Premonição 2: A Morte lhe Cai Bem escrita por Lerd


Capítulo 6
Indiferença


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora COLOSSAL, mas agora estou novamente com internet e os capítulos voltarão a ser postados com regularidade. Espero que gostem! :D



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Theo mantinha-se calado durante o funeral de Cicciliona. Havia exatamente quatro pessoas ali, contando com ele, sendo que as outras três eram o padre, a governanta e o jardineiro da mansão dos Staller. Subitamente o rapaz sentiu um mal estar pelo fato da patroa ter tão pouco prestígio. Mais do que isso: ela conseguira afastar de si quaisquer pessoas que pudessem ter algum mínimo afeto por ela. Os parentes estavam todos mortos, ela era a última, a única herdeira do império. Já os amigos... Bom, a verdade era que eles não existiam.

O rapaz aliviou-se ao ver um grupo de pessoas entrar na capela, mas logo seu ânimo se foi ao perceber de quem se tratava. Em um terno de grife e com um olhar de superioridade em seu rosto estava Tony, acompanhado de sua mulher Gretel e do pequeno Damien.

— Olá Theodore... — Gretel cumprimentou o rapaz, tocando delicadamente em seu ombro. — Eu sinto muito pela Cicciliona. Do fundo do meu coração. Vocês deviam ser próximos e... Bom, meus pêsames.

Theo meneou a cabeça e agradeceu as condolências da dama de ferro. Tony então o chamou para um canto de madeira discreta. O rapaz tremeu diante da expectativa do que o homem tinha a dizer. Apesar disso, não se surpreendeu com o que foi dito.

— Você tem ideia de como e onde está o testamento da Cicciliona?

Uma fúria súbita tomou conta de Theo. O rapaz flexionou o maxilar de maneira irritada e então ergueu o queixo de maneira altiva para dizer:

— A Cicciliona podia ser a peste que fosse, mas para julgar caráter ela era imbatível. Ela sempre reclamou de você e me falou a respeito do canalha, cafajeste e oportunista que você era. Vejo que ela não se enganou. Eu fico me perguntando que tipo de pessoa não espera nem o cadáver da mulher de quem foi amigo por tantos anos esfriar no caixão para perguntar a respeito de... Dinheiro!

Tony revirou os olhos diante daquele discurso.

— Ah, qual é sua bichinha hipócrita! Vai me dizer que você também não está louco para saber pra quem a velha deixou toda a grana dos Staller? Aposto que você está morrendo de curiosidade para saber se ela resolveu te recompensar pela lealdade no fim da vida. Mas escute bem: eu não teria esperanças. Aquela velha era uma vagabunda ingrata.

Apesar de tudo, Tony tinha razão em um ponto. Theo não estava interessado no dinheiro que Cicciliona deixara, isso era verdade. Pelo menos não se o dinheiro viesse acompanhado da infelicidade que a mulher tivera em vida. Mas também era verdade que ele gostaria de saber se ela se lembraria dele, se teria algum respeito por aquele que fora leal a ela durante vários anos.

Decidiu não continuar aquela discussão. Sabia que ela não levaria à lugar algum, de modo que disse:

— Se me dá licença...

E saiu, ignorando Tony. O homem bufou e seguiu para perto da mulher, cochichando:

— Já fizemos o social, podemos ir embora, querida. Nós não precisamos ficar aqui fingindo que gostávamos dessa megera.

Apesar de conhecer a personalidade de Tony, Theo surpreendeu-se com o tom frio com que o homem pronunciara aquilo. Como a Cicciliona fora capaz de apaixonar-se por semelhante criatura?

— Respeito, Tony! — A esposa o reprimiu. — Qualquer que tenha sido o mal que essa mulher fez em vida, ela já o pagou e está livre dele. É desrespeitoso ficarmos falando coisas desse tipo. Francamente...

E Gretel manteve-se imóvel, segurando a mão de Damien. O garoto nada dizia, apenas apertava com força ainda a mão da mulher, como a lhe dar algum apoio. Mal sabia ela que a mulher que acabara de defender fora a causadora da maior desgraça de sua vida.

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Liam foi visitar Maria com uma caixa gigantesca de bombons em mãos. A garota deixou-o entrar após muita insistência e promessas de que ele não iria ficar olhando fixamente em seu rosto.

— Se fosse qualquer outra pessoa eu não deixaria que me visse nesse estado... — Maria disse.

