Capítulo 35

Pov Petrus

O caminho irregular cessava à minha frente. Era a hora de enfrentar a fúria daqueles que eu sempre fui obrigado a servir, contra a minha vontade. Adentrei o castelo rústico de pedra, que por fora até parecia algo velho e atrasado, mas por dentro era tecnologicamente equipado com tudo de última geração, deixando claro que os seres mitológicos não se deixam ultrapassar pela modernidade das coisas.

Ela estava exatamente à minha frente, sentada em uma imponente e confortável poltrona de couro legítimo tingido de vermelho, e penteava os longos cabelos negros e ondulados com muita displicência. Era óbvio que a mesma estava em outra dimensão, mas eu teria que chama-la à realidade, e tenho certeza que ela não iria gostar.

- Com licença minha senhora. Trago notícias do nosso plano, e lamento dizer que não são animadoras. Godrick falhou em sua tarefa de capturar a deusa, e nesse instante o ciclope jaz morto no meio da floresta juntamente com as outras empousas que o acompanharam. – eu informei de cabeça baixa, pois queria evitar de qualquer modo olhar diretamente dentro dos olhos traiçoeiros da feiticeira gananciosa.

Ela por sua vez, emitia sons de pura insatisfação conforme eu despejava  o fracasso dos servos que foram designados para cumprir o sequestro de Stormie, até que por fim, disse:

-Eu já deveria imaginar que aquele imprestável não seria capaz de executar o simples plano. Como se não bastasse, o inútil ainda tem o desplante de morrer. Estou cercada de perdedores! – ela socou o braço da poltrona com extrema força.

Olhei ao lado da soleira do vão de entrada e vi um chicote serpenteando por causa do vento. Será que ela me castigaria pelo fracasso de Godrick? Eu não sabia o que esperar, mas me arrepiei com essa possibilidade.

Ela levantou abruptamente e veio até mim. Minhas pernas travaram no exato lugar onde eu estava, mas nem por isso tremiam menos. A cada passo que ela dava em minha direção, eu sentia minhas forças se esvaírem, e acredite, o medo tomava conta de toda a minha pequenez. Antes que eu pudesse levantar os olhos, ela me agarrou pelo pescoço e fez menção de me estrangular ali mesmo, tamanha era sua raiva. Quando eu já me perdia na imensidão do Tártaro, eis que algo inesperado me salva da morte por asfixia.

Phobos apareceu emitindo uma luz forte, e isso desviou a atenção da feiticeira de mim, que caí no chão em um baque surdo. Ela olhou interrogativamente para o deus menor, que deu de ombros porém não se desfez de sua expressão séria. Antes que ela pudesse perguntar o motivo de uma chegada tão reluzente, por assim dizer, ele quebrou o silêncio.

- Precisamos reunir todos nesse instante. Eu sei que o ciclope falhou, mas Petrus conseguiu avisar Deon a tempo de o mesmo capturar outro semideus da missão. Eles estão trazendo para cá nesse momento, talvez à noite cheguem.

- Finalmente fizeram alguma coisa que preste! Já estava pensando em fulminar Deon por tamanha incompetência. Mas Phobos, não seria perigoso revelar a identidade de todos os envolvidos agora? Digo, eles podem nos trair.

- Ora Medéia, eles são nossos aliados. Vai dizer que não confia no seu meio-irmão* querido? Ele é tão habilidoso... lembra a você, em seus áureos tempos de feiticeira poderosa.

- Qual deles eles pegaram?

- A Caçadora, filha de Zeus. O Plano não era esse, mas como Godrick não conseguiu pegar a deusa, isso foi uma carta na manga que com certeza é melhor do que nada. E a garota praticamente caiu de paraquedas no colo de Deon, já que estava afastada dos outros e totalmente distraída.

- E o que faremos agora então? Como vamos proceder com a meio-sangue? – ela indagou visivelmente interessada agora que viu que as coisas não estavam tão desastrosas para o nosso lado.

- Espere a reunião querida. Decidiremos o que fazer com o consenso de todos. Eles chegarão em uma hora. – Phobos disse com seu tom sarcástico habitual. Era incrível como todos eles não abandonavam suas maneiras toscas e ridículas nem entre si.

A cada minuto que passa eu ansiava por minha liberdade, mas eu sei que isso é algo impossível. Eles me matariam em questão de segundos se eu pelo menos tentasse abandoná-los, porque eu sei de muita coisa. O pior de tudo é que eu não posso pedir ajuda aos deuses porque sei que eles também se negariam a ajudar o servo íntimo de seus inimigos, e eu no lugar deles faria o mesmo.

Algumas coisas precisam ser esclarecidas. A obsessão pelo livro oculto já era alimentada há muitíssimo tempo, desde a última vez em que Phobos e Deimos tentaram roubá-lo com a ajuda de Martin O’mailan, no entanto, os filhos de Ares não poderiam fazer nada porque o portal, como todos sabem, só pode ser aberto pelas espadas, e as mesmas se encontravam agora em mão intocáveis – com os deuses. Decidiram então esperar que Aquarius e Áquila voltassem para o mundo mortal e assim poderiam ir atrás novamente do livro. Enquanto isso, eles foram angariando aliados. Medéia, a filha de Hécate e esposa traidora de Jasão, foi a primeira a ser persuadida a trair os deuses. Nêmesis, a deusa da vingança, também decidiu se voltar contra os Olimpianos por ter sido ofendida por eles – principalmente por Poseidon – ao matarem seu filho. Hebe também se juntou a eles, acredito eu por ainda gostar de Martin, com que teve uma filha, Pauline.

Eles se reuniam com habitualidade, criando um elo aparentemente indissolúvel entre si. Apenas esperavam a hora de agir, mas nem por isso deixavam de planejar o que fariam quando chegasse a hora. Sempre atentos ao que acontecia no Olimpo, descobriram sobre a existência de um único filho de Afrodite com poder de persuasão, e ao investigar mais a fundo, notaram que o mesmo nutria um intenso ódio pelos deuses. Foi quando fizeram a proposta a Deon, que sem demora aceitou.

Começaram também a formar o exército de monstros que os serviriam, e pode-se dizer que conseguiram muitos, entre lestrigões, dracaenaes, empousas, ciclopes, mantícoras, javalis do mato, hidras... porém, muitos deles foram mortos no levante de Cronos, no qual os meus senhores se mantiveram imparciais.

Eis que certo dia, há pouco tempo atrás, as espadas são entregues por Atena e Poseidon para suas filhas recém-chegadas, e isso automaticamente despertou a profecia que tanto esperavam. Havia chegado o momento de agir, e o que aconteceu adiante é o que todos já sabem. Só que ainda há mais por descobrir.

* Sobre Medéia: descobri em minhas pesquisas que alguns a designavam como filha de Hécate.