Wanted - Dead Or Alive escrita por Bellah102, CaahOShea


Capítulo 2
Capítulo 2 - Revendo Ryden




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/166367/chapter/2

         

           POV PEG:


       Acordei com um vento frio que soprava, balançando as cortinas. Bocejei baixinho, sonolenta. Ian dormia esparramado no colchão, com os braços envoltos na minha cintura. Todos também estavam dormindo. Desgrudei-me dos braços de Ian um a um, para ir até a pequena cozinha do trailer, tomar um copo d’agua. Fui verificar se estava tudo bem com Jamie... Ver se ele não estava com frio... Mas foi ai que eu tive uma grande surpresa... Jamie não estava lá!

            POV Jamie:


           Tinha valido a pena. Aquela tinha sido um dos melhores dias da minha vida de adolescente Eu estava exultante! O lindo sorriso de Ryden não saia da minha mente... Afinal de contas, o que é que está acontecendo comigo?  Nunca tinha me sentido assim...                                                                                   

  Quando voltei para o trailer, o relógio marcava quase meia noite. Entrei cuidadosamente, procurando não fazer nenhum barulhinho se quer. Eu estaria realmente muito encrencado se alguém percebesse que eu estivera fora. Pra minha sorte, tudo estava silencioso escuro. Todos deveriam estar dormindo. Ufá!         

Entrei no quarto minúsculo e improvisado do trailer, pisando no chão devagarzinho. Jared e Mel dormiam profundamente no colchão que dividiam. Sunny dormia encolhida contra o peito de Kyle. E Ian estava todo esparramado no colchão que dividia com... Peg? Onde estava Peg?                                                   

- Jamie Stryder! – Ouvi a voz tilintada de Peg me chamar. Oh oh, eu estava encrencado!                           

- Peg! – Murmurei espantado.                                                          

-Jamie, graças de Deus! Aonde é que você se meteu?... Você... Oh Céus... Você... Não foi... Capturado... Foi?                                                                            

   - Não Peg... Eu estou bem... Eu só... Fui dar uma volta. – Falei emburrado enquanto Peg verificava meus olhos, e me puxava para fora do quarto.                

    - Uma volta? Há essa hora Jamie! Sabe o susto que você me deu quando vi que você não estava no trailer?! – Peg disse em tom de reprimenda.                        

- Hey, o que é que está acontecendo aqui? – A voz de Mel disse sonolenta surgindo da escuridão. A voz de Peg havia acordado ela.                                

      - Esse “mocinho” aqui resolveu dar uma volta, há essa hora! – Peg explicou e os olhos castanho- esverdeados de Mel triplicaram de tamanho.              

  - Peg... – Resmunguei. Agora eu estava REALMENTE encrencado!            

- Jamie, eu não acredito que você fez isso! – Mel disse. Pelo seu semblante, percebi que ela estava furiosa e decepcionada, assim como Peg.                            

       - Você está de castigo mocinho! – Mel disse em tom de reprimenda, olhando pra mim severamente.                                                                       

- Ah Mel...                                                                                                  

  - E não vai mais vir com agente nas próximas pilhagens! – Ela concluiu – Jamie, sabe o risco que você correu andando por ai? Você podia ter sido capturado.

- Mel... – Peg disse, interrompendo Mel delicadamente enquanto ela me dava o mais sermão – Eu... Gostaria de conversar com Jamie... A sós... Você se importaria?

- Tudo bem... – Mel disse, me analisando. Poxa, eu só queria me divertir um pouco, ser uma adolescente normal por pelo menos uma noite! Será que isso era demais...

- Jamie, querido... Por que fez isso? – Peg perguntou devagar, mas calma, enquanto nos sentávamos no banquinho da cozinha.                               

    - Ah... Peg... Eu só... Queria ser uma adolescente normal... Pelo menos por uma noite... – Disse tristemente.- Sabe? Sair, sem se preocupar com nada.

-Jamie – Peg me abraçou forte – Eu entendo, mas eu tive tanto medo. Tive tanto medo de perder você. Medo que pegassem você. Sabe que é perigoso lá fora.

