Heavenly Oblivion I -The Fate- escrita por HopeNightingale


Capítulo 1
I - O Homem das Vestes Negras


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos!
Bem, essa é uma história totalmente original. Heavenly Oblivion significa "Esquecimento Celestial", uma pequena analogia a situação que se encontra o protagonista da história: Hope. Haverá muito drama, mistério, ação e aventura. Espero que gostem desse primeiro capítulo ~



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Eu sou um indivíduo desprezível: destruí um lar e cortei pela raiz a árvore que sustentava nossa união como família; sinto que fomos do Céu ao Inferno num piscar de olhos. Um ente querido se fora, deixando inúmeras recordações em nossos frágeis corações. Mesmo hoje, não tenho grandes motivos para viver, porém não quero desperdiçar o restante de minha existência... O problema crucial, a consequência mais dolorosa, é que praticamente todos os momentos são nostálgicos e melancólicos; com o passar do tempo, minhas feridas estão abrindo ainda mais, fazendo com que incontáveis lágrimas caiam. Isso tudo devido àquele acontecido que insiste em permanecer dentro de mim, algo que desejo esquecer, mas sei que é impossível. Tudo isso culpa de um só humano, a pessoa que levou sua família à ruína: Hope Nightingale, muito prazer.

– Me desculpe mãe. Eu sinto muito, muito mesmo.



Sinto saudades da minha mãe. É muito doloroso saber que nunca mais verei seu belo sorriso e conviver com uma inegável culpa, afinal, eu causei sua morte.

Estou com quinze anos completados recentemente e meu irmão logo comemorará sua décima primeira primavera; passaram-se 8 anos desde aquele incidente e eu não vivo sem remorso, sem repugnância pelo que me tornei. Todos dizem que eu deveria seguir em frente e eliminar esse pensamento, mas tenho certeza que falam isso apenas porque é algo politicamente correto a se dizer quando alguém se prende ao passado. Ninguém, ninguém entende realmente o que eu sinto. E eu não desejaria esse sentimento ruim nem mesmo para meu maior inimigo (no caso, alguém não-existente, pois sou e sempre fui muito neutro em relação aos outros, evitando ao máximo ocasionar divergências desnecessárias).

No momento, estou confinado em meu quarto. Gosto da solidão, ela é o melhor remédio para ocasiões de angústia. Além do mais, meu quarto é minha fortaleza, um esconderijo onde, infelizmente, qualquer um pode me encontrar. O relógio digital de meu celular marca exatas 8h30 da noite; em minha macia cama, de olhos fechados, escuto músicas com melodias calmas e sinceras, mas logo uma voz dirigiu-se a mim, destruindo por completo todo o conforto efêmero.

– Hope, você não vai jantar?

Era Luke, meu irmão, e também a pessoa que mais se preocupa comigo. Embora ele seja mais novo, compartilhamos algumas peculiaridades: seus cabelos são prateados e lisos como os meus, fato que nenhum médico soube explicar; alguns dizem que é uma mutação genética, outros, assumem que a causa é apenas uma baixa produção de melanina capilar. De qualquer forma, isso é algo que não faz muita diferença, posso pintá-lo a qualquer instante e ser uma pessoa "normal", entretanto, prefiro ser diferente dos demais. Afinal, indivíduos comuns demais são facilmente esquecidos pelo restante do mundo.


A nossa outra característica física marcante não é tão exótica quanto a anterior: olhos cor de Esmeralda, presente especialmente dado por Henrieta, nossa falecida mãe. Já nosso pai, Ferdinand, contribuiu com traços físicos: ambos possuímos rostos ovais, narizes retos e lábios finos.

O que realmente me diferencia do restante das pessoas não é apenas minha aparência, e sim, minha personalidade; sempre gostei de ter responsabilidades, e, se pudesse, ajudaria pessoas ou um determinado lugar em âmbito mundial! Porém, aqui em Montreal, as únicas coisas importantes são estudar e trabalhar; a rotina de grande parte da população se baseia unicamente nisso. Não que eu odeie ir para meu colégio, mas... Também não gosto de ficar preso pelas correntes do estudo. Na realidade, o pior de tudo é ter que ajudar meu pai em nosso restaurante, um estabelecimento repleto de amargas e tristes lembranças. “Celestial Aroma”, tão irônico quanto meu próprio nome. É realmente uma tortura para mim ter de frequentá-lo quase todos os dias, mas as refeições preparadas por Adele, nossa responsável pela cozinha, são maravilhosas! Com apenas 19 anos, posso afirmar que terá um futuro incrível no ramo culinário. Já eu, não apresento o menor resquício de sonhos ou desejos concretos e muito menos aspiração para uma profissão específica.

