Como Ensinar Matemática A Um Inglês escrita por Nebbia


Capítulo 1
One-Shot: O Desafio Do Triângulo No Muro


Notas iniciais do capítulo

Dois dias e cinco páginas de Word, whooo!



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 Lá estava eu, correndo atrás de um estadunidense no meio da rua berrando os mais variados palavrões que minha memória conseguia resgatar, sob o peso de milhares de olhos pasmos que assistiam à cena da calçada, algumas mães tampando os ouvidos de suas crianças.

 Mas não adiantava, afinal, Alfred era melhor que eu em quesito de corrida. Tive que parar depois de uns minutos, sendo obrigado a ouvir sua risada estridente, extremamente irritante de vitória ecoar por mais de quilômetros enquanto ele se afastava, tornava-se apenas um ponto no horizonte.

 Esperava, do fundo de meu coração, que surgisse um galo naquela cabeça patriota dele por causa da sapatada que levou ainda no começo da “perseguição”. Aliás, preciso voltar para o jardim e pegar meu sapato de volta, porque o que não perdi de imagem xingando Alfred na rua perdi correndo atrás dele sem um dos calçados.

 Mas antes que eu volte para casa, calce o sapato e me enfie em pesquisas matemáticas das mais avançadas porque tenho certeza de que não resistirei ao impulso, seria bom relatar o acontecimento da manhã de hoje.

 Estava frio – não que isso vá influenciar na história, mas todos começam falando do tempo então assim começarei também -, era só mais um dia de reunião tediosa para todos e era eu o responsável pelo tema do dia, consequentemente quem apresentaria tudo. As luzes se apagaram quando todos se acomodaram em seus lugares, e o retroprojetor foi ligado para mostrar o primeiro slide de minha apresentação.

 O tema era “Melhoras na Estação Espacial Internacional” e eu havia estudado tudo o que deveria apresentar até o mínimo detalhe, de modo que nada me escapava da mente ou fora equivocado enquanto eu falava. Tinha a mais plena certeza disso. Foi quase no final dela, enquanto falava sobre a capacidade de melhoria no número de órbitas que a estação poderia completar por dia, que vi sua mão levantada, e aquele sorriso travesso em seu rosto não foi ignorado.

 “ Queira me desculpar...”, começou o estadunidense, cheio de uma falsa polidez que ele empregava só para me irritar, mesmo, “ ... Mas levando em conta que a estação se move a 7,69 quilômetros por hora  e a Terra tem 12 756,2 quilômetros de diâmetro equatorial, não seria mais correto afirmar que a Estação completaria 15,70 órbitas por dia, ao invés de 15,75?”

 Um calafrio percorreu toda a minha espinha enquanto um murmurinho aos poucos se formava ao redor da mesa, e ele desafiava-me com os olhos. Eu não podia saber se aquilo estava certo, porque a conta era praticamente impossível de se fazer mentalmente, mas ele me olhava com tal confiança que eu sabia, tinha quase certeza de que havia realmente errado as contas.

 “ Não digo que esteja errado, mas sua afirmação é duvidosa…”, comecei a me defender, encarando-o com o olhar, “ … Porque não creio que tenha feito as contas agora, de modo tão rápido e apenas com lápis e papel.”

 Alfred encolheu os ombros, checou algo na folha sulfite à sua frente e sorriu novamente, logo voltando-se para mim:

 “ E, completando a Estação 15,70 órbitas por dia, não seria mais correto ainda afirmar que seu período orbital duraria 91,34 minutos, ao invés de 91,26?”

 Mais murmurinhos. Eu estava a ponto de virar a mesa toda de raiva, até porque provavelmente aquele sacana havia escaneado cara mínimo de minhas palavras até aquele momento para me apontar algum erro, e eu sabia que ele havia feito aquelas contas em poucos minutos e que estava tudo certo porque a cabeça que aquele ser tinha para matemática era algo inacreditável, e nem eu sei de onde ele tirou tais habilidades.

 Controlei-me.

 “ Não seria mais correto afirmar que você deveria assistir à apresentação de boca calada ao invés de ficar tagarelando no meio dela?”

 O silêncio voltou à sala. Alfred mantinha seu sorriso, claramente se divertindo com a situação. Havia conseguido sua desejada guerra de argumentos.

 “ Por que não admite que errou?”

 “ Porque não errei.”

 “ Certeza?”

 “ Absoluta.”

 “ A mais absoluta certeza?”

 “ A MAIS ABSOLUTA CERTEZA!”, explodi.

