Tributo. escrita por lillyjelly


Capítulo 2
Minha sentença.


Notas iniciais do capítulo

Estou adorando escrever essa fanfic! É minha primeira de Jogos Vorazes, e eu estou absorvendo tudo como uma esponja. Criar um cenário, um estilo de vida pros habitantes do Distrito 1, tão diferente do estilo de vida do Distrito 12 descrito nos livros... Espero estímulos em forma de reviews!



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            Para culminar o choque de minha descoberta, as meninas ao meu redor começam a cuspir em meu rosto, chutar minhas canelas e acotovelar minhas costelas. A soma de minha raiva há muito acumulada, o ódio por meu Distrito e o fato de ele ter me mandado para a morte certa e a certeza de que não voltaria com vida daquela arena me faz ter um acesso. Começo a arranhar freneticamente os rostos ao meu redor, antes de ser empurrada para o palco contra a minha vontade. Todos os olhos do Distrito pousam em mim como se encarassem um espécime de bicho feio e esquisito.

            – Parece que temos uma bravinha este ano! – relincha Ivy cheia de contentamento, e um coro de “bravinha! Bravinha! Bravinha!” surge em meio aos resmungos da multidão. Marcho até o palco com toda a dignidade que posso reunir, controlando minhas lágrimas de cólera e emitindo um sorriso macabro para todos os que me deixaram naquela posição.

            Eles escolheram a mim. Não porque sou uma Carreirista bem preparada, truculenta, familiarizada com um bom banho de sangue. Não, me escolheram porque querem me ver morta naquela arena maldita. Eu sabia que não era nem de longe a pessoa preferida do Distrito 1, mas me condenar a uma morte dolorosa na frente do país todo? Naquele momento eu senti a onda de cólera mais violenta de minha vida perpassar meu corpo. Praticamente tive uma convulsão naquele palco. Se eles queriam um show, era o que eu iria dar a eles, pensei.

            No meio da multidão, antes do anúncio do escolhido para tributo masculino, meus olhos encontraram o olhar cínico de Shadowe, que, ao lado de Chermiser, era só sorrisos maliciosos para mim. Encarei-a concentrando todo o ódio acumulado em mim naquele olhar, e deve ter dado certo porque, por um centésimo de segundo, vi um brilho assustado perpassar a máscara cruel de Shadowe.

            Depois que a balbúrdia da aglomeração de pessoas na praça teve fim, Chalvord abriu seu próprio envelope, revelando que “com vinte e sete por cento dos votos, Horn Travinecek” era o tributo masculino do Distrito 1. Assim como Toend e sua fofocas doentias previram. Orgulhoso, porém firme, Horn Travinecek subiu ao palco e prostrou-se ao meu lado. Durante um milésimo de segundo, tive a impressão de que ele me lançara uma piscadinha. Mas logo afastei essa ideia doentia dos meus pensamentos.

            A agitação restaurara-se na praça. Vaias acompanhavam meu nome, enquanto Horn era recebido com suspiros e gritos de encorajamento, muitos dos quais incluíam “acabe com ela, Horn!” em seus contextos. Controlei-me para não lhes berrar vocábulos obscenos. Aquele foi um momento decisivo na minha vida. As vaias dos habitantes do meu distrito, meu autocontrole para não pular em cima de cada um deles, a sensação gélida de sentir o olhar cínico de Horn em mim.

            Aos poucos, o prefeito pôs fim ao manifesto. Após a lida do Tratado da Traição e do hino nacional de Panem, ele encerrou meu martírio com marteladas no púlpito e um doloroso anúncio:

            – Distrito 1, aqui estão seus tributos.

            Fomos conduzidos ao Edifício da Justiça, escoltados por Pacificadores. Outros tantos deles controlavam a multidão que ainda se dispersava na praça, tentando a todo custo acertar-me com garrafas de vidro e outros objetos cortantes.

