She was Innocent. escrita por Cibelly H


Capítulo 6
Armas são para fracos: fortes usam Coca e Mentos


Notas iniciais do capítulo

Nem demorei! Palmas!
Espero que gostem.



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Eu tinha sete anos. Era um dia de verão em Edmonton, daqueles dias em que o calor e a luminosidade dourada te induzem a querer se mexer. Pular. Dançar. Um daqueles dias que o sol brilha em cima das enormes camadas de neve que te impedem de sair de casa.

Por isso, eu acordei cedo, uma coisa que nunca fazia, a não ser para assistir as novelas do canal mexicano. Pode parecer estranho, mas eu sempre gostei de novelas mexicanas, mesmo não entendendo sequer uma palavra proferida ali.

Eu vesti minha fantasia de fada do hallowen do ano anterior e coloquei o primeiro cd que vi na estante no meu pequeno rádio laranja e comecei a dançar, saltando, dando cambalhotas, fazendo estrelinhas. Dançar sempre foi libertador para mim. De um jeito que talvez nem voar fosse.

Em um desses passos de dança, eu me bati bruscamente contra a estante, feito que fiz com tão inimaginável força para uma garotinha franzina de sete anos. Inimaginável por que a estante balançou, quase caindo sobre mim, e meu primeiro impulso foi desesperadamente sair de perto da estante, o que foi um erro. Por que a estante caiu, derrubando a estante ao lado, que caiu sobre a parede de vidro, quebrando-a. O problema? Ah, eu estava entre a segunda estante e a parede e fui arremessada pela mobília do quarto andar da enorme mansão.

Eu não voei por mais de cinco segundos antes de tocar o chão.

Não sentia nada. Nem frio, nem calor, nem dor. Eu não enchergava nada, não escutava nada. Era como se meu cérebro tivesse se desconectado do meu corpo. A única coisa que eu tinha noção era que não conseguia respirar. Cada vez que eu tentava era como se houvesse facas descendo minha garganta.

Senhora Morte, por favor, se apresse. Repeti vinte vezes essas palavras até ela viesse. Senti um leve movimento na minha bochecha, mas era muito fraco, como uma pena. Senti na minha mão direita também, mas era um pouco mais forte. Deduzi que ela estava afagando minha bochecha e segurando minha mão. Me dando coragem.Eu tinha certeza de que ela deveria estar falando alguma coisa, embora eu não escutasse nada. Minha visão foi as poucos voltando, junto de uma dor quase insuportável na minha nuca, costas, pernas e principalmente no meu peito. Então uma imagem começava a se formar: ela era fraca e afetada, como um filme antigo. Eu vi grandes esferas âmbar com um círculos pretos no meio. Olhos. Não, eu não era idiota ao ponto de não saber o que eram olhos. É só que era uma cor tão magnífica, eu nunca tinha visto olhos daquela cor.

E então tudo se apagou: as dores, a imagem, os sentidos em geral.

Demorou três semanas para que eu conseguisse abrir os olhos. Mais uma semana para recuperar a fala e os movimentos e, finalmente, sair do coma.Um mês na cadeira de rodas sem nem sequer me atrever a dar um passo até que, após longos três meses, eu voltasse a andar.

Ninguém falou imediatamente sobre o acontecido, para não me traumatizar. Só depois de completos seis meses eu estava pronta para conversar sobre o assunto.

Justo naquela manhã, Edward e Katherine haviam recebido um telefone urgente do Tio Frank, que havia sido preso na madrugada por desacato a um policial e precisava que a fiança fosse paga. Logo na manhã eles foram até lá, enquanto eu, Kate e Zoe dormíamos. Menos de vinte minutos depois, uma ligação de Carl, neurocirurgião que trabalhava numa ala próxima a de papai ligou do hospital, dizendo que naquele exato momento eu estava sendo direcionada ao centro cirúrgico, vítima de uma queda do quarto andar da sua própria residência.

"Um milagre da medicina", dizia meu pai. O coma era desesperador.Eu havia sofrido tantas fraturas, tantos cortes tão profundos, perdido tanto sangue e o dano cerebral parecia tão inevitável que ele admitiu ter perdido a esperança muitas vezes.

