Ele vê sua esposa deitada no caixão, sua pele alva num tom sem vida, embora seu semblante seja de tranquilidade, quase como se estivesse dormindo. Sente um buraco se abrir no seu peito, um buraco que não poderia ser tapado ou preenchido.

De repente, ele acorda, suado.

Freddie tem tido esse pesadelo constantemente desde o funeral de Sam, ocorrido há oito meses.

A ideia de que havia ficado viúvo ainda não era aceita, ele ainda sentia como se Sam estivesse lá.

Felizmente, a presença de Carly ajudava a amenizar a situação. Ela era essencial na vida dele; cuidava de Karl quando ele não estava muito bem, fazia companhia a ambos, ajudava em alguns afazeres.

Freddie sente algo a mais por ela, mas não consegue avançar, a presença de Sam ainda era muito forte.

Ainda um pouco desnorteado, o rapaz pega o copo d’água disposto ao lado da cama e sorve um pouco do líquido. Precisava dormir mais, ainda tinha o dia de trabalho pela frente.

…

Carly, com olheiras, pega um copo de café na copa localizada ao fim do corredor onde está localizado seu escritório. Após bocejar, a mulher toma um gole da bebida, na esperança de revigorá-la.

“Morena, morena... por quanto tempo você vai ficar atrás desse cara?”

Ela reconhece a voz da amiga Desiree.

“Eu não estou atrás dele, estou apenas o ajudando a superar uma perda terrível.”

A amiga para em frente a ela.

“Então me diga, olhando nos meus olhos, que não gosta mais dele!”

“Eu gosto, mas não é por causa disso que o ajudo. Eu o ajudo por causa de uma promessa feita a uma amiga muito querida.”

“Carly, estou preocupada com você!”

“Eu sei, Des... mas eu sei o que estou fazendo.”

…

Karl está em frente à grande TV LED da sala, assistindo a um vídeo que sua mãe havia gravado para ele, no qual a loira conta a história da Branca de Neve. À distância, Freddie observa, com os olhos lacrimejando.

Sam tivera essa ideia depois de assistir ao filme “Minha Vida”, no qual o pai, com uma doença terminal e preocupado em fazer parte da vida do filho, grava vídeos em que dá conselhos e conta histórias a ele. Freddie arrumava o equipamento e a deixava sozinha para gravar a história, então, cada vídeo novo mostrado a Karl era inédito para o rapaz também. Cada vídeo levava um pedaço da alma dele.

Quando o vídeo termina, Freddie está prestes a tirar o pendrive da TV, quando algo lhe chama a atenção.

Sam havia voltado à frente da câmera, sorrindo.

“Ei, nerd. Eu sei que você tá vendo isso.”

Hmmm?

“Se eu bem te conheço, já se passaram mais de seis meses e você nada, né?”

Sam coloca a palma sobre o queixo, olhando para cima, numa expressão de ‘dai-me paciência’.

“Fredonho. Na boa, eu sei que você gosta da Carly, eu sei que vocês tiveram um caso... e, acredite, fiquei pê da vida quando soube disso, mas, no fundo, eu sabia que eu tinha merecido. Agora, que eu vejo as coisas mais claramente, sei que prefiro você com ela do que com alguma vagabunda por aí.”

Freddie se aproxima da TV, emocionado.

“Baby... já se passou muito tempo. É hora da fila andar! Eu faria isso, se estivesse no seu lugar. Acredite, eu dou todo o apoio pra isso. Agora, vai logo atrás dela, antes que Carly ache outro mané por aí!”

Freddie sorri e passa a mão na tela, como se acariciasse o rosto da falecida esposa.

“Mamãe te ama, viu... pena ter percebido isso um pouco tarde demais...”

Sam se aproxima da câmera e dá um beijo nela, desligando-a logo em seguida.

Freddie se vira para ver onde Karl estava. Para variar, ele havia corrido até Carly, que estava na cozinha, preparando um lanche para a criança.

O rapaz reflete um pouco. Não dava para esquecer seus sentimentos pela morena, e muito menos tudo o que ela tinha feito por ele e Karl. Não fosse Carly, onde ele estaria agora?

Ele entra na cozinha, Carly estava de costas para ele, preparando mini-sanduíches. Ela estava com uma camiseta rosa, calça moletom, tênis. Seus cabelos lisos estavam soltos.

 Freddie se aproxima por trás de Carly, pousando gentilmente suas mãos em sua cintura. Espantada, a morena lha para trás, surpresa com o comportamento do amigo.

“Você... está preparado?”

“Sim. Agora estou.”

Carly se vira para ele, que ainda mantém suas mãos na cintura dela.

Os olhos castanhos de ambos se encontram, a morena acaricia o rosto do amado.

Seus rostos se aproximam e eles se beijam, liberando um amor que estava contido há muito tempo.

Quando se separam, veem Karl, que está ao lado deles, com um sorriso encantador.

“Quer mesmo carregar essa mala com você, Carls?”

“Se não quisesse, não estaria aqui, concorda?”

“Eu te amo, Carly...”

“Também te amo, Freddie.”

“Cauly! Papai!”

O casal se separa e levanta Karl, que fica apoiado nos braços de ambos.

“Preparada pra ter uma família?”

“Claro... depois precisamos pensar em dar um irmãozinho ou irmãzinha pro Karl, né?”

“Er...”

“Ah, ah! Brincadeira...”

Os dois se abraçam, junto com Karl, que dá aquela risada gostosa de crianças pequenas que todos adoram.

Carly sorri ao fitar os olhos chocolate de Freddie.

Custou muito para chegar a este ponto, mas ela tinha certeza de que as coisas se acertariam dali para a frente, afinal, estava ao lado de quem realmente ama.