            Quanto à sala de espera, luxo era um medíocre insulto para descrever o cômodo. Eu, naturalmente, esperava algo glamoroso para o distrito responsável pelos artigos de luxo, mas aquilo superava todas as minhas frívolas expectativas. As paredes cravejadas de pedras preciosas reluziam umas contra as outras, fazendo no ar um arco-íris digno de um grande suspiro meu. Sofás confortáveis de veludo espalhavam-se pelos cantos do aposento. Lencinhos de seda estavam disponíveis para qualquer tributo mais sensível. Na mesinha de centro, em frente ao sofá onde escolhi sentar-me, jaziam um prato de biscoitos com pingos de chocolate. O aroma adocicado preenchia o ambiente e transmitia-me sensação de calma. Por alguns segundos, até esqueci meu ódio pelo Distrito 1 e sua gente.

            Depois de alguns minutos mudos onde simplesmente apreciei os biscoitos (por sinal, deliciosos e recém-saídos do forno), meus conhecidos foram chegando para as despedidas. Primeiramente, minha amada família.

            Toend mal conseguia conter o sorriso que lhe escapava dos lábios, mas na frente dos Pacificadores fingia ser uma mãe chorosa com a perda iminente da filha adotada. Cetos apenas franzia o cenho para tudo, as paredes de metais preciosos, os biscoitos na mesa e meu rosto coberto de farelos, não de lágrimas, como ele certamente esperava encontrá-lo. Chermiser, ao contrário de Toend, não fingia tristeza para com a minha perda nem para os Pacificadores. Seu rosto bronzeado chegava a reluzir pela alegria de transmitia para com meu fim.

            – Uma penas que tenha que ser você – disse ela exibindo um sorriso cínico. – Eu me sairia bem melhor na arena. Só espero que seu fim não seja doloroso demais.

            – Devia esperar isso de si mesma, quando eu voltar viva pra cá – ameacei, entredentes. Chermiser fingiu uma careta cômica de medo e apanhou um dos meus biscoitos, deixando a sala de espera sem os pais.

            Toend e Cetos me encararam friamente durante alguns segundos.

            – É isso – eu disse, com a voz desprovida de emoção.

            Toend me levantou uma sobrancelha.

            – Guarde sua fúria para a arena – ela instruiu, com a voz carregada de alegria diabólica. – Quero ter um bom show esse ano.

            Olhei para ela com tom de desafio.

            – Obrigada pelas instruções, Toend. Eu só gostaria de transmitir-lhe uma única mensagem antes de morrer – eu disse, pacientemente. – Você é uma vaca psicótica. E esse vestido deixa seu traseiro enorme. Ouvi os Sharminster comentando na praça. Eu só lhe recomendo uma dieta de pouco carboidrato, querida.

            Os olhos de Toend, antes triunfantes, encheram-se de líquida cólera. Mas, para meu desgosto, ela em pouco tempo retomou a postura.

            – Vejamos quem vai ser o primeiro a acabar com você, pirralha mimada. Vamos, Cetos. Quero passar para ver Horn antes. Tenho algumas dicas preciosas para ele sobre como manejar um machado, e como enterrá-lo bem precisamente nos órgãos vitais no inimigo.

            Essa última palavra foi acompanhada de um olhar mortífero para mim, mas aquilo não me abalou de maneira alguma. Apanhei outro biscoito e esperei os Pacificados me levarem para o trem, porque não havia mais ninguém que eu esperava ver por ali. Esse pensamento certamente explica minha completa estupefação quando a porta abriu-se novamente e revelou a miúda e assustadiça Merot, cujo olhar virava-se de um lado para o outro, como um coelhinho assustado fugindo de seu predador.

            Eu a encarei com doçura. Se algum dia eu tinha tido alguma coisa próxima a uma amiga naquela vida, aquela pessoa fora Merot.

            – O que está fazendo aqui? – sussurro em tom repreensivo, que não consigo manter por muito tempo, pois estou feliz em vê-la. Feliz em ver alguém que veio me ver por se importar comigo de verdade. Se importar ao ponto de violar todas as leis trabalhistas para criadas do Distrito apenas para me dar adeus.

            – Vim vê-la, patroa – ela sussurra, como se os Lettecup pudessem ter implantado microcâmeras para vigiá-la na sala de espera.