O rapaz sorriu fracamente. Apesar disso, não conseguiu conter-se e olhou durante longos e torturantes cinco segundos diretamente para o rosto da latina. A mulher não se moveu um centímetro, cooperando com a avaliação minuciosa do asiático.

— Satisfeito Liam? Eu sou um monstro, eu sei...

Liam meneou a cabeça negativamente, protestando com veemência.

— Maria, não seja dura consigo mesma... Você ainda é linda.

— Chega, Liam! Para com isso! — Ela exclamou. — Eu sei que eu estou horrível e não preciso de ninguém pra ficar tentando elevar minha autoestima, tá legal? A modelo linda que você conheceu não existe mais. Se você veio aqui só pra isso, pode, por favor, se retirar.

E terminou sua frase abrindo a porta. O rapaz ignorou aquele gesto. Sentou-se no sofá e colocou a caixa de bombons em cima da mesinha de centro, suspirando. Maria fechou a porta.

— Me desculpe. Eu prometo que não toco mais no assunto. Não foi a minha intenção te ofender ou parecer demagogo.

A garota concordou com um aceno de cabeça. Caminhou na direção do sofá onde ele estava e sentou-se ao seu lado. Liam olhava para baixo quando disse:

— Vê falou com os seus irmãos na Colômbia? Eu já tinha os avisado e...

— E eu agradeço. — Ela respondeu prontamente. — Você me poupou tempo e chateação. Eu não teria coragem ou disposição para recontar a história do que aconteceu comigo. Eles quiseram vir para cá, mas todos estão proibidos de pisarem no país. Sabe como é, entraram ilegalmente aqui e tudo mais... Aquela velha história que você já conhece.

Liam então teve um estalo. Maria interpretou aquela reação de outra maneira:

— Tudo bem, você bem sabe que também não estou exatamente regularizada e...

O rapaz então ergueu um dedo, pedindo educadamente que a latina se calasse.

— Não, não... Não era sobre isso.

Liam então tocou o bolso de sua calça jeans e sentiu que ele vibrava. Retirou o celular de lá e o atendeu.

— Alô?

Do outro lado da linha, Mia lhe dava coordenadas desconexas. Durante cinco minutos ela lhe deu o resumo sobre a lista da morte, sobre a sua visão e sobre o fato de que ele era o próximo. Contou também sobre os acidentes e a lógica envolvida, terminando com uma sequência de frases que o fez tremer.

Nós estamos chegando na cidade em breve, e vamos te dar uma força no que precisar, mas... Nós não podíamos esperar para te contar isso. Sua vida corre perigo. Então... Cuide-se. Por favor.

Maria olhava o rapaz com uma expressão de confusão em seu rosto.

— Quem era?

— A Mia. E você não vai acreditar no que ela me disse.

— Pois tente.

O oriental abaixou a cabeça e engoliu em seco. Então tomou coragem e disse:

— Vai envolver o seu acidente. Mais uma vez.

— Eu permito. Diga.

Liam então se pôs a repetir frase a frase o que Mia dissera, aproveitando que as informações ainda estavam frescas em sua memória. Quando terminou de contar tudo, Maria parecia tremendamente abalada.

— Maria, você está bem? — Ele perguntou.

— Estou sim. Eu só preciso... De um chá. É, eu preciso de um chá. — Ela disse para si mesma. E então se virando para o homem: — Gostaria de um também?

— Tudo bem, eu faço pra você... — Liam disse, se levantando, mas foi rapidamente repelido pela garota.

— Não, eu faço. Eu ainda posso fazer um chá. Fica aqui que eu volto em um minuto...

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Na cozinha Maria tentava conter sua excitação e desespero. Seu pesadelo no hospital, o videogame, tomar vidas, ter seu rosto de volta... Tudo estava se encaixando. A morte havia poupado sua vida para que ela agora pudesse tomar a dos outros. Seria realmente possível? É a única explicação possível...

Temos atrás Maria teria relutado em acreditar em semelhante história e evento. Mas depois da visão de Mia e o acidente que se seguiu, seu rosto deformado, a morte de Cub, Cicciliona... E o pesadelo... Era difícil contestar. Maria tinha certeza de que a própria morte havia lhe visitado àquele dia cobrando um acordo. A mulher então rapidamente chacoalhou a cabeça, procurando espantar aqueles pensamentos. Precisava ser objetiva.

