O cemitério era algo agora comum em minha vida. Como se fosse uma casa de um tio querido, que todo o final de semana você vai lá visitá-lo. Mas não era um tio que eu gostava de visitar. E sim ela. Lívia. Apesar de tudo que foi dito á mim, eu não sentia raiva, rancor ou ódio. Ela me deu um presente que ninguém nunca poderia me dar. Um motivo para continuar vivo e lutar. O motivo, minha filha, Sara.

Eu me lembro como se fosse ontem que tudo estava bem. Ela estava saúdavel depois da cirúrgia. Os médicos tinham esperanças que ela pudesse sair sem nenhuma sequelas. Porém o destino decidiu brincar com a minha vida. 

Uma semana havia se passado depois da cirurgia, e então Lívia começou a piorar de repente. Foi então que o doutor Geisel me disse que o tumor era boa parte do seu cerebro e com a retirada afetou alguns nervos. Coisa que não estava prevista. Aquilo foi um balde de água fria em mim. Ela já sabia de tudo que estava acontecendo que teria apenas mais alguns dias ou semanas, dependendo de como o cérebro iria reagir com o dano.

 - Gustav - ela tossiu um pouco - Preciso de contar minha verdadeira história antes de morrer

- Não você agora precisa descançar - Eu falei afagando seus cabelos.

- Por favor - Ela me olhou com suplica.

- Tudo bem - Eu aceitei.

- Bom minha vida mudou quando eu tinha doze anos de idade, quando minha irmã mais velha havia conseguido o trabalho dos sonhos - Quer dizer dos meus sonhos - Trabalhar com a banda que eu mais amava. Tokio Hotel. Ela conseguiu um estágio para a turnê. Todos em casa ficaram felizes. Eu me lembro de pedi-lá para ir junto, mas meus pais não deixaram. Apenas uma pessoa não tinha gostado muito. Black, ele estava terminando a faculdade e queria viajar com ela, mas a turnê era bem nesse meio tempo. Mas nada foi abalado, e ela foi. Mas nunca mais voltou - Ela começou a chorar.

- Lívia o que você está falando? - Meu cérebro havia dado um looping e não estava mais no seu estado normal.

- Birgit era minha irmã. Será que você não entendeu? Eu menti esse tempo todo para você! - Ela falava entre soluços.

- Por favor continue - Agora me tom de voz estava mais sério.

- Ok. Quando soubemos da noticia do acidente, minha mãe entrou em choque meu pai então, não aceitava. Eu chorei durante uma semana inteira, não queria acreditar que minha irmã havia morrido tentando realizar um sonho que era meu, não dela. Sentia culpa, meus pais sabiam disso mais não davam a minima. Birgit era o orgulho da familia, enquanto eu, apenas a que nasceu por acidente e ainda por cima doente. O único que me entendia era o Black. Ele a amava, mas nunca colocou a culpa em mim. Porém, coitado, ele não conseguia viver mais sua vida. Largou a faculdade que tanto era o seu orgulho pessoal, e começou aquela vida miséravel, como cafetão. Eu não aguentava mais viver em minha casa, meus pais estavam loucos. Fugi e fui viver com o Black, na sua nova vida, como prostituta. Claro que no começo ele não me deixou fazer parte de seus negocios. Me lembro da noite em que o Black recebeu um telefonema da policia. Eles diziam que minha casa havia pegado fogo e meus pais havia morrido. Eu não chorei, não senti culpa. Senti pena apenas.

- Como você pôde mentir para mim? Depois de tudo que fiz por você! Depois de todo esse tempo? - Eu não estava mais ligando se ela estava na beira da morte, minha raiva era maior.

Elas eram irmãs. Eu amei duas irmãs! Birgit estava trabalhando conosco não por querer e sim para realizar o sonho da irmã de nos conhecer. Mas com isso ganhou a morte.

- Eu amo você por isso não quis contar. E-e-e-u sei que você apenas quis me conhecer por ser parecida com ela. Mas quando eu vi você, eu me apaixonei no mesmo instante. - Ela não conseguia segurar as lágrimas.

- Por que? Me diz! - Eu olhava para ela com raiva.

- Bem que Black havia me alertado. Mas eu inves de ouvi-ló eu matei. A sim eu matei ele. O único que me aceitou como eu sou, o que me deu uma vida e cuidou de mim como uma irmã. No fim matei ele apenas por não aceitar a verdade na minha frente. - Ela retrucou sem um pingo de ressentimento.