            – Não me chame de patroa, Merot, meu nome é Shaey. Amigos não chamam uns aos outros de patrões.

            Os lábios ressecados de Merot curvaram-se em um sorriso.

            – Somos amigas, hum, Shaey?

            Eu sorrio, desta vez.

            – Claro que sim.

            Entrelaço meus braços ao redor dela, num gesto de afeição que nunca demonstrei por ninguém antes. Não podia respirar o mesmo ar das pessoas sem que elas ficassem enojadas ou revoltadas com isso. E lá estava eu, abraçando a pobre e indefesa Merot, que durante anos defendi com unhas e dentes, mesmo que eu fosse quem acarretasse as conseqüências.

            Abaixando-me, pego um punhado de biscoitos restantes no prato quase vazio e meto-os dentro das vestes de Merot. Ela fica alarmada, mas eu lhe lanço um sorriso tranquilizador.

            – Só temo que não estejam tão bons quanto os seus.

            As feições negras dela se derretem em um sorriso largo de agradecimento.

            – Obrigada por tudo.

            Assinto, emocionada demais para dizer qualquer outra coisa. Mas Merot aparentemente não estava.

            – Volte com vida, e eu lhe prepararei um armário abarrotado de biscoitos!

            Rio e a abraço uma última vez, como se isso sanasse toda a falta de contato humano não violento que tive durante toda a minha vida.

            Os Pacificadores rapidamente nos alertam que é chegada a hora de minha partida, e eu me despeço de Merot com uma voz embargada que eu acreditava nunca ouvir direto de minha boca.

            No final das contas, sou mais humana do que acreditava. Ainda não sei se isso é uma coisa boa. Mas, se não for, por que me sinto quase contente?

            Meu contentamento, claro, é rapidamente extraído pela aparição indesejada de Ivy Howell.

            Por um momento, questiono a presença dela ali, mas rapidamente recordo-me de que, neste ano, eu sou o Tributo. E, consequentemente, Ivy é minha acompanhante e Chalvord é meu tutor. Sinto uma nova ânsia de vômito e arrependo-me da última dúzia de biscoitos.

            – Shaey, olá – cumprimenta-me Ivy aos pulinhos, com seus seios ridiculamente gigantescos vibrando em seu decote. Ela, aparentemente, não sente necessidade de apresentações. Sinceramente, não são. – Está pronta? O trem sai em três minutos.

            O tom de voz dela não é diferente do usado no palco: cada frase parece um relincho que me dói os ouvidos. Assinto mudamente, recusando-me a trocar palavra com ser tão desprezível.

            Somos conduzidos até o trem por uma limusine que nos espera na porta do Edifício da Justiça. A aglomeração continua, desta vez em volta do automóvel. As pessoas me dirigem gestos obscenos, cospem no vidro do veículo, batem nas janelas, provocam uma barulheira infernal. As câmeras, naturalmente, captam todos os momentos. Estou fazendo um esforço monstruoso para não debulhar em lágrimas. Durante os dezesseis anos de Jogos Vorazes que acompanhei, vi Tributos assustadiços, confiantes, fortes, convencidos, ignorantes, indiferentes, toda a sorte de personalidades de Panem. Eu até aquele momento não havia optado qual modelo deveria seguir. Alguns chegavam até a jogar beijos para multidão enlouquecida, mas eu estava tão perto de fazer tão abominável gesto quanto estava de enfiar garfos em meus olhos, então eu simplesmente encaro a todos com olhar de desafio. Uma olhada rápida no espelho retrovisor do veículo me revela que estou comunicando a seguinte frase com o olhar: “Vocês duvidam e zombam de mim agora, mas não fazem ideia do que sou capaz”. Satisfeita com o efeito de minha expressão, mantive-a até que saíssemos do alcance das câmeras.

            A locomotiva cuspia fumaça por toda a Estação do Distrito 1. Adentramos o trem imediatamente, aonde um funcionário da Capital me conduziu até meu compartimento. Ivy disse para que eu fosse logo me ajeitar para o jantar, onde eu conheceria meu mentor e o tributo masculino, além de assistir às reprises da Colheita em todos os Distritos de Panem. Estaríamos na Capital pela manhã, visto que o Distrito 1 era o mais próximo do local de todos os distritos.

