Capítulo 15

Pov Annabeth

Eu escutei tudo. Mas as coisas ainda parecem não se encaixar.  Você se pergunta onde eu estou? Muito fácil... Estou no corredor do sexto vagão, com o ouvido colado à porta da cabine 51. Sorte que não há isolamento acústico nesse trem, ou então não escutaria nada e teria vindo em vão. Obviamente, o boné dos Yankees repousa sobre minha cabeça, me tornando invisível – não seria nada agradável se alguém se deparasse comigo xeretando a conversa dos outros.

De uma coisa eu tenho certeza: Grover está em algum lugar dentro da cabine, e eu deduzo que há algum tipo de passagem secreta... Pelo menos foi o que eu entendi do que o tal Deon (escutei alguém falar o nome dele) disse à mulher monstro quando a pediu que levasse comida para o prisioneiro. Afastei-me um pouco da porta esperando que a mesma se abrisse, mas isso não ocorreu, comprovando minha tese. Tudo bem, já é um avanço.

Pela conversa deles, notei que planejavam nos atacar em breve, e eu só sei que preciso fazer algo em relação a isso. Achei que deveria voltar nesse momento para avisar aos outros, mas eu precisava saber de detalhes. Aproximei-me mais da porta (como se isso fosse possível) para escutar mais alguma coisa, porém, o silêncio reinava naquele local. Espiei pela fechadura e pude ver Deon, que estava esparramado em um sofá comprido com um bloco de papel e uma caneta em mãos. Ótimo! Vão querer nos enganar novamente com bilhetinhos... ohei-o por alguns instantes tentando adivinhar o que ele escrevia, mas não tive sucesso. No outro canto, vi um garoto de cabelos um pouco compridos sentado desajeitadamente sobre uma poltrona parecida com a da nossa cabine. Provavelmente era quem conversava com o outro homem. Ele brincava com um cordão que tinha pendurado em seu pescoço, com um pingente de formato indecifrável a essa distância, que emitia uma luz extremamente fraca. Eu já tinha visto um desses...só não lembrava onde.

Fiquei por algum tempo observando-o, mas o mesmo demonstrava-se totalmente absorto em seus pensamentos. Lembrando-se de algo, talvez... Foi então que uma coisa bem estranha aconteceu: ele olhou na direção da porta, diretamente para o buraco da fechadura. Eu sei que estava invisível, mas tive impressão de que ele conseguiu me ver, ou apenas sentiu a minha presença. Ok, preciso sair daqui!

O garoto se levantou subitamente e eu mais do que depressa, corri. Contornei o corredor e caminhei a passos cuidadosos e tensos em direção a minha cabine. Quase esbarrei em uma mesinha na saída do vagão, em direção ao meu. Atravessei rapidamente a passagem externa e entrei no quinto vagão, correndo na mesma velocidade de quando fugi do Monte Santa Helena, antes dele explodir. Foi ali que dei meu primeiro beijo em Percy... Mesmo preocupada se alguém estava me seguindo ou não, sorri com essa lembrança.

Graças aos deuses o quinto vagão estava praticamente vazio, de modo que consegui passar por ali sem estresse. Andei até a saída do vagão de destranquei a porta. Com uma rápida olhada para trás, me lancei até o quarto vagão, aterrisando rente à porta de acesso. Entrei e fui andando tranquilamente até a cabine 37.

Quando cheguei até a porta, olhei para trás e não vi ninguém, mas pude ouvir passos lentos em minha direção. Quem quer que estivesse vindo não parecia estar com pressa, mas estava se aproximando. Abri a porta e com um rápido movimento entrei e fechei-a novamente. Tirei o boné e respirei ofegante.

Percy me olhava assustado e antes que eu dissesse algo, me puxou para sentar a seu lado. Os outros me olhavam curiosos e impacientes para que eu contasse o que descobri. Antes, eu precisaria recobrar o fôlego.

Sentei ao lado do meu namorado, que me olhava com um misto de curiosidade e preocupação em seu olhar. Os outros não estavam muito diferentes disso. Paige inclinou-se para frente escorando as mãos no queixo e me interrogando com seus olhos; Julie largou o livro que tinha em mão e Nico ajeitou-se no sofá espreguiçando lentamente.

Olhei para o coveiro mirim e disse imperativamente:

- Tranque a porta.