- Foi você naquele dia que ocorreu os assassinatos? - Eu não estava mais acreditando.

- Sim! Não me arrependo de ter feito isso. Eu te amo fiz isso por você. Apesar de saber que você sempre me via como minha irmãzinha a doce Birgit. Tão perfeita, ela nunca gostou de você ou de qualquer outro da banda. Estava lá apenas por mim. A pequena Lívia, a doente que poderia morrer a qualquer momento. Bem legal da parte dela não? - Ela disse rindo.

- Eu não estou mais te reconhecendo Lívia - Eu olhou para ela que estava rindo.

- Querido, essa é minha verdadeira face. - Ela começou a tossir pior do que antes. -  Eu virei um monstro durante a minha vida, mas eu não fico triste por mim. Quero apenas eu você me faça um favor, quando eu morrer fiquei alegre. Eu não mereço nenhum tipo de afeto de você. Cuide de nossa filha diga á ela que eu sempre amei e que foi ela que me fez ver que eu deveria pelo menos tentar ser eu mesma. - Ela sorriu e no canto de sua boca começou a sair um pouco de sangue.

- O que é isso na sua boca? - Ela passou a mão em sua boca e sorriu surpresa.

- Melhor você ir ver a Sara - Ela apertou o botão que chama a enfermeira - Minha mãe e Birgit com certeza iriam amar ela e você. - Ela deitou na cama. 

Foi a última coisa que ela me disse antes de morrer. 

Depois de seis anos eu finalmente consegui aceitar tudo e retomar minha vida. Agora sou produtor e estou ajudando em uma jovem banda. Os garotos me lembram muito eu na minha época. Tudo era perfeito, foi perfeito, até o tempo que deveria ser. Sara, era a minha verdadeira alegria. Todos dizem que se parece muito comigo, mas seus olhos são os mesmo das duas irmãs.  

Sorri ao me lembrar das duas. Agora eu entendi que na verdade eu não amei nenhuma das duas. O que eu sentia era algo diferente de amar, era algo mais próximo de proteção ou amizade. Porém todos se enganam na vida. Talvez eu não tenha nascido para amar uma mulher, e sim ajudá-la.

- Papai vamos, o senhor prometeu que iria me levar para o ensaio dos meninos - Sara puxava pela minha calça. Seus cabelos loiros estavam agora soltos - Ela não gostava de prendê-los - E seus olhos verdes era algo que eu nunca resistia.

- Já falou com a mamãe e com a titia? - Ela acenou a cabeça positivo.

- Só falta falar os tios! - Ela olhou para onde eu olhava - Tio Bill sabia que agora eu sei cantar duas músicas suas inteira? Papai falou que eu poderei cantar um dia que nem você, mas sem a maquiagem! E tio Ge vou deixar meu cabelo crescer mais e tio Tom eu queria que você me ensinasse a tocar guitarra. - Ela falava com os olhos marejados.

- Não precisa chorar meu amor. - Eu me abaixei para ficar na sua altura

- Eu queria ter conhecido todos eles papai. Eu sempre tenho que vir a um cemitério para vê-los - Sua voz fininha estava abafada por segura o choro.

- Eles não iriam querer que chorasse. Todos eles amam você, pode ter certeza. Agora vamos nos despedir. Como você disse temos um ensaio para ver - Falei tentando animá-la o que foi algo bem sucedido.

- Tudo bem - Ela passou a sua pequenina mão nos olhos o secando - Mamãe eu volto para trazer o papai já que ele tem medo de vim aqui sozinho. Titia eu vou trazer flores rosas dessa vez. Tio Bill vou pegar mais balinhas de goma. Tio Ge eu vou aprender a piada do pontinho branco. Tio Tom... Bom o papai falou que vai trazer um presente para você. Agora podemos ir - Ela olhou sorridente.

- Vamos sim querida. - Olhei para aquelas lapides das pessoas que foram importantes para mim e sorri.

Passei boa parte da minha vida achando que tudo estava perdido, mas verdade, tudo aquilo que aconteceu serviu como exemplo. Todos que passaram pela minha vida me ensinaram alguma coisa, por isso agradeço. Agora eu realmente posso seguir minha vida ao lado de quem eu realmente amo. Minha filha.