"... Poderia ter sido pior, no entanto. O atendimento foi tão rápido e eficiente... Se aquele garotinho King não tivesse alertado os vizinhos, clamando por uma ambulância você provavelmente estaria morta, June. Mas também foi crucial o fato de você ter caído sobre uma cama de trinta centímetros de neve fofa."

O garotinho King se tratava de Marvel King. Ele estava, para minha eterna sorte e gratidão, em frente a minha casa — tentando jogar uma bomba no nosso jardim, descobri anos depois — quando viu a parede de vidro ser reduzida a cacos enquanto uma menina cair lá de cima, acompanhada de uma estante.

Ele gritou, mas ninguém ouviu. Ele ficou louco a tal ponto que pulou o portão e correu até mim. Ele gritou por ajuda, mas minhas irmãs têm um sono muito pesado e nenhum empregado havia chegado. Ele percebeu que tinha que recorrer aos vizinhos para chamar uma ambulância. E fez isso com rapidez, a rapidez da qual minha vida dependia.

Eu fiquei tão atordoada com a notícia de que tinha sido basicamente salva por Marvel King que fiquei paralisada por vinte minutos, para o susto de minha família.

Marvel King era da minha escola. Ele havia repetido de ano tantas vezes que aos nove anos era da mesma classe que eu. E ele era um valentão. Daquele tipo de criança que adora humilhar, bater, machucaras pessoas de todas as maneiras possíveis. E ele nunca havia falado comigo. Ele nunca havia sido gentil com ninguém. Todos tinham medo de Marvel. Inclusive eu. A idéia de que Marvel pudesse salvar alguém era quase perturbadora. Principalmente se a pessoa em questão fosse eu.

Duas semanas depois, eu havia voltado a escola. Eu era o assunto do ano: A garota que quase morreu. A garota que caiu do quarto andar da própria casa e sobreviveu. Mas ninguém sabia que fui salva por Marvel King, constatei.

Ele estava sentado sozinho como sempre, na hora do almoço. Ele olhava fixamente para mim e no minuto em que eu olhei em seus olhos âmbar, constatei que não fora a morte que afagara minha bochecha. Não fora a morte que segurara minha mão. Não eram da morte os encatadores olhos âmbar que eu vi, antes de entrar em coma. Eram do garotinho King.

Por isso naquele dia eu larguei minha mesa cheia de amigos para sentar ao lado de Marvel King. Ele não disse nenhuma palavra, só continuou a comer seu sanduíche de atum ignorando todos os olhares que eram lançados a nós.

" Obrigada." Foi a única coisa que eu conseguira formular, e saíra num sussurro.

Ele deu de ombros e demorara muito tempo para tirar os olhos do seu sanduíche e me encarar.

" Quando saiu do hospital?" Ele dissera, me surpreendendo.

" Há cinco meses. Eu estava em casa, me recuperando. Como andaram as coisas por aqui?"

Jurei que daí se inciaria uma boa amizade, mas ele apenas ignorou, voltando a comer.

Em vez de ficar com raiva, eu fiz uma meta: conseguir a amizade do garoto King. E não importa quanto tempo demorasse, eu nunca iria desistir.

Demorou dois anos, até que fizéssemos a aliança de melhores amigos: dividir o sanduíche de atum.

***

"Como ele pode ter crescido tanto?" Era o que ocupava meus pensamentos.

Quando me percebeu na entrada, ele se levantou e guardou o quadrado amarelado dentro do bolso da calça. Ele usava a blusa laranja surrada, jeans, tênis e uma jaqueta do time masculino de hóquei de alguma escola chamada St. John Barelles. Ele devia ser dez centímetros mais alto até do que Apolo. Eu parecia uma garotinha de doze anos se comparada a ele.

— Hey.— ele disse. Sua voz não era mais rouca como uma taquara rachada.

Eu não consegui responder. Só fiquei ali, muda, parada na soleira da porta.

— Quando você voltou? — foi a única coisa que sair dos meus lábios.

— Ontem de noite. — ele estava nervoso. Soube disso no momento em que seus olhos se focaram em diferentes objetos da sala: um livro, o tapete, a lâmpada.

— Desculpa interromper, mas acho que vocês podem matar a saudade depois. Temos um assunto mais importante. — interviu Apolo, para minha felicidade. A situação já estava ficando um tanto estranha.