Nico não contestou e fez o que pedi, afinal, ele era o mais próximo mesmo. Em seguida, virei para os outros e comecei a falar.

- Eles vão nos atacar de madrugada, quase ao amanhecer. É óbvio que os alvos principais são as guardiãs das espadas que abrem o portal do monte parnaso. Aquele homem que vimos no restaurante junto com a mulher que é, na verdade, um monstro – disse essa parte olhando para Percy – chama-se Deon, e é o líder. Junto com ele e com a monstrenga ainda vi um garoto um pouco mais velho do que eu, provavelmente meio-sangue também. Mas acho que eles tem mais aliados espalhados pelo trem, no restaurante mesmo devem haver alguns infiltrados.

Paige me interrompeu.

- E o Grover? – Ela disse isso em um grito agudo e perfurante capaz de irritar qualquer um.

- Eu suponho que ele esteja em uma espécie de compartimento da cabine 51, como Grover disse em sonho ao Percy. Mas eles deixam sempre alguém para vigia-lo. Teremos uma chance de resgatá-lo quando Deon e o garoto vierem nos atacar. Eles vão pedir algum reforço ao pessoal do restaurante, com certeza. Se eu estiver certa, eles deixarão a Srta. Bottle – nome do monstro – de vigia.

- Mas como vamos ser atacados e salvar Grover ao mesmo tempo?

Revirei os olhos. Não acredito que depois de tanto tempo convivendo comigo o Cabeça de Alga me faça uma pergunta dessas... Antes que eu respondesse, Julie tomou a frente e disse:

- Acho que Annie pensou em nos dividirmos. Um grupo fica aqui esperando o ataque para distrair os malfeitores e o outro se esconde em algum lugar perto da cabine deles. Quando eles saírem, nos entramos e procuramos o Grover.

- Exatamente Julie! Só podia ser minha irmã mesmo... – eu disse em tom orgulhoso. Nico abaixou a cabeça e deu um sorrisinho discreto cheio de significado. Paige fingiu vomito e eu tive que rir dela -pelo menos ela consegue ter senso de humor mesmo com a iminência de um ataque. Percy apoiava a cabeça nas mãos como se pensasse na possibilidade de o plano dar certo. Ele disse:

- Tá. Mas e se acontecer alguma coisa com algum de nós?

- E nós temos outra chance, a não ser arriscar? – Nico disse ironicamente.

Percy fez cara de deboche. Esses filhos dos três grandes parecem todos desmiolados... nunca levam nada a sério.

- Gente, vamos no concentrar no plano. – eu chamei a atenção deles. – Eles só viram eu e Percy no restaurante, então eu e ele ficaremos aqui. Acho que vocês três devem ir resgatar Grover. O que acham?

Paige deu um pulo.

- Não mesmo. Eu vou ficar com vocês! E se os dois sozinhos não derem conta dos adversários? E se alguém se machucar? E se o Percy se machucar e a Annie ficar sozinha com os monstros? Eles vão te levar, amarrar, picotar seu cabelo e arrancar seus dentes, e... – a filha de Poseidon começou os seus delírios quase que diários...

- Paige! – Percy gritou com a irmã. A garota segurava meus ombros como se assim eu me convencesse de tudo que tinha falado. Ela estava realmente em pânico. Se eu tinha alguma dúvida de que ela era bipolar, agora eu tenho certeza.

- Percy é invulnerável, porque carrega a maldição de Aquiles. Portanto, não irá se machucar. E nós temos experiência em lutas, não precisa se preocupar. O que vocês devem fazer é salvar o Grover e esconder-se até a hora do desembarque. Percy e eu nos viramos.

Acho que ela entendeu. Planejamos minuciosamente o que seria feito dali pra frente. Nos dividimos em turnos para vigiar qualquer movimentação estranha perto da cabine e descansamos.

Amanhã o dia será longo.

Por volta da três e meia da manhã, Paige, Nico e Julie saíram do chalé. Eles iriam até o sexto vagão e ocupariam a cabine número 55, que o garoto das trevas verificou e constatou que estava vazia. Ficariam ali atentos às ações dos seqüestradores, e assim que tivessem a chance invadiriam a cabine 51 e procurariam pelo sátiro, enquanto Percy e eu esperamos o ataque.

Pelo visto, não demorará a acontecer...