 “ INGLATERRA, EU EXIJO QUE CONTINUE A APRESENTAÇÃO!”, Alemanha finalmente interrompeu e, logo depois, voltando-se para Alfred – que, como não podia deixar de ser, ria da minha situação-:

 “ Você tem a obrigação de ficar quieto até o final da reunião!”

 O estadunidense então deixou-se afundar na cadeira, os braços cruzados e uma expressão emburrada. Pirralho crianção. É estranho pensar que tenha a mente de um matemático.

 Enfim, pude continuar minha apresentação tranquilo, embora não tão confiante quanto antes.

 Nunca me perdoaria por meu erro.

 Mas é claro que ele foi continuar a me importunar no final da reunião, quando todos já haviam saído e eu terminava de arrumar os aparelhos de projeção e todos esses deveres que o país responsável pela apresentação deve assumir.

 “ Tem tanta certeza assim?”

 “ NÃO, NÃO TENHO MAS QUER SABER? EU NEM ME IMPORTO PORQUE FOI UM ERRO, UM ERRO MINÚSCULO QUE SÓ VOCÊ PERCEBEU PORQUE VOCÊ SE ESFORÇOU PARA ISSO E TEVE SORTE, PORQUE EU TAMBÉM SOU BOM EM MATEMÁTICA E NÃO UM IDIOTA COMO VOCÊ PENSA QUE SOU! EU SOU BOM EM MATEMÁTICA AGORA VÁ EMBORA, IMBECIL!”

 Estava ofegante ao terminar de gritar tudo em um só fôlego. Alfred apenas olhava para mim confuso, como se fosse inocente e eu simplesmente odiava aquilo porque sabia que ele não era e que aquilo era um truque, mas ele fazia com que eu me sentisse culpado mesmo assim.

 “ Tá!”, ele disse por fim, com uma animação súbita típica dele.

 E foi embora. Simplesmente assim. Outra ação comum do estadunidense.

 Enquanto eu fiquei a terminar de arrumar minhas coisas para ir para casa. Fiz chá e desabei na poltrona assim que cheguei, pegando um livro qualquer na mesinha à frente para ler enquanto bebia. E relaxava. Passei uma tarde perfeita.

 Mais ou menos ao final dela, comecei a ouvir um barulho. Não sabia dizer ao certo o que era; gás vazando ou algo assim. Chequei a cozinha, mas não havia nada de errado lá.

 Foi então que percebi que o barulho vinha, na verdade, do lado de fora. E fui checar o jardim da frente.

 Mal saí, dei de cara com um Alfred logo ao meu lado pintando, não, PIXANDO meu muro de riscos pretos usando spray, e era dali que vinha o barulho.

 “ O-O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?!”, foram as únicas palavras que consegui proferir, consternado diante daqueles atos. Eu sabia que Alfred, por vários motivos, podia chegar a extremos algumas vezes, mas nunca imaginei que pudesse chegar ÀQUILO.

 “ Desenhando...”, comentou vagamente, olhando para mim apenas por alguns segundos e depois voltando a concentrar-se em seu vandalismo como se fosse algo normal.

 “ PIXANDO MEU MURO, SEU IMBECIL!”, avancei em sua direção e tomei-lhe o spray das mãos.

 O sorriso que Alfred continuou tendo depois daquilo me deixou mais irado ainda.

 “ Tudo bem, eu já tinha terminado, mesmo.”

 Olhei para os riscos que o estadunidense deixara em meu – antes belo – muro amarelo. Era um triângulo.  Daqueles bem comuns, com duas linhas que se encontravam formando um ângulo de 90° e outra abaixo disso , a maior, que ligava a ambas, formando a figura. Aliás, eu só fiz a observação do ângulo em 90° porque era isso o que estava escrito logo abaixo do ponto de encontro das duas linhas, e haviam mais dois ângulos nos cantos restantes, um de 60° e outro de 30°. A linha em frente ao ângulo de 30°, uma das menores, provavelmente media dois metros, mas eu não deduzi isso pelo desenho ser exageradamente grande, mas também porque havia um “2m” em cima da linha.

 Peste.

 “ O que significa isso?!”, exclamei, apontando para o triângulo gigante cercado de números na minha parede.

 “ Eu queria testar seus conhecimentos! Você disse que era bom em matemática!”, ele ria.

 “ HÁ MODOS MAIS CIVILIZADOS DE SE MANDAR UM EXERCÍCIO DE MATEMÁTICA PARA AS PESSOAS SEM SER PIXANDO O MURO DA CASA DELAS!”

 “ Mas eu sabia que você iria ignorar se eu aparecesse na sua casa com um papel pedindo para que você resolvesse, então achei um modo de fazer com que você realmente faça o que eu quero sem poder ignorar!”