            Estava cansada demais para protestar ou mesmo tem pensamentos rebeldes, então simplesmente obedeci Ivy. Tomei um longo banho na banheira do meu quarto, experimentando os tipos de sais que não tínhamos na casa dos Lettecup. Não posso fingir que não estou acostumada com o luxo. O Distrito 1 é responsável pela fabricação dos artigos de luxo para a Capital, então somos um distrito bem afortunado. Nunca tive problemas com falta de comida, água ou saneamento básico, como nos outros distritos. Para completar, minha total falta de familiaridade com armas letais e sobrevivência básica me fariam uma presa fácil na arena. De acordo com os meus cálculos, pela manhã do segundo dia meu cadáver mutilado estaria sendo transportado por um aerodeslizador até meus “entes queridos”, para que eles velassem meu corpo sem vida com “respeito e afeição”.

            Esse pensamento me conduziu às lágrimas enquanto mergulhava na espessa espuma na banheira. Agora que eu estava longe das câmeras e dos insultos, eu podia finalmente respirar. E no único momento que tive só pra mim, tudo desabou como uma bigorna em cima de mim. Meu distrito inteiro me odiava ao ponto de me mandar para a morte certa. Eu não tinha amigos ou sequer motivos para voltar com vida para meu distrito. Eu viveria sozinha na Aldeia dos Vitoriosos, sem ocupações, sem necessidade de trabalhar, com minha vida inteira garantida com a fortuna que a vitória sobre os Jogos me ofereceria. Eu não sairia com vida de lá, e talvez isso até fosse, de certo modo, melhor, porque eu não tinha mais motivos para viver.

            De repente, minha cabeça pareceu sufocada com tantas revelações sobre a minha existência em apenas dez minutos de banho. Desliguei o jorro de espuma que saía pela torneira e mergulhei na água perfumada, submergindo até o topo de minha cabeça. A água funcionou com uma espécie de barreira para pensamentos, pois minha única preocupação naquele momento foi de evitar abrir os olhos e ficar cega com os sais perfumados que enchiam a banheira.

            Quando voltei à superfície, de alguma forma eu me sentia melhor. Não pensei mais sobre minha vida, minha sobrevivência, minha existência, enfim, todos aqueles pensamentos sufocantes, tudo simplesmente se esvaiu de minha mente. Eu talvez eu tivesse erguido um muro contra eles temporariamente. De qualquer modo, fiquei satisfeita por não pensar mais naquilo.

            Recostei minha cabeça na borda da banheira e fiquei encarando uma imaculados azulejos brancos, lembrando-me de meu banheiro da casa dos Lettecup e cantarolando uma música que haviam nos ensinado nas aulas de canto.

            Eu era a única que verdadeiramente apreciava as aulas de canto. Todos os outros adolescentes acreditavam que seria infinitamente mais produtivo se substituíssemos o tempo das aulas por classes de manuseio de lanças, ou algo assim.

            A professora, Sra. Pegg, era a única na escola que não me encarava como se eu fosse uma aberração. Um dia, depois da aula, eu matei minha classe de natação e fiquei com ela na sala de música, onde me ensinou uma canção de ninar de sua época de pequena.

O besouro caminhou com o sol batendo nas asas

Ah, se ele tivesse as asas de uma borboleta

Ah, se ele tivesse as asas de uma borboleta

Não pisariam nele quando pousasse na janela

Ah, se ele tivesse as asas de uma borboleta

Ah, se ele tivesse as asas de uma borboleta

Não fugiriam quando à meia-noite ele rondasse o jardim

O besouro, o besouro que queria as asas da borboleta

            Lembro que só tinha dez anos na época, e meu único comentário sobre a canção foi:

            – Sempre gostei mais de besouros do que de borboletas.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Odiaram? Contem nos reviews. Por favor? Beijo e nhac pra todos =3



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