   - Eu sei... Mas... Eu não estava sozinho... – Falei sentindo um sorriso brotar de meus lábios. Eu estava encrencado, mas estava muito feliz.  Então, decidi contar sobre Ryden para Peg. Talvez isso aliviasse um pouco a minha pena.

- Então... Você saiu para se encontrar com... Uma garota? – Peg disse estupefata – Eu não acredito!                                                                            

    - Eu sei que pode parecer loucura, mas Peg, ela é muito legal! Você iria gostar de conhecê-la. Ela não é como as outras almas... Ela é... Especial...       

- Ai Jamie, o que é que eu faço com você hein garoto? – Peg disse, tentando fazer cara de brava, enquanto apertava minhas bochechas, que acabariam flácidas daquele jeito.

- Então... Estou liberado do castigo? – Perguntei fazendo carinha de pidão.   

- Não... Sinto muito Jamie... Foi a Mel que te deixou de castigo... Então... Não posso fazer nada querido.

                   POV RYDEN:


Algo devia estar errado. E MUITO errado. Afinal o que eu, uma aprendiz de Buscadora, em sã consciência, estava fazendo escondida entre os arbustos perto de um trailer? Ah, sem mencionar o fato que eu segui Jamie a noite passada, depois do nosso encontro no parque, e assim descobri que ele morava em um... Trailer?Estranho!                                                                                           

Mas tenho que admitir que eu estava confusa. Aquele garoto despertara em mim sentimentos que eu nunca havia sentido, mesmo com todo aquele turbilhão de sentimentos humanos que eu aprendera a lidar desde pequena. Era tão estranho admitir, mas aquele garoto peculiar, que eu conhecera a pouco mais de 24 horas despertava algo novo em mim... Bom, talvez fosse a minha curiosidade insaciável... Ou não...                                                                                                          

          - Ai droga! – Resmunguei baixinho quando bati com o pé contra uma pedra. Ugh, eu estava cometendo uma loucura terrível. Na verdade, minha primeira loucura de adolescente.Espreitei cuidadosamente o trailer... Ele parecia vazio... Talvez todos estivessem dormindo, certo?Eu estava prestes a ir embora, quando vi o vulto de um rosto na pequena janela do trailer. Era Jamie! 

  POV Jamie:


  - Ótimo! – Resmunguei baixinho. Olhei distraidamente para o teto metálico do trailer. Afinal, ficar de castigo não é lá uma coisa divertida de se fazer... Me levantei e fui até a janela, para observar se Peg estava voltando das compras, ela tinha ido havia mais de uma hora e meu estomago estava roncando. Ela prometera um pacote enorme de Cheetos de Queijo! Hummmm! Foi ai que eu ouvi um barulho estranho na janela... Pareciam... Pedrinhas... Alguém estava jogando pedrinhas na Janela... E esse alguém era... Ryden!            

- Ryden? – Chamei-a, depois de sair escondido pela janela. Ela virou o rosto para mim e deu um lindo sorriso.                                                                          

- Oi Jamie.                                                                                                               - Como... Você... Descobriu?                                                                                                            

- Eu... Te segui ontem a noite... Desculpe. Mania de Buscadora – Ela disse envergonhada.

- Tudo bem, mas o que faz aqui tão cedo?                                                     - Eu vim me desculpar... Sabe... Por sempre sair apressada nos nossos encontros.

- Tudo bem... Não quero que se encrenque por minha causa.          

- Jamie... Eu quero te mostrar um lugar... Você vem?       

              [...]


 - Ryden... É lindo! – Falei boquiaberto. Aquele lugar era realmente lindo. Um pedaço do paraíso, eu diria. Tinha uma linda cachoeira e muitas, muitas árvores.