 Dei um tapa na minha própria testa, já pensando no dinheiro que precisaria reservar para uma nova pintura do muro. Ignorei toda a lógica do plano dele.

 “ E o que você quer que eu faça, carrasco?”

 “ Resolva!”

 “ Resolver o quê?!”

 “ Qual o valor da hipotenusa?”

 Fiquei uns instantes mudo, tentando desesperadamente procurar em minha mente alguma memória do que era “hipotenusa”. Mesmo sabendo que não conseguiria me lembrar.

 “ Arthur, pôxa, eu não pensei que empacaria tão rápido!”

 Dessa vez, seu olhar de criança inocente não funcionou para me deter. Metralhei-o com o olhar enquanto meu rosto provavelmente mudava do pálido usual para o vermelho-sangue-fervendo-perigosamente em uma fração de segundos, e por puro instinto arranquei um dos meus sapatos e  com ele consegui acertar o estadunidense, que já sentira o perigo – ele só lê a atmosfera quando lhe convém – e se mandava para longe de mim.

 Então começou a perseguição sobre a qual já falei no começo da história toda, portanto continuarei a narrar da parte em que parei devido ao Flash Back.

 Calcei meu sapato novamente e entrei em casa, batendo a porta com um estrondo atrás de mim. Mal-humorado, joguei-me no sofá novamente e liguei a TV no BBC só para ouvir algum barulho, tentando ignorar o problema matemático gigante que estava no muro da minha casa.

 Óbviamente, fracassei. Não conseguia pensar em outra coisa quando sabia que Alfred estava em sua casa vendo algum filme de herói idiota com uma mão num pacote de batatinhas e outra coçando o saco e esperando que eu aparecesse ali ou confessando não conseguir resolver o problema ou com a resposta para este em mãos. E se nenhuma das possibilidades acontecessem e eu simplesmente não aparecesse à sua porta, ele certamente esfregaria na minha cara na primeira oportunidade – ou apenas viria à minha casa – que eu não conseguia fazer e era burro e que ele era melhor que eu. O que seria inadmissível porque eu não lhe daria tal luxo.

 Eu sei fazer matemática, sim.

 Por isso, a primeira coisa que fiz foi pegar o Laptop da mesa à minha frente para descobrir que diabos era uma hipotenusa.

s.f. Matemática Lado oposto ao ângulo reto de um triângulo retângulo. (O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos dois outros lados.)

Ângulo reto: ângulo com medida igual a 90º.

 Ou seja, ele queria que eu descobrisse qual era o valor da linha mais comprida daquele triângulo.

 Aliás, pesquisando na internet descobri que os pirralhos de hoje em dia aprendem isso na oitava série. Meu cérebro está mesmo enferrujado e isso me preocupa.

 Pousei o computador ainda ligado na mesa novamente e desliguei a televisão para pensar melhor.

 A definição de “Hipotenusa” dizia que o quadrado dela era igual à soma dos quadrados das outras linhas.

 E sim, eu ainda me lembro do que é um “quadrado” de algo.

 Animei-me rapidamente com a possibilidade de obter a resposta para o desafio de Alfred de uma maneira tão rápida e fácil. Assim, pegando lápis e caneta, pus-me a escrever a fórmula:

X² = 2² + Y²

 ...

 Fiquei um bom tempo olhando para aquilo, tentando achar um jeito de resolver uma equação de duas incógnitas.

 Aliás, depois me lembrei de que nem sabia resolver aquilo direito nem que tivesse apenas uma.

 Passei mais uns minutos pensando em como solucionar o problema proposto por Alfred, irritando-me mais a cada momento. Não gostava de ser forçado a pensar daquela maneira. Ainda mais quando não achava respostas. E já estava começando a ficar com dor de cabeça.

 Por isso, mandei um foda-se ao raciocínio e decidi tentar achar a resposta na Internet. Não era obrigado a dizer ao estadunidense como cheguei à resposta, de qualquer jeito...

 Mesmo assim, eu nem sabia o que procurar direito e, apenas após meia hora de busca incessante pelo Google, achei um Website que me fornecia o caminho para a solução do problema.

 Peguei o mesmo papel com a fórmula e ali escrevi todas as informações de que precisava para chegar à resposta.

 Vou ignorar toda a lógica da geometria porque nem eu mesmo entendi e tudo o que tive que fazer foi trocar a situação mostrada no exemplo pela minha, substituindo os valores. Por algum milagre de Deus Nosso Amado Senhor, os ângulos daquele triângulo do exemplo eram iguais aos desenhados por Alfred e eu ignorei tentar entender a coincidência.