Hoje é o último dia de longas e tediosas férias, ou seja, amanhã recomeçam minhas aulas: vou para a Grade 10 no colégio Saint Andrew, onde estudei grande parte de minha vida. Será que meus amigos ainda estarão na mesma classe? Seria ótimo para mim! Eles são minha única motivação, não sei o que seria de mim caso não existissem. Apesar de tudo, sem grande esforço, tiro ótimas notas e sou o mais inteligente entre todos.

– Hope, você está me ouvindo? Venha jantar! A comida vai acabar esfriando se demorar muito.

– Já vou, Luke! Já vou!

Saí do quarto e deparei-me com o mural magnético situado logo à frente: havia fotografias de meu irmão, minhas e de minha mãe; meu pai não gostava de aparecer em fotos e eu nunca entendi motivo disso. Desci as escadas de mármore, passei pela sala de estar e fui em direção à sala de jantar. Sentei na cadeira mais próxima a porta; minha comida estava servida em um prato de porcelana, sobre a mesa de vidro. Meu pai encontrava-se logo à frente, possuia uma barba bem trabalhada, era pouco mais alto que eu e seus cabelos castanhos eram levemente ondulados e bagunçados. Estava bem conservado, digamos: tinha 40 anos, mas aparentava não ter mais de 30. Luke sentou-se perto de mim e logo acabou com o silêncio mórbido durante aquela refeição.

– Nossa, Hope! Suas aulas começam amanhã, não é? Está ansioso?

– Bom... Luke... - minha voz soou falha graças à comida que descia pela garganta - Começam sim, mas vou confessar que não estou lá muito animado. Mesmo se estivesse, eu não ficaria pulando de felicidade por aí.

Meu irmão riu. Eu adorava o sorriso infantil do Luke, era radiante e branco como a neve. Meu pai continuou sério enquanto degustava a segunda metade da refeição que colocara em seu prato. Subitamente, decidi confrontá-lo; eu sabia que era errado bater de frente dessa forma, mas a discussão de alguma forma me trazia esperança de um dia mudar o que acontecia naquela casa, acabar com aquele ódio subliminar. Sua expressão indecifrável me deixava aflito e eu tinha que fazer, dizer, agir.


– É hoje não é, pai?

Um segundo depois eu já estava arrependido de ter deixado aquelas palavras escaparem. Luke fitou-me com um olhar repreendedor, abaixou a cabeça e logo depois a resposta de meu pai ecoou pela casa.

– O aniversário de morte da sua mãe? Sim é hoje. Está feliz? - indagou ironicamente.

– Pareço feliz por acaso? - rebati com frieza.

– Você nunca esboça nenhum tipo de humor diferente do habitual. Sempre está com esse rosto apático e sem graça.

Meu sangue fervia de raiva; ele deixava-me nervoso de um modo inexplicável, parecia até mesmo que aqueles olhos negros e vazios sabiam exatamente onde estavam meus pontos fracos. Era um olhar gélido, tão gélido quanto o mais frio dos invernos.

– Parem com isso, por favor! - suplicou Luke num grito que mais me pareceu um soluço. - O jantar é um momento sagrado.

– Desculpe-me Luke, mas agora é minha vez de falar! - declarei num tom cruel devido ao nervosismo. - Pai, você sabe que minha vida é repleta de culpa, mas... Sabe também que isso é injusto. Não vale a pena dizer essas coisas pra mim! Eu sofro todos os dias.


De alguma forma, eu tentava me tornar a vítima da situação, mesmo tendo iniciado todo aquele conflito. Não tenho autocontrole algum ao entrar numa discussão e no final, ao invés de simplesmente deixá-la de lado, acabo tentando parecer inocente e indefeso; um dos vários motivos que faz minha repugnância pessoal existir.

– Sofre? Você acha que eu não sofro também? Hope, Cresça! - a sua voz foi ameaçadora e fez meu corpo se arrepiar - Você acusa a todos, mas nunca aceita o que os outros tem a dizer! Talvez realmente seja errado lhe culpar, mas você não tem o direito de me confrontar dessa forma. Eu sou seu Pai! Respeite-me!


– Você não entende! Parece que só se importa com aquela droga de restaurante. - Nesse instante, as palavras mais dolorosas que alguém poderia ouvir passaram por meus lábios. - Eu tenho nojo de você... Eu... Eu te odeio! Você deveria ter morrido, e não a minha mãe!

