acreditavam que alguém tão preguiçoso conseguiria um cargo de tão alto escalão na Marinha sem que possua uma boa quantia em dinheiro como herança ou poupança pessoal. Seja lá o que ao certo os membros inferiores de fato pensassem a seu respeito, Aokiji estava se lixando para opiniões alheias. Ele conhecia bem a velha e infalível técnica de indiferença a comentários baseados em suspeitas sem fundamento.

 

Planejava tomar chá acompanhado de biscoitos finos, para então baixar sua máscara de dormir e cair de cabeça no mundo surreal. E não importava aonde ele iria apagar. O Almirante diversas vezes foi pego dormindo pelos corredores do quartel general, cozinhas, varandas, escritórios, e até quartos que não lhe pertenciam. Sengoku estava cansado de ter que arrastá-lo de seus locais inconvenientes de sesta e levar o Almirante a seu respectivo quarto ou escritório. Nem mesmo quando saíam para pequenas farras – os três: Sengoku, Aokiji e Garp – Kuzan poupava seus superiores de passar vergonha na frente dos marinheiros de cargos mais baixos. Atualmente, nem havia mais tempo para farras ou saídas, já que o mundo pirata estava a explodir em novidades e surpresas o tempo todo. A última novidade, aliás, deixara o Faisão Azul da Marinha num misto de surpresa, alívio e decepção: Nico Robin estava bem, viva e inteira, mas optara por viver na pirataria. A importância dela para o Almirante era uma longa e complexa história.

 

Somente o Almirante da Frota, Sengoku, sabia de um dos maiores segredos de Kuzan. E Garp. Acontece que o homem-gelo deixou um alvo da impiedosa Marinha fugir, o que normalmente era inadmissível e não esperado dos atos de um Almirante. Aokiji não só deixou a criança Nico Robin fugir, como também a ajudou a fazer isso, criando uma rota de gelo – que partia do litoral da Ilha de Ohara e se estendia até o oceano – para que ela pudesse escapar sem o perigo de afundar no mar aberto. Ele sabia que estava agindo errado, mas o que podia fazer contra ela? Era só uma menina. Oito anos de idade e claramente nenhum domínio sobre o poder de sua própria Akuma no Mi. Não fazia sentido prender uma criança indefesa, desesperada e que acabara de perder tudo o que tinha. Não parecia certo, aos olhos de Aokiji. Feito o crime de deixar a pequena fugitiva escapar, ele se sentiu na obrigação de se conter e não mais dar brechas à garota.

 

— Você fez o que seu coração achou melhor – disse Sengoku.

— Você está furioso comigo – disse Aokiji.

— Estaria mentindo se dissesse que não estou – os dedos polegar e indicador da mão esquerda do Almirante da Frota pentearam seu próprio bigode para os lados.

— E qual será a minha punição?

— Não haverá punição.

— Por quê? – indagou o Almirante do Gelo após hesitar por rápidos instantes.

— Deixemos essa história somente entre nós três, certo? – os dedos impacientes agora desciam para a longa barba trançada.

— Três? – uma breve dúvida passou por sua cabeça, mas rapidamente ele compreendeu que a terceira pessoa a qual Sengoku se referia só podia ser Monkey D. Garp – Hãa... Obrigado.

 

Havia duas razões lógicas para não tornar a confissão de Aokiji pública: seus colegas que partilhavam do mesmo cargo que ele, e os poderosos do Governo Mundial. Se a história repercutisse, Kuzan estaria seriamente ameaçado de uma punição severa; fora que, desta forma, a reputação da Marinha ficaria manchada. Imagine só: o famoso Almirante Aokiji Kuzan, o Faisão Azul, um fiel seguidor da Justiça, envolvido em um escândalo envolvendo uma das mais inacreditáveis e surpreendes criminosas do mundo! A Marinha seria alvo de piadas e as pessoas passariam a duvidar da seriedade dela e de seu compromisso de proteger a população civil dos piratas. Um escândalo total! Akainu Sakazuki, o Almirante do Magma, e Kizaru Borsalino, o Almirante da Luz, não hesitariam em punir o colega com as próprias mãos. Se tudo fosse depender apenas de Akainu, pior: ele reduziria seu colega do gelo a cinzas com toda a sua fúria, indignação e rancor combinados. Tendo-se uma mínima noção de que gelo pode ser derretido, então...