Seu olhar voltou-se para a janela, onde viu seu rosto irremediavelmente queimado com as cicatrizes eternas. Aquelas eram asmarcas que sempre a acompanhariam, pelo resto de seus dias. Subitamente, porém, parecia fácil livrar-se delas. Ela apenas precisaria causar a morte de meia dúzia de pessoas, as quais ou não conhecia ou não gostava. Com exceção de Liam, não seria grande coisa ver todos os outros mortos.

Maria olhou para a xícara de chá e uma ideia a tomou por inteiro. Dane-se o Liam! Ele nunca gostou de mim mesmo, tenho certeza que faria o mesmo no meu lugar. E decidiu-se. Correu até o banheiro, procurando pelo remédio que lhe fora receitado para ajudar no clareamento das cicatrizes. Era insípido e com certeza traria resultados desastrosos caso fosse utilizado em grande quantidade e sem prescrição médica. Após encontrá-lo, a modelo pôs-se a esfarelar os comprimidos, transformando-os em pó. Ela então colocou o farelo branco na bebida e mexeu até que ele fosse completamente dissolvido.

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Mia e Kaleb chegaram ao local indicado no fim da tarde. Era domingo, e eles esperavam encontrar Bludworth na casa do zelador. Caminharam pela escola com certa lentidão e receio, se atentando aos detalhes. De repente uma placa em uma das pilastras logo na entrada da construção chamou a atenção de Mia. Ela era cor de cobre e havia a inscrição:

Em memória de Luther Boye DePooter, Manik Baskhar e Naomi Debra Leach.

Que coincidência assustadora, Mia não conseguiu evitar pensar. Os dois estavam na mesma escola onde estudaram, em vida, alguns sobreviventes do Trem 081. A morte e suas ironias...

— Esses nomes... Todos eles foram sobreviventes de um desastre parecido com o que estamos... – Mia disse em voz alta para Kaleb soubesse, em seguida apontando para a placa.

— Alguém também teve uma visão?

Mia abriu a boca para explicar, mas uma voz gutural surgiu, respondendo em seu lugar:

— Um amigo deles, Bobby Scott Davies. O rapaz viu o trem descarrilar e salvou os amigos. Mas depois, um por um... A morte veio para buscá-los. Soa familiar?

O casal virou-se para ver que dissera aquilo e surpreenderam-se com a figura. Atrás deles estava um homem alto e negro, com uma expressão de poucos amigos em seu rosto.

— William Bludworth? – Mia arriscou.

— Primeiro e único. – Bludworth respondeu, sorrindo e amizando sua expressão facial. Continuou: — Eu sei porque vocês estão aqui. Acompanhem-me.

Os dois obedeceram sem titubear, seguindo Bludworth até sua casa. Ela era pequena e modesta, mas extremamente arrumada. O homem lhes indicou um lugar em seu sofá marrom, seguindo até a cozinha e voltando com uma garrafa de café. Mia recusou, agradecendo, mas Kaleb aceitou. Enquanto o rapaz servia-se da bebida, Bludworth disse:

— Vocês querem saber como deter a morte, não é?

— Exatamente. — Mia confirmou no mesmo instante. — Eu estou desesperada!

— E quantos já morreram?

— Após o acidente, dois. Uma delas escapou e...

Aquela resposta surpreendeu Bludworth.

— Escapou? Como assim? Alguém interveio em seu acidente?

— Não, ela se salvou sozinha.

Bludworth ficou alguns segundos em silêncio, refletindo sobre aquilo. Isso é... Novo.

— Permitam-me explicar minha teoria...

Quem dissera aquilo não fora Kaleb, nem Mia e nem Bludworth.

— Melissa?

Encostada no batente da porta aberta estava a garota loira, com um sorriso tímido e incerto. A surpresa nos olhos de Bludworth era visível. Ele parecia grato pela aparição repentina.

— Perdoem meus modos... Chegar assim, me intrometendo na conversa de vocês... Deixe eu me apresentar: eu sou Melissa Scott Davies, irmã de Bobby.

Mia tapou a boca, surpresa. Kaleb arregalou os olhos.

— Eu estou de passagem pela cidade e vim visitar o Bill. Vi vocês entrando aqui e não pude deixar de escutar o que vocês diziam... Sei o que está passando com você, Mia. Tantas dúvidas, angústias... A visão só trouxe desgraças para o Bimbo...

A jornalista abaixou a cabeça, abatida. Kaleb percebeu aquilo e decidiu rapidamente mudar o foco do assunto:

— Você sabe de algo que possa nos ajudar, Melissa?