        - É lindo mesmo! – Ryden disse, fechando os olhos pra sentir a leve brisa– Venho aqui desde criança. É meio que meu refugio sabe.                                                                                                                                                                Então, Ryden e eu ficamos a tarde inteira naquele lugar maravilhoso. Tomamos banho de rio, rolamos na grama, conversamos... Finalmente naquela tarde ela não saíra correndo, como de costume... Pela primeira vez, eu estava sendo uma adolescente de verdade.

- Ryden, o que foi? – Perguntei atônito quando ela se levantou de repente, limpando as calças jeans.

-Eu tenho que ir... Está ficando tarde... Desculpe...

- Ela disse e saiu correndo.

-Espera... Nós... Vamos nos ver de novo? – Gritei enquanto ela corria. Ela parou de correr e voltou o rosto pra mim.                                                            

  - Eu não sei Jamie... Eu não sei... – Ela disse ofegante e foi embora... Deixando-me sozinho... Outra vez...                                                                                                                                   

  POV. Jamie

            Era isso. Logo a madrugada viraria dia aberto e estaríamos a caminho de casa, dirigindo para longe dos inimigos, e para longe de Ryden. Ah, Ryden... Bonita, interessante, engraçada, inteligente e misteriosa. Sua cautela excessiva em relação a mim parecia somente um jeito de mostrar que estava com medo do que estava sentindo e acima de tudo que estava sentindo. Deixá-la para trás parecia cruel e desalmado. Eu queria conhecê-la melhor, mas não podia, sabia que não podia. Porque as Almas tinham que invadir o meu planeta? Porque logo o MEU? Porque ao algo próximo como Marte ou qualquer outros? Ah, Ryden não estaria aqui, nem Peg ou Sunny. Mas evitaria muito desgaste emocional.

            A porta do trailer estava trancada. Mel costumava deixar aberta para que os garotos fossem fazer suas necessidades lá fora ao invés de deixar toda aquela casa ambulante cheirando a banheiro de posto. Mas desde a minha travessura na noite passada, que tudo fedesse, mas o “Perigoso Jamie” tinha que ser detido antes que fizesse alguma besteira. Claro que eu havia passado a tarde fora, mas eles nem notaram, achando que eu respeitaria o castigo com Ryden lá fora. Claro que não, claro que não... Ainda me restavam as janelas para pular novamente, mas o problema seria voltar depois, o trailer balançaria e acordaria todo mundo.

            Mas quer saber? Eu não me importava. Queria ver Ryden de novo, fazer aquilo do jeito certo e lhe dizer adeus como um verdadeiro homem faria. Arrumei meu dublê de travesseiros e fui até a cozinha abrindo a janela e subindo na apertada mesa, com um ataque de rebeldia enchendo minhas veias. Felizmente antes de pular, me lembrei que ainda estava vestindo pijamas.

            Depois de trocar a samba-canção de bolinhas vermelhas e a regata branca por uma camiseta estampada e uma calça jeans, pulei a janela e caminhei pelo camping na escuridão das 5 horas da manhã. Logo o sol surgiria e meus olhos não refletiriam o prateado como faria com os habitantes de Tucson. Eu precisava me apressar e achar a Delegacia dos Buscadores logo. Quando cheguei à cidade passeei pelas ruas dormentes, procurando a Delegacia dos Buscadores. Um Mc Donald’s® estava aberto e me senti tentado a entrar e pedir um café e um Egg-muffin, mas outro letreiro luminoso chamou a minha atenção.

            Loja de celulares do Bob – Aberta 24 h – Aqui seus celulares jamais farão plob.

            Ah, humanos e seu eterno amor por rimas. A Alma que o havia dominado devia ter achado engraçado e deixado daquele jeito mesmo. Uma ideia se formou na minha mente.

            Realmente, o celular NEXTEL® não fez “plob” e ainda me levou através do GPS para a Delegacia que eu estava procurando. Luzes através da Água, um ex-golfinho muito simpático, e tive quase certeza, Ex-Bob, Me disse que era um modelo projetado exatamente para Buscadores, não tinha muitas utilidades normais, como MP3 ou câmera. Havia o rádio para se comunicar, internet 3G, e nada a mais que o básico. Devia ter um jogo da cobrinha para dias tediosos nas Cavernas também, mas nesse momento não me importava muito. Tudo o que importava agora era Ryden. Encontrar Ryden. Dizer-lhe adeus.

