Capítulo 72 – Dívida Monstruosa

-Vovô! - gritava Lien pela Academia Wong seguida dos dois estranhos visitantes – Vovô! Trate de aparecer agora!

André e Alex estranharam o tom dela, assim como estranharam o fato de Mestre Wong ter se escondido tão de repente.

-Eu não estou! - disse ele para os garotos – Digam a eles que não estou!

-O que está acontecendo? - perguntou André. Nisso, Lien chegou juntamente com as duas figuras e com uma expressão não muito amigável.

-André, cadê o vovô? - perguntou ela.

-Ele mandou dizer que não está – falou Alex.

-Tá legal...- Lien já parecia estar ficando impaciente – Onde ele se escondeu?

-Afinal o que está havendo, Lien? - André voltou a perguntar. Lien apontou para os visitantes com uma cara de brava.

-Esses dois – disse ela – Estão afirmando que são os verdadeiros donos dessa academia!

-Como é que é?! - exclamaram André e Alex ao mesmo tempo.

-Mas não foi o Mestre Wong quem fundou essa academia quando chegou da China? - perguntou ele.

-Claro que foi! Mesmo assim, eles insistem nessa história – falou Lien.

-Por favor, se acalmem – disse o velhinho que acompanhava aquele jovem gigante que os meninos observavam com espanto – Nós explicaremos tudo assim que o Mestre Wong sair de seu esconderijo e concordar em conversar conosco.

-Esconderijo? Quem falou em esconderijo? - perguntou Alex.

-Golias..por favor – disse o velhinho. Imediatamente, o gigante retirou facilmente uma pilha de colchões e tatames empilhados em um canto, revelando onde estava o assustado avô de Lien. Realmente, ele devia muitas explicações.

-Agora fala, vovô – bronqueou Lien – Desembucha logo a história desses caras! Como assim eles são os verdadeiros donos da academia?

-E-eu também não sei – disse ele – Eu já paguei tudo que devia para eles!

-Tudo que devia? - perguntou Alex – Então o senhor devia pra esses caras? Nossa...que babado!

-Alex! Não joga mais lenha na fogueira! - retrucou André.

-Acalmem-se – disse o velhinho – Podemos conversar civilizadamente e explicar tudo que está havendo.

Momentos mais tarde, os seis sentaram-se na mesa da cozinha da academia, enquanto tomavam um chá. Mesmo assim, os nervos de Mestre Wong não pareciam nem um pouco aliviados.

-Aaah! Camomila...meu preferido – disse o velhinho.

-Agora o senhor pode nos contar direito essa história? - disse Lien – Afinal, quem são vocês?

-Oh, claro, ainda não nos apresentamos formalmente – disse o senhorzinho – Meu nome é Geraldo Oliva...mas costumam me chamar de Mestre Geraldo. Esse é o meu fiel aluno, Golias Pedroso.

O gigante apenas acenou a cabeça positivamente e não falou nada.

-P-Prazer – gaguejou André.

-O senhor disse Mestre? - perguntou Alex – Presumo que seja em artes marciais, não?

-Exatamente – disse Geraldo – Sou o mestre da Liga Oficial de Academias Vale-Tudo dessa cidade.

-Liga Oficial...de academias? - perguntou André.

-Nunca ouvi falar – disse Lien.

-Talvez...porque a academia de vocês esteja num nível muito baixo para ser catalogada na liga oficial – comentou o gigante.

-Como é que é? - Lien começou a ficar nervosa.

-Não fique nervosa. Golias é um pouco...confiante demais em nossas habilidades. Eu acredito que o próprio Mestre Wong não tenha desejado se afiliar a nossa liga.

-Claro que não – disse ele – O estilo Wong é único. A academia de vocês faz uma salada horrível com vários estilos. Não tem nenhuma classe!

-Como é? - agora era Golias que ficou um pouco bravo.

“Heh! Quem mandou falar o que quer?”, pensou Lien, gostando desse último comentário.

-Mesmo assim – Geraldo continuou a conversar – O senhor não pode negar que nos deve um favor, certo?

-Bem...é verdade que vocês me ajudaram bastante.

-Ajudaram? Como assim? - perguntou Alex, após mais um gole de chá (a facilidade dele em se intrometer em assuntos alheios era fantástica).

-Quando Mestre Wong chegou ao Brasil, não tinha a menor ideia de como fundar sua academia. Ele levava a vida como comerciante, até descobrir nossa liga. Eu já era o grande responsável por ela e ajudei o Mestre a comprar um terreno e estabelecer sua própria academia. Emprestamos alguns trocados e logo ele já tinha seus próprios alunos seguindo seu estilo. Sem dúvida, um verdadeiro sucesso dos negócios.

-Ah...então o senhor pediu ajuda a eles para montar nossa academia aqui no Brasil? - perguntou Lien – O senhor nunca me contou isso.