Assim que percebi a gravidade do dissera, meu maior desejo era ter engolido aquelas palavras e guardado-as na partícula mais escura da minha alma. Tarde demais.

– Hope, eu estou fazendo o que posso para trazer o melhor a você e a seu irmão. Esse é o amor que posso lhe oferecer, realmente não te compreendo... - ele fechou os olhos como se meditasse - Talvez você seja um caso perdido, e se eu soubesse que teria um filho com atitudes como as suas, teria sido muita sorte da minha parte morrer naquele dia.

Minhas lágrimas começavam a surgir e não consegui mais proferir qualquer palavra de ofensa. Dirigi-me até a porta de saída da maneira mais rápida possível, pretendia me acalmar e depois encontrar alguma forma de me desculpar. Meu pai fitava fixamente para a mesa e eu pude perceber que seus olhos também lacrimejavam. Luke, aos soluços, olhava diretamente para mim; eu havia afetado a ele também com aquela discussão. Realmente amo minha família, mas... Era difícil expressar, e quanto mais eu achava que progredia, mais difícil ficava não perder o controle. Destranquei a fechadura da porta, atravessei e fechei-a num grande estrondo.


Enquanto corria inquieto através da escura Rua Kaleidoscope, a melodia que eu escutara há pouco em meu quarto ecoava suavemente dentro de mim; era uma bela ballad, “Seu futuro não será fácil, porém certamente será maravilhoso” diz sua letra acompanhada de notas perfeitas, arranjo impecável, vocais sublimes... O oposto da minha vida, se é que assim posso chamá-la. Esse era um de meus pensamentos mais comuns: "Será que minha vida realmente é tão má assim? Ou será que somente eu a enxergo dessa forma?". É evidente que nunca obtive resposta definitiva; certas vezes, eu cogitava a possibilidade de ser paranóico demais, ou talvez um garoto completamente louco.


Devo ter corrido cerca de três quarteirões enquanto buscava respostas dentro de mim; já conhecia cada rua do bairro Heartbound, onde eu residia, e assim que vi algumas árvores ao redor percebi que encontrava-me em frente ao pequeno parque Redlight, um dos meus lugares favoritos, repleto de natureza pura que sempre deixava-me mais calmo; a ventania fazia as folhas das plantas criarem uma leve sinfonia acolhedora. Minhas lágrimas turvavam minha visão e, num breve momento quando fui secá-las, acabei por atingir algo em meu caminho. O choque foi tão grande que me desequilibrei, caindo no chão como um saco de batatas. Meu ombro doía e, enquanto abria os olhos, tentei amenizar a dor massageando-o; a primeira coisa que visualizei foi um par de coturnos pretos e brilhantes logo a minha frente.


– Desculpe! Eu não estava prestando atenção. - falei enquanto observava aquela misteriosa figura; usava um grande sobretudo escuro e um capuz cobria grande parte do seu rosto, impossibilitando meu contato direto com seus olhos. Era de fato um ser assustador, parecendo ainda mais aterrorizante no meio daquela noite obscura. Estremeci ao tentar levantar e um calafrio me deixou imóvel; fiquei estático, de joelhos, fitando o nada.

– Sinto muito por fazê-lo cair assim. A culpa é minha, não se preocupe. - era uma voz masculina, um pouco rouca, porém jovial e de aparência gentil. - Você parece bem, foi apenas uma pancada no braço. Logo não doerá mais.

Uma leve brisa soprou por aquele território e o homem assemelhou-se ainda mais a um vulto, uma sombra. Meu ombro já havia parado de doer, assim como dissera, e então tentei me levantar mais uma vez... Sem sucesso. Reconstrui em minha mente o momento da colisão e percebi o quão estranho aquilo era; com a velocidade em que eu corria, provavelmente o homem também deveria ter caído, ou ao menos se deslocado um pouco, afinal, possuia um porte físico magro, semelhante ao meu. O impacto que eu causara em seu corpo de alguma forma foi repelido contra mim, fazendo assim com que apenas eu caísse. Muito, muito estranho.

– Hope Nightingale, certo? Bem, de acordo com as informações que tenho é impossível que não seja você. Cabelos naturalmente prateados, olhos verde-esmeralda... - Nesse instante, ele se abaixou e levantou meu rosto; tocou-o com as luvas negras que cobriam suas mãos e, logo depois, arrumou minha franja gentilmente. Eu ainda não conseguia ver sua face com clareza, porém, o que mais preocupava-me no momento era o fato de ter ciência de meu nome completo e de minhas características físicas; qualquer um que não fosse cego conseguiria facilmente enxergar a cor de meus cabelos, mas... Ele acertara a cor de meus olhos antes de vê-los de perto e, com absoluta certeza, seria impossível dizer a tonalidade deles naquele ambiente escuro sem antes analisá-los em um local mais iluminado.