 

Vinte anos se passaram desde o ocorrido em Ohara e, pelos cálculos de Aokiji, a criança Nico Robin tornou-se a mulher Nico Robin. Ele jamais deixou de pensar naquela garota, no que ela poderia estar fazendo, onde e de quê estaria vivendo, e com quem. Devido à recompensa absurda de 79 milhões de berries – surgida de uma mentira covarde da Marinha – por sua pequena cabeça imatura, ela jamais conseguiria viver normalmente. Não em um mundo repleto de pessoas maldosas, vis e interesseiras, do tipo que entregariam fácil uma garota indefesa às autoridades pela razão do dinheiro. Até certo ponto a preocupação com o futuro de Nico Robin costumava ser a sua maior dor de cabeça das duas últimas décadas, mas então ele a encontrou novamente em uma bizarra ilha conhecida pelo nome de Long Ring Long, e todo o seu temor de que a garota tivesse sido morta, mutilada ou escravizada desapareceu, dando lugar a uma sensação de alívio, porém, de decepção também, por ela ter optado levar uma vida fora-da-lei: viver como uma verdadeira pirata. Ainda assim, era só uma menina. Uma mulher, para bem da verdade.

 

Por todos esses vinte anos Aokiji lembrou da menina de Ohara que mexeu profundamente com o seu senso de compaixão. Assassinar um de seus melhores amigos, o gigante Saulo, que na época do incidente na ilha dos arqueólogos, era um dos Vice-Almirantes, juntamente com o próprio Kuzan, foi uma das piores medidas que ele foi obrigado a fazer em nome da impiedosa Marinha. Ele viu e ouviu que Saulo tinha total razão em tudo o que falava enquanto implorava para que ele tivesse piedade da garota, mas não podia deixá-lo vivo após a traição do mesmo, por mais certo que Saulo estivesse! Era verdade que a Marinha havia levado o caso Ohara ao abismo que separava o aceitável do absurdo. Era um caso que podia ser resolvido com negociações e processos de omissão de arquivos, mas a ordem foi simplesmente de chegar naquele país com um acervo literário tão rico e explodir tudo.

 

Ainda se lembrava da expressão da pequena arqueóloga ao encará-lo pela primeira vez. Os enormes olhos azuis, já vermelhos de tanto chorar, pareciam ter perdido completamente o brilho ao presenciar a morte do gigante que a havia livrado da morte minutos antes. Nico Robin não fazia ideia do que fazer naquele momento: correr para ser facilmente alcançada depois, ou ficar para aceitar de uma vez por todas a sua sentença de morte. No máximo, ela poderia tentar imobilizar aquele homem de fáceis dois metros de altura e jogar pedras nele, como se fosse adiantar algo. Talvez, pensava Aokiji as vezes, a verdadeira razão de ter deixado a filha de Nico Olvia viver tivesse sido o arrependimento por ter matado um amigo.

 

— Kuzan? – uma voz a princípio desconhecida chamou-lhe a atenção.

— Humm...? – subiu sua máscara de dormir, deslizando-a da altura dos seus olhos até a fronte.

— Biscoitos? – ofereceu Garp, estendendo um saco de rosquinhas, suas favoritas.

— Hãa, pode ser - a dupla se sentou um ao lado do outro naquela vasta e luxuosa varanda do andar superior do quartel general.

— E então, Kuzan? Está pronto para dar adeus à folga? Sengoku me disse que provavelmente retomaremos nossos serviços depois de amanhã.

Agora que retirou a máscara, Aokiji percebeu que a tarde já havia se ido, dando lugar ao início da noite: o vasto azul-escuro já cobria todo o céu.

— Ele nunca nos dá uma folga digna – resmungou.

— Ora, não nos tornamos marinheiros para viver de férias! Trate de se animar e ficar alerta às futuras ordens que receberá.