            Espiei as janelas laminadas. Haviam várias mesas ocupadas por homens fortes e grandes como touros, mas um tanto grisalhos. Cada um tinha a sua frente um Mac de telas enormes. O que estava de costas para mim tinha acabado de ganhar um jogo de paciência e o computador o congratulou com os usuais fogos de artifício pelos 7592 jogos em sequência. Quer jogar de novo? Sim, porque não? Não há nenhum humano espiando a minha janela mesmo. O jogo recomeçou e pela expressão dos outros Buscadores eles não estavam fazendo nada de mais interessante que ele. Imaginei porque Ryden, tão cheia de vida queria se juntar a um grupo tão... Sedentário como aquele. Chegava a ser deprimente.

            Mas tinha alguém que não era. Não. Havia uma de pé, encarando um quadro cheio de fotos algumas em preto e branco e outras coloridas. Seus cabelos caramelo haviam desbotado e sido pintadas com apenas algumas mechas de branco no rabo de cavalo preso com força no topo de sua cabeça. As mãos estavam pousadas na cintura fina, ligadas a braços musculosos sob a pele nada flácida. Ela devia ser a Mestra apreciadora de nozes que Ryden mencionara no nosso primeiro encontro. Ela parecia realmente muito irritadiça.

            -Jamie? O que está fazendo aqui?

            Quase pulei quando ouvi a voz de Ryden chamando meu nome atrás de mim. Seus olhos azuis me encaravam sorridentes. Ela carregava uma bandeja de papelão com copos de isopor provavelmente cheios de café, na outra mão ela tinha o Globe Diary. Meu pai costumava ler aquele jornal quando eu era menos, e reclamava dos colunistas com a minha mãe, me entregando para que eu pudesse ler as tirinhas. Imaginei se agora que eram Almas, Ryden gostaria dos colunistas que meu parecia odiar.

            -Ah eu... Vim me despedir. Estamos voltando para... Phoenix.

            -Você já tem que ir? Mas ficou tão pouco...

            Ela disse parecendo decepcionada.

            -Era uma viagem de negócios e minha irmã me deixou vir. Era algo rápido desde o início.

            Respondi dando de ombros. Ela fez que sim com um sorriso frágil, não parecendo conformada.

            -Nesse caso, foi um prazer conhecê-lo. Eu apertaria sua mão, mas...

            Ela mostrou as coisas que trazia nas mãos.

            -Que tal um abraço então?

            Sugeri. Ela balançou a cabeça, revirando os olhos e chegando mais perto para me abraçar. Pude ver que ela não era habituada a abraços pelo jeito desajeitado que colocou os braços a minha volta e achei aquilo muito triste. Era como dizer a um órfão que vai adotá-lo e fugir quando ele virar as costas. Parecia desumano para mim deixá-la para trás. Ela deu um passo atrás.

            -Vou sentir sua falta.

            Ela disse, sem que eu esperasse.

            -Eu também.

            Conclui sem conseguir encarar seus olhos cristalinos.

            Consegui chegar ao trailer antes das 7 horas, do nascer do sol e da chuva de monção que ameaçava estourar acima da cidade. Eu corri com a mão no bolso, aninhando carinhosamente dentro dele o celular com o número de Ryden gravado. Usei um dos bancos de madeira em volta da mesa de piquenique para subir a janela da cozinha que eu havia deixado aberta. Por acaso do destino, ou pura sorte, ninguém havia acordado ainda. Sentei no banco do passageiro, na frente do trailer, estendendo as pernas sobre o painel e abrindo o flip do celular para jogar a cobrinha, comendo as bolinhas, maçãzinhas e cerejinhas, sem tirar abraço de Ryden da cabeça. Fora tão, tão rápido.