Melissa aproximou-se deles e sentou-se no sofá em frente, ao lado de Bludworth. Disse:

— Existe um método sim, afinal meu irmão salvou quatro vidas com ele...

— Salvou vidas? — Mia perguntou, levemente empolgada. Existiram sobreviventes da lista do Trem 081?!

Melissa sorriu fracamente com a reação de Mia.

— Claro, existem sim. A Lily, a Alice, o Matt e a Beth, amigos meus e do Bimbo. Essa última, aliás, é uma menininha linda...

— Como, Melissa? Diga-me! – Mia disse em seguida, sem nem mesmo prestar atenção nos nomes que a outra garota citara.

Melissa abaixou os olhos, aparentemente triste por ter dado esperanças à jornalista.

— Você não vai gostar de saber...

— Isso quem decide sou eu. – Mia respondeu de maneira ríspida.

A outra garota então começou:

— Vocês precisam forçar a morte a inverter a ordem da lista. Em suma... Alguém precisa morrer fora de sua ordem. No caso de Bobby, ele era o último da lista e se suicidou quando a morte esperava levar outra pessoa.

Mia tapou a boca, chocada. Não soube o que dizer. O tal Bobby, no fim das contas, era uma espécie de herói shakesperiano. E ela descobrira agora que, além de continuar com um problemão nas mãos, se sentiria culpada por não ter a mesma coragem do tal garoto. Friamente pensou que a única pessoa que valia sua própria vida, já estava morta. Cub. Ela não teria coragem de sacrificar-se por Tony ou Theo, mesmo que isso significasse salvar a vida de Kaleb e Damien.

Kaleb interrompeu os pensamentos de Mia, perguntando:

— Quando você entrou, você disse que tinha uma teoria sobre a garota que se salvou sozinha. O que você acha que vai acontecer com ela?

— Bom... – Melissa começou, incerta do que iria dizer. Tudo isso é apenas um palpite. Um forte e coerente palpite. — A experiência do meu irmão com a lista provou que quando você interfere na morte de uma pessoa, ela é pulada. Ou seja, vai pro fim da lista, mas não está salva. Mas quando alguém se salva sozinho, como foi o caso de sua amiga, eu tenho quase certeza de que...

— Ela recupera sua vida de vez. – Bludworth completou a frase da garota. — Só uma nova vida pode combater a morte. Uma criança concebida após o acidente, uma quase-morte... Ambos são a mais pura e clara noção de vida!

Mia ainda estava atônita com a quantidade de informações contidas naquela curta conversa. Em poucos minutos seu mundo, que ela julgava já estar confuso o suficiente, fora virado de ponta cabeça.

— O que você nos aconselha a fazer, então? — Kaleb insistiu, com um tom de irritação em sua voz. — Esperarmos a morte chegar e tentarmos vencê-la um a um?

Bludworth manteve-se com uma expressão plácida, não se afetando. Arriscou:

— Existe um outro método...

— Mais um?! — O indiano replicou.

— Sim, mais um. — O outro homem garantiu. — Se você tomar a vida de outra pessoa, então você a coloca no seu lugar na lista da morte, ficando você com a vaga dela em vida. Isso significa dizer que você adquire para si todos os anos que aquela pessoa ainda tinha para viver.

— Assassinato...? – Mia disse de maneira trêmula, após ter ficado um longo período de tempo em silêncio.

— Eu não faço as regras, minha princesa. — Bludworth respondeu calmamente. — Antigamente costumava apenas limpar quando ela já tinha feito o seu trabalho, mas hoje em dia... Bom, digamos que eu me aposentei.

Nenhum dos três entendeu exatamente o sentido daquelas palavras, mas eles também não questionaram. Um silêncio mortal pairou sobre o local, resultado de uma tensão que era palpável. Foi Mia quem o quebrou:

— Eu estou tendo uma sensação ruim...

— De novo? O que você está sentindo? — Kaleb perguntou, mostrando-se preocupado.

— Não sei, eu estou com um nó na garganta e a minha barriga arde... É parecido com o que senti quando... – E então Mia fez a conexão. Ela sentira uma sensação estranha na barriga logo antes de Cicciliona morrer em uma lipoaspiração na barriga. — Liam!

Melissa e Bludworth a observavam com uma curiosidade preocupada. Mia retirou o celular do bolso com fúria, digitando o número do amigo com rapidez.

— Atende, atende...

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Maria chegou à sala com duas canecas em mãos, uma branca e uma vermelha. Disse:

— Fiz chá verde, tudo bem?

— É o meu favorito. – Liam respondeu, sorrindo.