— Ah... Claro... Mas se vocês estão discutindo o que acho que estão, por que Marvel está aqui? — perguntei, da forma mais coerente que consegui.

Marvel deu um meio sorriso, os olhos com um brilho louco e inquieto.

— Por que eu deveria ser excluído? — as palavras foram cuidadosamente ditas para que eu me sentisse um tanto desconfortável... Quase culpada.

— É algo bem pessoal. — falei delicadamente.

Ele deu de ombros — Acho que já tenho intimidade o suficiente para fazer parte dessa conversa, se for esse o motivo. — ele olhava dentro dos meus olhos, pelo ângulo que suas sobrancelhas faziam eu tinha certeza que ele estaria prestes a começar uma discurção ferrenha.

Não achei que reencontraria Marvel depois de tanto tempo. E nem que esse reencontro seria tão hostil.

— Chega! June, Marvel é um semideus. Por isso ele deve ser incluído na conversa. — Apolo falou, me puxando para que eu sentasse ao seu lado no sofá de veludo marrom.

— Ah, boa piada. Agora Marvel, por favor, saia. — falei, depois de um longo suspiro.

— June? — mamãe finalmente se manifestou.

— Sim?

— Não estamos brincando. — ela disse em tom sério.

A única expressão que poderia descrever a minha reação não é a mais educada do mundo.

— O que foi? Queria roubar toda a glória? — Marvel disse, a expressão suavizada e o olhar agora brincalhão.

— Acho que está havendo um pequeno engano aqui. — as palavras saíram lentamente, o que deu a correta impressão que sou um pouco lenta para assimilar fatos.

Marvel bufou e massageou as têmporas.

— Certo, vamos com calma que ela é visivelmente retardada. — ele disse, remexendo nervosamente as mãos, algo que lhe dava um aspecto um tanto louco.

— Você não vai melhorar nada desdenhando da capacidade mental da minha filha. — minha mãe falou, mas pude ver que ele também estava estressada.

— Vamos por partes. — falou Apolo — June, primeiro, diga suas dúvidas.

— Você mesmo disse que semideuses atraem monstros sedentos do seu sangue, e que isso começa a piorar depois dos treze anos, já que seu cheiro fica mais forte para monstros, certo? —

ele assentiu.

— Você estava sendo protegida por Afrodite. E seu amigo sabia se virar muito bem. — Apolo falou.

Olhei para Marvel com a mais pura surpresa.Ele deu de ombros.

— Ficou mais fácil quando eu vi que o cortador de grama era uma das armas mais letais da face da Terra. — ele disse.

Eu queria manter a pose irritada e dar um escândalo, mas a única coisa que consegui foi rir. Eu sentia falta desse Marvel.

Mais do que eu podia admitir.

— Por que nunca me contou? Podia confiar em mim. — falei, sem toda a raiva e indiginação.Ele mordeu o lábio inferior.

— Pelo visto o melhor a fazer agora é contar tudo, com todos os detalhes e sobre onde eu estava e o que eu estive fazendo por todos quatro anos. — ele disse, em seguida tossindo para limpar a garganta.

Eu sabia que uma grande história viria em seguida.