            Mas eu não tinha escolha. Eu era o cordeiro e ela o lobo. Não pertencíamos ao mundo um do outro, literalmente. Ouvi alguém descer da cama e caminhar vagarosamente até a cozinha, bocejando. Pausei o jogo, e guardei o celular no bolso. Peg se espreguiçava no meio do pequeno cômodo.

            -Jamie, querido, é você? Já está acordado?

            -Não consegui dormir.

            Menti. Está bem, ela sabia, eu havia contado a ela sobre Ryden, mas para ela tudo acabaria quando fôssemos para casa, onde eu estaria seguro. Não queria preocupá-la com a possibilidade de estar saindo com uma Buscadora, ela já tinha muito o que se preocupar se adaptando ao novo corpo.

            -Não se preocupe. Mel logo te libera do castigo, tenho certeza.

            Ela disse com um sorriso doce. Eu duvidava. Mel sabia ser super-protetora quando queria e eu devia ter enchido ela de preocupação quando saí para ver Ryden. Senti culpa por algum tempo, afinal Mel só queria o meu bem e não era culpa dela o mundo que vivíamos. Aos poucos todos foram acordando e se preparando para a viagem, e antes do meio-dia o trailer deu a ignição em direção ás cavernas.

            Carregamos as compras para o depósito onde Peg um dia havia sido prisioneira, assim como Lacey, e então fomos cada um para um canto. Mel não tirou os olhos de mim enquanto eu rumava para o refeitório. Lá encontramos o tio Jeb supervisionando a lavagem de louça.

            -Ah ai estão vocês! E como foi?

            -Teria sido perfeito se não fosse o seu sobrinho.

            Disse a Mel, cruzando os braços, de mau - humor. Ela ficaria daquele jeito a semana toda, eu percebi. Tio Jeb passou os olhos por ela e por mim, nos analisando, provavelmente procurando o que a incomodava. Ele sentou-se em cima de uma mesa e indicou o lado dele para que nós nos sentássemos um de cada lado. Sentamo-nos e ele olhou para nós dois.

            -E agora iniciamos nossa sessão de terapia de casal. O que aconteceu agora?

            Ele perguntou esperando que disséssemos alguma coisa. Fiz questão de ficar quieto, pois sabia que Mel tinha muito a falar. Quanto mais brava ela ficava, mais ela falava e reclamava sobre a vida, e discursava sobre todos os perigos possíveis em que eu tinha me metido mesmo que eu houvesse apenas derrubado a cueca enquanto levava para fora da Sala de Banhos para pendurá-la. Alguém podia ter tropeçado nela e batendo a cabeça no chão e aberto o crânio. Claro, porque até parece que isso ia acontecer. Porém, ela não se demorou muito.

             -Ele saiu. Duas vezes. Primeiro seguiu a Peg no mercado e depois saiu no meio da noite, só Deus sabe para onde. Eu o deixei de castigo.

            Tio Jeb pensou e fez que sim.

            -Você pode ir. Eu dou um jeito nele.

            Ela fez que sim e saiu da sala. Tio Jeb lançou um olhar para mim e tive medo do que ele queria dizer com “dar um jeito”.

            -Me encontra amanhã na Praça Central.

            Acordei na manhã seguinte com um mau pressentimento sobre Tio Jeb. Ele nunca havia me deixado de castigo e eu duvidava que a ideia dele de castigo era a mesma de Mel, ficar trancado no quarto o dia todo. Tio Jeb pediria algo mais prático, para que eu aprendesse a lição de uma vez por todas. E isso me assustava para caramba. Ah que tipo de homem eu era? Podia encarar uma Buscadora de frente, mas não podia enfrentar meu tio. Ah, Jamie, vê se cresce. Me vesti e saí do quarto em direção ao refeitório para comer alguma coisa antes de encontrar tio Jeb na Praça Central.