Levantou-se; permaneci de joelhos como uma estátua, não consegui nem mesmo levantar minha cabeça. Será que ele não percebera que eu não conseguia ficar de pé novamente? Não... Ele tinha completo conhecimento sobre isso e não fez nada a respeito. Em seguida, tentei falar, mas voz alguma foi capaz de atravessar minha garganta. O que diabos estava havendo com meu corpo?


– Você está temporariamente paralisado e sem fala Hope, é melhor que nem tente se mexer ou dizer algo pois será extremamente frustrante e desgastante. - E com uma voz simpática e amigável finalizou - Vou terminar isso logo!


Se eu tivesse voz naquele momento, teria realizado um grito que soaria como o de uma garota indefesa. Imaginei que deixaria de viver, seria assassinado em poucos segundos, e pedi mentalmente misericórdia inúmeras vezes. Um leve titilar de metais veio de sua direção, então moveu-se para minhas costas rapidamente. Pensei que fosse atirar, me esfaquear ou talvez ambos, pois a região estava deserta e ele poderia aproveitar cada momento de minha dor... Entretanto, nada disso aconteceu. Senti o toque das luvas negras novamente, dessa vez em meus cabelos; suas mãos surgiram dos dois lados de meu campo de visão, parecia até mesmo que eu estava prestes a ser abraçado, porém, elas traziam uma corrente prateada acompanhada de um pingente e logo voltaram-se para trás proporcionando um repentino frio em meu pescoço.


– Enfim, esse colar é seu a partir de hoje. O pingente guarda uma força extremamente poderosa que só voce poderá controlar futuramente. Não se preocupe por enquanto, apenas confie em si mesmo e assim será capaz de se tornar aquilo que está destinado a ser. Espero lhe ver em breve - e com um suspiro continuou - Por hora, é só. Você voltará ao normal... Agora.


Um estalo de dedos ecoou e senti toda aquela força que se instalava sobre mim desaparecer num piscar de olhos. Virei-me o mais rápido que pude, mas... Não havia mais ninguém ali. Por um lado, fiquei aliviado, por outro, desejava que o homem ainda estivesse presente para que eu pudesse entender qual era o real significado de tudo aquilo.

Imaginei estar em um daqueles sonhos super realistas, decidi até mesmo dar um beliscão em meu próprio braço, mas logo me lembrei do colar ainda pendurado em meu pescoço. Tateei meu peito e, ao tocar no pingente, senti uma sensação extremamente boa; era um sentimento de liberdade, como se uma janela fosse aberta em minha alma, possibilitando-me enxergar toda a alegria do mundo, a qual me era invisível até então. Em contrapartida, assim que recuei minha mão, tal sensação desapareceu aos poucos até que restaram-se apenas os sentimentos habituais: a tristeza, a dúvida e a insegurança. Fiquei parado por um tempo, reconstruindo a cena que acabara de vivenciar e lembrando-me das palavras que o Homem de Vestes Negras havia dito. Questionamentos como "Que força poderosíssima é essa?" e "O que exatamente eu devo me tornar?" passeavam em minha mente, agitados como pássaros que fogem ao perceber a presença de chuva. Por mais que tentasse encontrar alguma resposta ou ao menos algo que fizesse o mínimo de sentido, nada me veio à mente, exceto a estranha sensação de que daquele dia em diante, minha vida não seria mais a mesma.


Aquilo era o início de meu "Destino".


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Notas finais do capítulo

Pequeno Glossário:
Montreal: Montreal é a maior cidade da província canadense de Quebec, a segunda mais populosa do Canadá, e também a segunda mais populosa cidade francófona do mundo. É também uma região administrativa do Quebec. Situa-se na ilha homônima do Rio São Lourenço, sendo um dos principais centros industriais, comerciais e culturais da América do Norte.
Grade 10: Equivalente ao 1ºColegial brasileiro.
Ballad: refere-se a uma obra musical que apresenta uma narrativa lírica e dramática, uma espécie de história contada através da música .
Espero que tenham gostado dessa história e que acompanhem-na, afinal, quem será o Homem das Vestes Negras? E porque Hope se culpa tanto pela morte de sua mãe?
No próximo capítulo "Promessa Verdadeira" : Enfoque na relação fraternal de Hope e Luke!
Deixem um review com suas críticas, isso é muito importante pra mim, e por favor continuem lendo !