Quando coloquei os pés para fora da casa senti um arrepio. Não pelo frio que fazia esta noite. Era um arrepio que eu já conhecia bem, um calafrio que percorreu meu corpo por inteiro, aquela sensação de que aquilo já havia acontecido, como se algo ruim estivesse prestes a acontecer novamente, como em um ciclo.

Eu parei de costas para a porta, olhando os jardins em frente a casa, o belo portão de grades negras, a escuridão da noite. Fechei os olhos e tentei me concentrar.

Eu tenho que me lembrar qual será a situação, talvez assim eu possa evitá-la, mas eu só me recordava quando estava prestes a acontecer, sempre foi assim; Tenho esse calafrio, e apenas algumas coisas me vêem a mente e quando acontece é como se tudo se encaixasse, e só vai piorando.

Então, como um fantasma, eu vi a imagem de minha irmã passar correndo pelos portões e sumir assim que o ultrapassou.

-Bel... Adrian me chamou no mesmo instante em que vi o vulto de minha irmã, e ele me chamou como ela sempre me chamava... “Bel”.

-A Meu Deus, Lara... Meus olhos se encheram de lágrimas, me virei de frente para Adrian

-Quem é Lara, Annabel?

-Minha irmã. Preciso ver ela.

-Mas estamos indo para a festa Bel.  Ele repetiu o modo como minha irmã me chamava

A imagem de meu padrasto de mãos erguidas, fechadas como se fosse dar um soco em alguém, agora ‘bateu’ direto em minha mente.

Esses fleches de imagens sempre me assustaram, mas nunca como agora.

Meu telefona então tocou. Eu não conhecia o número.

-Não vai atender o celular Annabel? Adrian perguntou me olhando

Não o respondi, apenas atendi.

-Alô.

-Bel...? Era a voz de Lara

-Lara, meu amor, você está bem?

-Tô Bel, mas o papai e a mamãe saíram atrás de você... Mamãe disse que você passou dos li...lites... Como fala Bel?

-Dos limites Lara? É isso?

-Ahã, e papai disse que você é uma menina má e que tem de sofrer as consequêncicias.

-Consequências, meu amor... Eles te deixaram ai sozinha?

-Eu estava dormindo, mas ouvi eles conversando. Eu sei que é feio, mas papai vai te bater e eu não quero isso. Lara já estava chorando descontroladamente no telefone.

-Não chora meu amor. Não vai acontecer nada comigo, eu vou ai te buscar, fica calma. Ta bem?

-Tá...

-Vai pro seu quarto, fica lá quietinha, qualquer coisa me liga. Vou chegar ai o mais rápido possível.

-Tá bom.

-Tchau meu amor.

-Tchau Bel.

Alguma coisa irritou minha mãe e meu padrasto profundamente, não sei o que foi, mas se eles deixaram Lara lá sozinha é porque eles não devem estar de brincadeira.

-Pode me explicar o que está acontecendo Annabel? Adrian perguntou me olhando nos olhos

-Eu preciso pegar minha irmã. Minha mãe e meu padrasto deixaram ela sozinha em casa, e estão vindo atrás de mim, algo de ruim está prestes a acontecer. Preciso da sua ajuda, por favor.

-Como você sabe que algo de ruim vai acontecer?

-Olha, você pode não acreditar, mas eu tenho pressentimentos, um sexto sentido muito forte.

Ele me olhava sério. Parecia acreditar em mim.

-Todos nós temos algo de incomum. Vamos pegar sua irmã. Ele disse já entrando no carro, e ligando-o.

Entrei em seguida e fomos rápido até a casa de meus pais.

A porta estava trancada, com certeza eles levaram as chaves. Adrian deu um forte chute na porta, escancarando-a na parede.

Lara veio correndo e pulou em meu colo.

-Você veio me buscar!

-Claro meu amor, nunca vou te deixar sozinha.

Adrian estava parado, atrás de mim, encostado na parede, olhando-nos em silêncio.

Lara desceu de meu colo, puxou Adrian pelas mãos, para mais perto da luz que vinha da janela, a luz da lua.

-Oi moço bonito! Ela disse sorrindo.

Adrian sorria. Agora eu podia reparar a maquiagem em seus olhos. Parecia usar lápis preto esfumaçado, ressaltando ainda mais seus olhos azuis e combinando com seus trajes pretos.

-Lara, esse é o A... Antes que eu pudesse terminar ela me interrompeu.

-Adrian, seu namorado, não é Bel? Ela sorriu olhando ele.

-Mas como você sabia Lara? Nunca lhe contei.

-Eu sou boa em adivinhas. Ela disse sorrindo, quase que ‘vitoriosa’, infantilmente, claro.

Então se ela é ‘boa com adivinhas’, Lara também possui instinto diferente, assim como eu.

Acho que ela é mais minha filha do que irmã. Ela é minha bonequinha.

-Temos que voltar, Lara, Adrian. Disse o olhado.

-Claro, vamos. Ele sorriu sutilmente, pareceu gostar de minha irmã.