Naquele mesmo instante, seu celular vibrou novamente. Ele estava no sofá ao lado de Maria dessa vez. A garota então propositalmente sentou em cima dele, tornando seu pequeno ruído inaudível. Um silêncio pairava sobre o ar.

— Ah, o chá.

Liam pegou a caneca vermelha e Maria ficou branca. Não foi assim que eu planejei, seu imbecil, a latina pensou.

— Liam, se você não se importa... Essa é minha caneca da sorte. Foi presente da minha mãe quando eu vim para os Estados Unidos.

O rapaz entendeu a situação, sorrindo de leve, e pegou a outra caneca. Ele tomou o chá aos poucos, ingerindo-o em pequenos goles.

— Você colocou adoçante nisso daqui, Maria? O gosto está diferente...

Maria concordou com um aceno de cabeça, também tomando seu chá.

O asiático então começou a suar frio, abrindo o colarinho da camisa.

— Maria... — Ele murmurou, sentindo-se fraco. — Eu não estou muito bem... Liga pra...

E não conseguiu dizer mais nada. Desmaiou. A garota ficou os dois minutos seguintes congelada, como uma estátua de sal. Ela havia feito. Havia matado uma pessoa. Maria correu instintivamente para o espelho e olhou minuciosamente para seu rosto.

— Não! — Berrou.

Nada mudara. Ela ainda tinha as mesmas cicatrizes nos mesmos lugares.

— Eu matei esse desgraçado por nada? É isso?!

Um vento forte abriu a janela da sala da garota com um barulho alto, e ela correu até a sala para verificar os batimentos cardíacos de Liam. Encostou os dedos no pescoço dele e ficou ouvindo. Não havia nada. Liam realmente estava morto.

O que eu faço agora?, a garota se perguntou. Ela não havia pensado na desculpa que daria ou na história que usaria para contar como presenciara a morte de Liam. No mesmo instante, Maria pensou em contatar alguns amigos colombianos para que dessem fim ao corpo, mas logo descartou a ideia. Seu rosto seria um empecilho tremendo. A ideia mais viável seria ligar para uma ambulância e, quando precisasse dar explicações, dizer que Liam acabou tomando a caneca que era destinada a ela. É, é isso. Decidiu-se. Suando frio e tremendo bastante, a garota telefonou para a emergência. Quando ficou sabendo que eles estavam a caminho, seguiu até o espelho e começou a forçar o choro. Aquela era uma tarefa fácil, já que seu rosto deformado lhe dava motivos mais do que suficientes.

x-x-x-x-x

Em minutos a ambulância já seguia em direção ao hospital, tentando reviver Liam. Todas as tentativas foram em vão. Não houve resultados. Maria seguiu dentro do veículo com o rapaz, interpretando desespero e aflição. A capacidade de simular falsas emoções da garota era assustadoramente impecável. Ninguém poderia dizer, naquele momento, que ela não estava sofrendo com a morte do amigo.

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O corpo de Liam foi levado com rapidez até o médico legista que estava de plantão. Não havia motivo para demoras. Maria dissera que conversara com a família dele e que eles gostariam de organizar o funeral o mais rápido possível. Os Hayata compareciam em breve ao hospital, para formalizar o atestado de óbito.

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O médico legista passou diversos produtos químicos no corpo do rapaz, deixando-o mais simples de se trabalhar. Ele era um cadáver considerado pelos profissionais daquela área como sendo “fácil”, já que não estava mutilado ou morto há muito tempo.

Foi quando Liam acordou na mesa de autopsia. Ele não conseguia mexer-se, apenas observava tudo ao seu redor. Estava completamente confuso. Um barulho de metais se tocando foi ouvido, e o rapaz conseguiu ver um homem aproximar-se com dois bisturis em mãos. Liam tentou gritar, mas a voz não saía. Ele não se mexia nem um centímetro. Era como se sua alma estivesse presa no corpo inerte, morto. Por segundos achou que já estivesse morto e aquilo fosse o “depois”, o que havia depois da morte. Mas então sentiu a dor lancinante do bisturi abrindo sua barriga e teve a certeza de que estava vivo.

Num segundo ele entendeu tudo. Aquela era a sua autópsia. Liam sentiu o médico abrir e cortar várias camadas de músculos e tecidos do seu corpo. O homem trabalhava lentamente, tornando os últimos minutos de Liam os mais torturantes possíveis. O oriental desejou já estar morto quando o homem seguiu com a pequena faca até perto do seu peito.