 

Antes que tais ordens pudessem ser preferidas oficialmente, Aokiji encontrou uma forma de se distrair uma última vez e evitar o clima tenso – e desnecessário – que breve começaria a se formar dentro do quartel general. Resolveu ir a uma farra, talvez a última por até alguns anos que ainda viriam pela frente. Congelou a porta de entrada de um dos barzinhos mais frequentados pelos marinheiros, o Big Anchor, e a fez destroçar-se, permitindo sua entrada lenta e calmamente articulada. Sentou-se no primeiro banquinho vago do balcão de bebidas, e serviu-se da mais cara vodca disponível, apesar de não ter o hábito de beber. Os outros fregueses o olhavam com curiosidade. Ele não é o tipo de pessoa que entra em algum estabelecimento sem ser notado, e isso não se devia somente à sua altura incomum, como também a suas expressões, atitudes e até trejeitos. Cochichos podiam ser escutados claramente agora que estavam a ecoar por todo o bar. Óbvio que Kuzan ignorou todos os comentários que seus ouvidos conseguiram captar. O único problema de fofocas é que elas podiam lhe proporcionar um "feedback" de Sengoku, por estar enchendo a cara ao invés de estar preparando suas coisas para as viagens marítimas. É claro que, no dia seguinte, Aokiji despertou em um local diferente de onde estava anteriormente. Hotoke no Sengoku mais uma vez precisou carregá-lo...

 

Levantou-se sentindo uma bela pontada de dor de cabeça em sua região frontal, e lembrou-se de ter estado no Big Anchor noite passada. “Não devia ter bebido”, concluiu. Sim, ele era fraco para bebidas alcoólicas, ao contrário de Kizaru, que conseguia beber várias doses de vodca e parecer 100% sóbrio. Por falar nisso, era até engraçado pensar que, por serem interessantes e às vezes embaraçosos, os segredos dos cinco marinheiros mais poderosos de toda a Marinha atual não deviam ser divulgados. Pelo menos não em alta escala. Aokiji sabia, por exemplo, que Akainu tinha o hábito de cortar bonsai nas horas vagas e que treinava exageradamente o próprio corpo sempre que lhe sobrava tempo. Não era difícil pegar o Cão Vermelho da Marinha fazendo rápidas flexões ou abdominais com uma boa quantidade de pesos nas costas ou ombros. O impiedoso Sakazuki também gostava bastante de cozinhar, estando sempre em busca de novas receitas sadias para uma melhor distribuição de massa muscular! E o maior de todos os hobbies do vaidoso Kizaru era colecionar chapéus, óculos e perfumes de todas as marcas, o que irritava profundamente seu “sobrinho”, Sentarou. Este vivia reclamando da quantia de dinheiro que era jogada fora pelo Macaco Amarelo da Marinha em coisas fúteis e bebida, alegando que Borsalino deveria dar menos prioridade às suas vaidades, e pensar mais no futuro da Marinha. Com exceção de sua “fadiga eterno”, Kuzan se sentia privilegiado por não possuir hobbies curiosos o suficiente para serem motivos frequentes de piadas ou fofocas.

 

Assim que se pôs de pé percebeu o quanto a vodca da noite anterior o afetou. Sentia-se como se estivesse pisando sobre nuvens, pois estava difícil manter um equilíbrio 100% estável. O Almirante estava lúcido, pelo menos, mas perdera uma pequena porcentagem de sua capacidade de se equilibrar. Era seu último dia de folga, precisava aproveitá-lo; não passar o dia inteiro trancado em seu quarto esperando o efeito do álcool passar. Iria ao escritório pedir doces de todos os tipos e água, muita água; e nem precisou abrir a porta do cômodo, pois alguém já havia entrado. Sengoku o aguardava.

— Já recuperado de ontem? – a pergunta do Buda felizmente não apresentava tom de repreensão.

— Sim.

— Temos novidades do mundo pirata. Já leu o jornal de hoje? – Sengoku dirigiu-se ao sofá do estabelecimento, onde se sentou.

— Não – Aokiji se sentou ao lado dele.

— Veja a manchete! – o Almirante superior jogou um exemplar do jornal oficial da Marinha sobre o colo de Kuzan – Acho que vai te interessar.