            Não havia quase ninguém, e comi rápido indo encontrar tio Jeb. Ele me esperava encostado a parece. Quando me viu fez um sinal para que eu o seguisse e entrou em uma passagem na parede minúscula que eu nunca havia usado. A passagem era pequena e apertada, mas Tio Jeb parecia exatamente para onde estava indo. Ele sempre sabia para onde ir naquelas cavernas. Saímos em um espaço aberto, não muito maior do que a Sala de Jogos, mas não havia a fonte e havia uma clarabóia gigantesca no teto. No canto da sala havia um amontoado de lençóis.

            Cheguei mais perto quando ele se ajoelhou ao lado da massa branca no chão. Ele levantou-se virando para mim, deixando à mostra a coisinha feia em seus braços. Era pequena, do tamanho de um filhote de cachorro, tinha um pequeno bico volteado e penugem preta e branca ao redor do pescoço. Um falcão. Tio Jeb tinha trazido um falcão para o meu castigo.

            -Encontrei esse camaradinha longe do ninho. A mãe podia vê-lo e não veio buscá-lo, o que quer dizer que ele não caiu. Foi empurrado por ser mais fraco que os irmãos.

            Encarei os olhinhos negros e brilhantes do falcão-de-coleira nos braços do meu tio. Ele estava com medo, e como era bonitinho... Acariciei sua cabeçinha e ele roçou o bico volteado nos meus dedos, provavelmente achando que eram minhocas. Ele devia estar morrendo de fome. Havia quanto tempo que sua mãe devia ter jogado ele para fora do ninho? Ele não conseguiria sobreviver sozinho, pobrezinho.

            -O que quer que eu faça?

            Perguntei lembrando-me do castigo que ele prometera a Mel que cuidaria. O que aquela coisinha tinha a ver com isso? Tio Jeb colocou-o em meus braços e a massa cinzenta e branca piou e grasnou assustado comigo, afinal ele não me conhecia, não conhecia o meu toque como parecia conhecer o de tio Jeb. Ele acariciou-o para acalmá-lo e revelou, finalmente, o meu castigo, que não era tão mal quanto eu pensava que poderia ser:

            -Quero que o alimente. Ratos, minhocas, o bichinho come de tudo. Depois quero que limpe suas penas. Essa areia pode atrapalhá-lo. Depois, quero que o ensine a voar.

            -O QUÊ?! Tio Jeb, isso é impossível!

            Ele sorriu como se eu tivesse dito “Sim, Senhor!”, e continuou.

            -Se conseguir, está liberado do castigo. Se não, continua por mais uma semana.    Sem que eu tivesse chance de discutir ele saiu pela abertura que tínhamos vindo. O telefone que eu comprara – Ganhara, conseguira, o que era comprar quando não existia dinheiro? – na loja do Bob vibrou no meu bolso no silencioso que eu programara. Segurei o bichinho em uma das mãos e atendi com a mão livre. A voz de Ryden falou comigo depois do tradicional “Bip” do rádio da NEXTEL®. Viva as ondas de rádio! Eu podia ouvir a voz de Ryden estando tão longe dela... E da área de cobertura telefônica...

            -Oi Jamie! Já chegou em casa?

            Bip.

            -Ah, oi Ryden! Cheguei sim. Hum, você sabe alguma coisa sobre falcoaria?

            Bip. Perguntei acariciando embaixo do queixo do bichinho vascaíno com o indicador. Ele fechou os olhinhos minúsculos e apreciou o carinho.

            -Falcoaria? Ah sim, às vezes usamos falcões em perseguições na mata cerrada. Porque quer saber?

            Bip.

            -Tem um falcãozinho que eu achei no meu... É, no meu quintal, e ele está sozinho... E eu queria saber quando ele vai sabe... Voar... E sair do meu... Quintal.

            Bip.

            -Ele deve voar com um mês ou algo assim. Não tenho certeza. Quando recebemos os falcões eles têm uns 20 centímetros da cabeça à cauda e voam perfeitamente.

            Bip.

            -Entendi. Valeu. Você me ajudou bastante. E como vão as coisas em Tucson?

            Bip.

            -Tediosas e terrivelmente regadas a nozes para Elexis. E em Phoenix?

            Bip.

            -Calor. Muito calor. E um falcão bicando meu dedo.