A última coisa que ele lembrava era de estar tomando chá com sua amiga e depois de estar na maca, sendo aberto vivo. Havia imaginado sua morte de várias maneiras possíveis, mas jamais de um jeito tão cruel.

— E... Eu...

Quando conseguiu murmurar as primeiras palavras, já era tarde demais. O médico legista colocou a mão dentro do corpo do rapaz e retirou seu fígado, silenciando-o para sempre.

Um último e logo suspirou foi ouvido. A lágrima presa nos olhos escorreu com lentidão e molhou o lençol da maca.

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— Eu sinto muito pela sua perda, Maria...

Gretel chegou ao hospital o mais rápido que pôde, ao saber da notícia do falecimento do rapaz. Maria se desdobrava em falsas lágrimas de tristeza.

— Ele era meu amigo... — Ela murmurou, olhando de maneira vaga para o corredor do hospital.

A dama de ferro abraçou-a, acanhada em encostar seu rosto. Não era nojo ou medo, mas cuidado. E se ainda doesse?

— Eu não consigo acreditar na quantidade de atrocidades que aconteceram em tão pouco tempo. Primeiro houve aquele acidente durante o desfile, depois o seu acidente, que, graças a Deus, não foi fatal. Depois foi o... – E a voz de Gretel se tornou trêmula. Segurou o choro. — Cub... Seguido da Cicciliona e agora desse pobre rapaz Liam... Ele era tão novo...

Maria sentiu um calafrio e um medo de contar algo indevido. A comoção de Gretel era poderosa. A latina pediu licença e saiu, deixando a dama de ferro sozinha na recepção do hospital.

Tony chegou em seguida, com o terno desalinhado e uma expressão de cansaço em seu rosto. Disse:

— Já me encarreguei dos gastos do funeral do rapaz e avisei aos parentes mais próximos. Pelo jeito alguns deles vão vir do Japão...

Gretel surpreendeu-se com a atitude do marido. Pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu que poderia voltar a amar aquele duro homem.

— Você fez isso mesmo, meu querido?

Era a primeira vez em anos que ele ouvia a mulher chamá-lo daquela forma. Sua voz embargou-se ao tentar dizer:

— Sim. Eu percebi como fui grosseiro com Damien e Cicciliona, então quis compensar minha atitude de alguma forma. Além disso, o Liam foi um dos melhores funcionários que já tive no ateliê. Ele merece ter um funeral digno.

A dama de ferro tinha lágrimas nos olhos. Esticou o braço abraçou o marido, murmurando em seu ouvido:

— Obrigada...

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Maria abriu a porta da cabine do banheiro do hospital e agachou-se em frente ao vaso sanitário. A sensação de mal estar tomava conta dela, parecendo incapaz de dispersar. Vomitou. Durante alguns segundos chegou a pensar que iria vomitar todos os órgãos, tamanha era a sensação de enjoo.

A latina terminou de colocar tudo para fora e foi lavar o rosto. Foi quando viu seu reflexo no espelho. Instintivamente soltou um gritinho abafado, chocada.

— Meu... Deus.

Era o seu nariz. Ele estava perfeito. Não havia mais marca alguma, nenhum vergão, mancha ou enrugamento. Aquele era o seu nariz original, o de antes do acidente. O acordo estava, enfim, estabelecido.

— Até que você não é trapaceira... – Maria disse baixo, esperando que a própria morte a ouvisse. — Então vale a pena. Se esse é o jogo que você quer jogar, então eu estou dentro.

E caiu de joelhos no banheiro, chorando.

Aquelas eram lágrimas de alegria.

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— O Liam está morto. – Mia disse para Kaleb assim que desligou o celular.

— Você tem certeza disso?

A jornalista meneou a cabeça positivamente, com uma expressão de pesar em seu rosto.

— O Damien acabou de me ligar avisando sobre a morte dele, a mando da Gretel. Nós precisamos voltar para a cidade até o fim do dia de amanhã, para o funeral. Eu quero me despedir do Liam.

Kaleb colocou a mão no rosto, perplexo.

— Nós ficamos fora por apenas um dia completo e duas pessoas morrem nesse período de tempo. É inacreditável.

Mia pensou durante alguns segundos e concluiu que a situação era ainda pior do que eles haviam inicialmente imaginado.

— Ela está vindo com pressa.


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Notas finais do capítulo

Vou postar o sétimo logo em seguida, enjoy! E espero que tenham gostado das participações especiais, haha...



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