— Eu nunca havia conhecido meu pai. — ele começou. — Sempre que eu perguntava mãe dizia que ele não podia viver conosco. Ela nunca me disse o por que até o dia em que o primeiro monstro me achou. Eu tinha oito anos.Era uma noite de quarta feira. Eu ainda não te conhecia. Fiquei até tarde na escola por que o diretor precisava conversar comigo. Você sabe que eu não sou o que se possa chamar de "comportado" — ele sorriu e fez as aspas no ar. Comportado? Marvel adorava criar bombas caseiras e explodí-las em shoppins, praças, escolas, mansões... Ele só não havia sido expulso da nossa escola por que sua mãe basicamente era casada com o dono da escola. — Na volta para casa, ouvi minha mãe me chamando gritando por socorro, o que era estranho por que a voz vinha de um beco. Mas eu corri até lá. O que me esperava não era minha mãe e sim um cara de três metros com um olho só, bem no meio da testa. Minha mente gritava "Perigo! Cara grandão não-humano!" e eu tentei fugir, mas o cara grandão bateu na minha cabeça com força e eu fiquei tonto. Ele me jogou sobre o seu ombro como se eu fosse um saco de batatas e quando eu parei de ver tudo duplicado, estava dentro da cozinha do refeitória da escola, amarrado e pendurado de cabeço para baixo. Eu surtei e chamei ajuda, mas ninguém ouviu. Todos já deviam ter ido embora, devia ser de noite talvez. Eu não sabia. Só sabia que aquele cara queria me matar. Ele estava amolando facas e separando temperos, e então eu percebi que ele queria me comer e fiquei mais desesperado ainda. Aí eu me lembrei que naquela manhã eu tinha feito um pequeno experimento. E que era bastante idiota, mas que se servisse talvez eu ganhasse bastante tempo para pensar em alguma saída... Era idiota e perigoso, mas eu tinha que arriscar. " Senhor Ogro?" Eu perguntei. Ele se virou, um sorriso maléfico na boca. " É Ciclope, seu meio-sangue ignorante." Ele havia me chamado de Meio-sangue. Isso era novidade. E ele disse que era um Ciclope. Isso também era novidade. Minha mãe ensinava história. Ela tinha especialização em mitologia grega e me ensinara muita coisa. Meio-sangues eram filhos de deuses com mortais e Ciclopes eram monstros gigantes de um olho só. Vários Meio-sangues famosos lutaram contra Ciclopes, um deles era Ulisses, o cara que enfiou uma estaca no olho do gigante Polifemo. Acho que ele se chamava assim, não lembro. " Com o que o senhor pretende me comer?" Perguntei. Ele ficou confuso e dei uma sugestão. Ele era tão burro que nem desconfiou. Ele trouxe o refrigerante de Coca e me perguntou se poderia ser aquele. Eu concordei, mas disse que também precisava de algum doce para que eu ficasse saboroso na medida perfeita. Ele quase desconfiou, mas aí eu falei que meu último pedido antes de ser devorado, como qualquer criança inocente, era comer um doce. Por fim ele acabou concordando e perguntou que doce eu queria. "Mentos" eu disse com toda a doçura que consegui. Ele foi até a máquina de doces e não achou esse tal doce, então me soltou das amarras para que eu ajudasse, mas ele mantinha um facão no meu pescoço. Eu não tentei fugir, sabia que ainda não era a hora certa: tinha um plano a executar. Achamos o Mentos e eu pedi um gole da coca. Ele já devia estar tão comovido com toda a situação que me deu a garrafa toda. "Vai ficar mais saboroso" Ele disse, dando de ombros. Eu, muito esperto e perspicaz, joguei todos os Mentos da embalagem dentro da garrafa e apontei diretamente no olho do Ciclope.

Foi certeiro. Ele urrou de dor e tentou me acertar com a faca, mas eu a tomei e, enquanto o foguete de coca o acertava, escalei seu corpo. Quando cheguei aos ombros, ele já tinha se recuperado e estava tentando me derrubar, mas eu, com mãos trêmulas, cravei o facão na sua nuca. Eu achei que ou ele iria sangrar até morrer ou ele iria me matar, mas ele simplesmente se dissolveu em poeira dourada. Eu voltei para casa e minha mãe falou que essa não seria a primeira vez. Todos os tipos e gêneros de monstros iriam farejar meu cheiro, me perseguir e me atacar. E que, da próxima vez era melhor eu estar preparado com algo melhor que pastilha e refrigerante. Aí eu descobri que os explosivos poderiam ser muito úteis.

Eu escutava tudo boquiaberta. Sempre pensei que Marvel criasse os explosivos por que era piromaníaco, deliquente, rebelde, esse tipo de coisa. Talvez, inicialmente, ele até fosse. Mas quantas vezes, na minha frente, ele poderia estar jogando explosivos em monstros enquanto eu pensava que fossem carros, geladeiras ou até mesmo rochas gigantescas por causa da névoa? Quantas vezes meu melhor amigo teria quase morrido enquanto eu brincava de bonecas?

Quantas vezes ele poderia ter precisado de ajuda e eu não poderia ter feito nada?





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Notas finais do capítulo

OMG, eu me emocionei, vocês não?
Vocês querem que eu poste uma foto do meu modelo de Marvel? Avisem se quiserem e_e
E a coisa da camisa laranja familiar... Ah, essa é só pro próximo capítulo!
Me aguardem ;*



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