            Contei a ela, passando a mensagem através de outro Bip. O bichinho havia se empoleirado com s pequenas garrinhas negras em meu pulso, tentando comer meus dedos com mais dedicação, vendo que eu não tentava impedi-lo. Dei um risinho e mexi meus dedos como minhocas para provocá-lo. Tinha que arranjar algo para ele comer e logo antes que arrancasse uma das minhas unhas. Ryden riu depois do seu Bip do outro lado da linha, além do deserto em que eu me encontrava. Imaginei se elas estava falando da Delegacia ou se folgava aos sábados. Havia tantas coisas que eu queria saber sobre ela... Ela gostava de catchup no cachorro quente? Mostarda talvez? Qual seria a cor da sua escova de dente?

            -Tinham ratos mortos em um depósito na falcoaria dos Buscadores. Acha que consegue achar algum para o seu amiguinho?

            Ela perguntou antes de outro Bip.

            -Claro! Devem haver alguns no... Sótão ou no... Po... Rão.

            Bip. Aquelas palavras pareciam difíceis de sair. Fazia quanto tempo que eu não via um porão ou um sótão? E qual fora a última vez que eu dissera meu quintal? Era como se quando eu falasse com Ryden, eu pudesse ser o adolescente normal que sempre quis ser. Como se fosse uma pessoa diferente. Melhor.

            -Ah, então tudo bem. Só liguei para dizer um oi mesmo. Hum... Ah... A gente se fala.

            -Espera Ryden, eu...

            Mas já era tarde. Os dois bips que finalizavam a ligação já haviam tinido, deixando-me sozinho como antes. Pelo menos ainda tinha aquele falcãozinho faminto sob a minha responsabilidade. Até que ele não era má-companhia. Era até engraçadinho.

            -Você agora tem a mim também pequenininho. Nada mal hein amiguinho?

            O falcão olhou para mim desviando-se dos meus dedos por um instante. Pude ver a resposta em seus olhos brilhantes, negros como a escuridão.

            Estávamos na Sala de Banhos e eu estava tentando mergulhar o filhote na piscina iluminada pela lanterna a gás que eu acendera para não assustá-lo com a escuridão da sala. Porém, ele nunca havia visto sequer um laguinho na vida, e provavelmente por algum instinto animal ele achava que eu estava querendo afogá-lo e lutava com as garras e o bico afiado contra o banho. Era como eu quando era criança e não queria tomar banho. Esperneava, berrava, e se preciso saía correndo pela casa. Nunca esqueceria do dia em que eu me escondera completamente nu na molecagem dos meus 6 anos no guarda roupa de Mel, bem durante a sua fase  “garotos são nojentos”, típica das garotas de 9 anos.

            Ao abrir a porta ela berrara como um bezerro desmamado de susto de raiva e tudo junto. O Falcãozinho grasnou quando a água molhou uma das suas penas da cauda e bicou minha mão.

            -Não estamos indo a lugar nenhum. – Esbravejei trazendo o bichinho para perto. Ele tremeu de frio e se aninhou junto ao meu corpo. – Ou talvez, eu não esteja. – Enchi a mão em concha e trouxe a água até ele, passando-a levemente pelas penas das asas, tirando a crosta de terra nelas, arrumando as penas macias cobertas de penugem de filhote uma a uma. O falcãozinho pareceu gostar no final, porque não relutou quando chegou a hora da outra asa e até pareceu curtir quando passei a mão úmida pela sua cabeça. Trouxe a mão em concha para perto dele e ele bebeu avidamente, grasnando contente. Quando terminei ele pulou do meu colo e se sacudiu todo, respingando água em mim. Gargalhei tentando desviar dos respingos de água.

            -Não cara – Eu disse entre risadas – Isso não é legal.