-Achei que não era importante – falou o Mestre – Nosso estilo já não estava fazendo sucesso na China...eu precisava sobreviver, então decidi mudar para um país grande ainda em crescimento como o Brasil. O importante é que consegui continuar o legado de nossa família, não importa muito como consegui.

-Certo – disse Geraldo – O senhor fez uma grande academia e, mesmo não querendo se afiliar a liga, conseguiu criar uma academia bem sucedida.

-Isso mesmo – falou Lien – Mas ele já pagou toda a dívida que tinha com vocês, não pagou? Que tipo de assunto vocês tem a tratar com ele?

Ao ouvir isso, Mestre Wong desviou o olhar da neta, um pouco tenso.

-Então...essa é a questão – continuou Geraldo – Pela aparência tensa do Mestre Wong, acho que ele se lembra perfeitamente daquele contrato.

-Contrato?

-Sim – disse Geraldo – Bom, na verdade, é melhor mostrar do que falar.

Mestre Geraldo tirou um papel dobrado do bolso de sua calça com várias letras miúdas.

-Aqui diz claramente que a academia não pertence ao Mestre Wong enquanto toda a dívida não for paga – disse ele – Mas...aí que está a questão. Essa semana, eu fui atrás de uns arquivos antigos, todos em papel ainda, e descobri uma coisa interessante. Nosso amigo Wong, pagou boa parte do nosso acordo, mas...parece que esqueceu de dar 10 centavos.

-10 centavos? Só isso? - disse Lien abismada.

-É que na época eu não tinha cartão – disse Wong – E pagava tudo em dinheiro vivo. Mas eu não lembro que deixei de pagar dez centavos...deve ter caído quando entreguei para o Geraldo.

-Eu também não dei atenção para isso na ocasião, afinal, eram apenas 10 centavos. No entanto, lei é lei – disse o Mestre Geraldo.

-Como assim? - perguntou André.

-Deixei o caso arquivado por anos, décadas e nunca mexi naqueles dez centavos. Acontece que existem juros.

-Juros? - perguntou Lien.

-Sim. E passou tanto tempo, mas tanto tempo desde que essa academia foi montada, que a dívida aumentou consideravelmente.

-Aumentou em quanto? - perguntou Alex.

-Aqui está – disse Mestre Geraldo tirando outro pedaço de papel do bolso – Graças aos avanços da computação, pude colocar tudo na planilha e calcular a nova dívida com todos os juros.

-Deixa eu ver – Lien pegou o papel das mãos de Geraldo e, se tivesse tomado mais chá, certamente teria cuspido tudo – M-M-Mas isso é um absurdo!

Alex pegou o papel e também esbugalhou os olhos.

-Cacetada! De quanto eram esses juros?! - espantou-se o jovem fotógrafo. André também olhou o valor e ficou espantado.

-Passou tanto tempo assim? - comentou ele.

-Mesmo que tivesse passado tanto tempo – completou Lien – Juros nesse nível são um roubo!

-Mas está tudo de acordo com o contrato. O próprio Mestre Wong assinou – disse Geraldo, mostrando a cláusula do contrato que revelava o valor dos juros.

-Vovô! Como foi capaz de assinar um roubo desses?

-Era pela Academia! - disse ele – Mas eu paguei tudo...não é justo que por culpa de dez centavos, a dívida tenha chegado a esse nível.

-É, reconheço que eu devia ter dado atenção a esse caso antes, mas sabe como é...a gente arquiva essas coisas antigas e só volta a ver naqueles dias de faxina – falou ele – Mas o senhor me conhece...gosto de deixar as coisas certinhas, então...poderia, por favor, pagar essa dívida para que possamos ir embora em paz?

-Tá de brincadeira, não é? - falou o Mestre – Ninguém tem essa quantia de dinheiro pronta.

-Nesse caso...terá que pagar por outros meios – falou Geraldo.

-Quer...a Academia? - perguntou Lien – Justo a nossa Academia! Como o senhor pôde deixar isso acontecer, vovô?

Nisso, Golias cochichou algo no ouvido de Geraldo. Pelo que parecia, havia uma outra proposta.

-Bem..se não quer pagar em dinheiro ou com a academia – disse Geraldo – Meu aluno deu uma outra ideia interessante.

-Que ideia? - perguntou André – Qualquer sugestão sensata para resolver essa situação é bem-vinda!

-Bem, Golias é meu melhor aluno e, além disso, é meu único herdeiro na Academia – disse ele – Eu não tive filhos, mas trato Golias como um. Tudo que tenho será dele um dia.

-E daí? - perguntou Wong.

-Vou morrer logo, então não ligo muito para coisas materiais. Mas...seria interessante para Golias ter essa dívida paga, por isso ele me acompanhou.

-Deixa de enrolar...o que ele sugeriu afinal de contas? - perguntou Lien.

-Meu herdeiro gostou de você, mocinha – falou ele – Podemos perdoar a dívida...se você aceitar se casar com ele.

-O QUÊ?! - agora todos gritaram em uníssono. Em que situação nossos amigos foram se meter...