 

“Tentativa de homicídio contra o prefeito de Water Seven choca população local”

 

A princípio Aokiji leu sem prestar a devida atenção à matéria, até parar em um parágrafo que mencionava o bando de Luffy Chapéu de Palha. Imediatamente, a mente do homem-gelo reproduziu a imagem que ele viu de Nico Robin, vinte anos mais velha, em Long Ring Long. Deixou que suas sobrancelhas se unissem, chamando a atenção de Sengoku.

— Nico Robin está em Water Seven.

— Por que veio me mostrar isso?

— Não acha óbvio? Eu pensei em te enviar para lá, para que possa se redimir do seu erro de vinte anos atrás.

Sentiu um nó na garganta.

— Desculpa, mas eu não posso ir.

— É sua oportunidade de prender Nico Robin. Ela não é mais uma menina de oito anos de idade.

— Não pode enviar outro Almirante? – segurava o jornal com força.

 

Sengoku suspirou.

— Sabia que iria recusar – levantou-se e pegou o jornal de volta.

— Foi algum tipo de teste? – o Almirante do Gelo sentiu o corpo relaxar.

— Mais ou menos isso. Na verdade eu não pretendia te mandar para Water Seven, de qualquer forma. Já enviamos a CP9 para cuidar do caso. Nico Robin será presa com certeza e enviada a Enies Lobby.

Uma breve batida na porta anunciou a entrada de Garp.

— Hotoke no Sengoku sempre judiando de seu subordinado favorito! – o avô de Monkey D. Luffy parecia bastante animado.

— Estava escutando a conversa o tempo todo? – perguntou o Almirante da Frota.

— Não resisti. Kuzan, relaxe! Sabemos que esse tipo de serviço não caberia a você.

— Infelizmente, Garp, parece que Kuzan ainda não se tornou capaz de reparar o seu erro.

— Não tem a ver com isso – Aokiji começou, mas foi interrompido por Garp.

— Não fale assim com o Aokiji! Não seja cruel, Sengoku – o Herói da Marinha sentou-se ao lado do homem-gelo.

— Não é crueldade. Só quis livrar a todos nós da Marinha deste fardo do caso Ohara! Uma história embaraçosa que mantemos a sete chaves.

— Nico Robin será presa e enviada a Enies Lobby em breve. Não há por que se preocupar tanto assim com ela agora – disse Aokiji.

— Pensa que me engana, Kuzan? Até o tapado do Sengoku já percebeu a sua empatia pela última arqueóloga. Sabemos que você nunca vai ser capaz de fazer mal a ela. Só não queremos que deixe de cumprir o seu dever como Almirante. Eu nunca machucaria o meu neto Luffy, mas se eu cruzar com ele no cumprimento do meu dever, não poderei deixá-lo escapar ileso. É doloroso pensar nesta possibilidade, mas é algo que não posso fingir que nunca vai acontecer – a expressão de Garp, naquele momento, era de reflexão, mas acompanhada de um sorriso.

— Eu confio em você, Aokiji. Sei que nunca decepcionará a Marinha.

 

Não era mentira o fato de Aokiji ter se sentido injustiçado com o pedido de seu superior para ir a Water Seven prender Nico Robin. Com certeza Garp imaginava que por trás de tudo Kuzan sentia alguma pena ou afinidade pela sétima Chapéu de Palha. O Almirante não se surpreenderia se algum dia escutasse os dois mais poderosos marinheiros conversando a respeito de sua possível paixão pela sobrevivente de Ohara. “Paixão”. Sim, foi essa a palavra que lhe veio à cabeça e ele não estava tão alcoolizado a ponto de não ter ideia do que estava pensando. Não, não era paixão. Era algum tipo de apreço, simpatia, algo assim. Seria estranho chamar aquele sentimento de “paixão”, afinal, ele só a salvou para fazer valer o sacrifício de seu amigo Saulo, que deu a vida para tentar livrar a filha de Nico Olvia de uma morte injusta. Oras, Aokiji não era nenhum quarentão abobalhado e apaixonado por uma jovem mulher de quase trinta anos. Por mais que de fato tivesse apreciado o que viu de diferente naquela menina maltrapilha que conheceu em Ohara há tantos anos atrás, para ele, ainda, era só uma menina.


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