 A fórmula era, aparentemente, simples, e eu escrevi no papel:

Raíz de 3 sobre 3  = 2 sobre x

 Repetirei: Não tenho a menor ideia de como cheguei a estes resultados. Eu simplesmente copiei da página.

 Porque sim. Porque eu sou simplesmente foda.

 Sorri vitorioso com minhas anotações.

 Já era tarde da noite. Mas não tinha sono.

 Virei a folha e comecei a fazer as contas.

 O resultado foi que só me deitei na cama por volta de meia-noite, porque aquela conta era realmente fácil demais e de tão fácil equivoquei-me várias vezes. Mas eu tinha o resultado. Eu sabia qual era o valor da hipotenusa daquele triângulo. Aquele sentimento de vitória era tão grandioso que passei ainda um bom tempo me revirando na cama, ansioso para mostrar meus resultados para Alfred no dia seguinte.

 Foi exatamente por causa dessa ansiedade que me levantei às sete horas de uma manhã de domingo para fazer-lhe uma visita sem ao menos tomar café. Bati à sua porta por volta das oito, e apenas depois de cinco minutos de barulho – com direito a insultos dos vizinhos -, Alfred abriu a porta com a cara de mal-humorado mais descaracterística que poderia ter.

 Mas eu estava excitado demais para me importar com aquilo.

 Mostrei-lhe o papel quase que enfiando-o em seu rosto em meio a risadas histéricas.

 “ Eu consegui, Alfred, EU CONSEGUI! EU SEI MATEMÁTICA, A RESPOSTA DO MALDITO TRIÂNGULO ESTÁ AÍ, ESSA PARTE CIRCULADA É O VALOR DA HIPOTENUSA E CORRIJA-ME SE EU ESTIVER ERRADO MAS EU SEI QUE NÃO ESTOU!”

 Eu fazia uma “dancinha da vitória” enquanto ele forçava os olhos sem óculos para ver minhas contas.

 “ É, está certo.”

 “ EU SABIA! HAHAHA!”

 “ Eu não devia ganhar um prêmio por ter te ensinado matemática?”, ele lançou-me um sorriso travesso, toda aquela aura de mal-humor abandonando-o imediatamente.

 “ O quê?!”, o contrário aconteceu comigo. “ Você é quem deveria me dar um prêmio por resolver essa merda!”

 “ Quer um beijo?”, aproximou seu rosto do meu alguns centímetros.

 “ Não!”, empurrei seu peito para afastá-lo, sem sucesso.

 Eu caí novamente em sua armadilha. Aquela pergunta fora muito bem planejada porque ele sabia que eu ia responder aquilo e aí ele iria ter um motivo para sugerir o beijo.

 Alfred riu.

 “ Mas é o mínimo que EU poderia receber depois de ser acordado às oito de uma manhã de domingo!”

 Abri a boca para replicar, mas percebi que não havia réplica. Minha euforia havia acabado e só então comecei a perceber o quão idiota havia sido.

 Mas, surpreendentemente, Alfred pareceu perceber isso.

 “ Bom, não importa!”, puxou-me para dentro, “ Vai tomar café comigo porque eu quero e porque eu sei que você ainda não comeu nada hoje, e não repare na bagunça na sala porque madruguei jogando Call Of D-“

 Puxei-o repentinamente na minha direção e grudei minha boca na dele em um beijo rápido que durou apenas alguns segundos, nossos lábios apenas se acariciando até que nossos pulmões despreparados clamassem por mais oxigênio. Alfred foi o primeiro a ceder, empurrando-me levemente para longe.

 “ Faz isso de novo?!”, disse assim que recuperou o fôlego.

 Dei-lhe um tapa logo acima da orelha esquerda.

 “ Você pixou o muro da minha casa, fez-me ficar acordado até tarde resolvendo o maldito problema e acordar cedo em um final de semana de tanta euforia para não receber absolutamente nada em troca da resposta certa além de um ‘É, está certo.‘. Calcule a probabilidade de eu te beijar de novo, Albert Einstein.“

 Ele me lançou um sorriso maroto.

 “ Talvez eu não saiba a probabilidade no momento...”

 Senti suas mãos em meus ombros; fui empurrado contra a parede.

 “ Mas estou certo de que ela vai subir quase para 100% daqui a alguns minutos...”

  Sorri junto dele.

 O café da manhã podia esperar.


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Notas finais do capítulo

E a resposta pro desafio não foi apresentada por pura preguiça minha de resolver. Beijos.