            Ele piou para escuridão, um único piu, como um aviso de silêncio, e parei de rir na hora. Ele deu dois passinhos a frente e parou de asas abertas, silvando para o escuro além da lanterna a óleo. Ele estaria se afogando? O que eu devia fazer? Nem sabia fazer boca-a-boca em seres humanos imagine em aves de rapina desérticas. Porém não durou muito tempo, logo o bichinho pulou na escuridão da Sala de Banhos, aterrissando direto no pescoço de um rato do tamanho da minha mão, que silvou e tentou mordê-lo, mas com um movimento da garra negra, seu pescoço se quebrou com um “crec” minúsculo. Que nojo! Era naquela sala em que eu tomava banho! Tinham ratos ali? Vi o bichinho caçador arrancar a pele da sua presa com o bico volteado e abocanhando sua carne vermelha, esmagando seus ossinhos como se comesse amendoins.

            Era a coisa mais perturbadora que eu já havia visto. E olha que eu estava fugindo desde os 9 anos. Ele terminou e deixou seus restos para trás, trazendo apenas a cabeça do que um dia fora um rato, era como se o filhotinho quisesse guardar um troféu. Ele depositou seu “troféu de batalha” a minha frente e deu um passo atrás com as pequenas garrinhas negras. Não me mexi e tentei não olhar para a cabeça a minha frente, olhando para os olhinhos escuros que me encaravam, até que ele baixou a cabecinha cinzenta e molhada como se meu olhar o deixasse com vergonha. Mais alguns segundos de silêncio e ele refez seus dois passos a frente, empurrando a cabeça cinzenta de sua caçada para mais perto de mim com o bico e dando um passo para trás novamente. Finalmente percebi o que ele quis dizer. Queria dividir sua caçada comigo.

            -Você... Ah não. Não mesmo... Não vou fazer isso de jeito nenhum. Vamos embora, Caçador. – Estendi o braço para que ele se empoleirasse como fizera antes. Ele pareceu pensar um pouco bamboleando para perto do meu braço. Por fim pegou sua cabeça e sentou-se, resignado. Não podia esperar que ele se empoleirasse em mim tão cedo, afinal era uma animal selvagem. Peguei-o no colo – Está bem, pode levar seu troféu. Mas não espere que eu divida com você.

            -Vamos, faça assim. – Eu ridiculamente balançava os braços para cima e para baixo na esperança de que ele entendesse o que era voar, tudo o que representava, mas isso só o assustava e o fazia recuar, grasnar e piar aterrorizado – Não sou um predador, não vou machucar você, só quero que voe para que eu possa ver a luz do dia novamente. E  Ryden, mas isso  não é assunto para um filhote como você.

            Parecendo não se importar ele foi aos pulinhos até o ninho de lençóis que tio Jeb havia feito para ele e se sentou, encarando-me com os olhinhos negros como se fosse um garoto emburrado fazendo birra em um canto. Ouvi passos no corredor estreito e tio Jeb sorriu com um sorriso enigmático no rosto. Ele sabia que eu não conseguiria. Eu sabia que eu não conseguiria. Mas então qual era o objetivo da coisa toda? Não soava como um castigo, as duas primeiras tarefas até foram divertidas, mas a última soava mais como “ Vou te humilhar na frente de um pássaro e assim você nunca mais vai ser malcriado.” Ele caminhou até o ninho e pegou o falcãozinho Caçador e acariciou sua cabeça e pescoço bicolores com a dobra do indicador.

            -Como vai campeão? Acha que ele está pronto para um vôo esperto?

            -Ao que parece ele parece pronto para dividir comigo uma cabeça de rato esperta.

            Eu concluí irritado. Se ao menos eu tivesse mais tempo para ganhar a confiança do bichinho... Tio Jeb se assegurou que o falcão tinha se empoleirado direito em seu braço antes de levantá-lo acima da cabeça. O bichinho não pareceu muito feliz com a altitude.

            -Dê a sua ordem, Jamie.

            Ele ordenou com um sorriso. Com uma careta derrotada, resolvi tentar uma última vez, uma técnica diferente. Me aproximei e olhei direto para os olhos negros e penetrantes de Caçador e mentalizei o que queria que ele fizesse. Que abrisse as pequenas asas e pelo menos planasse até o chão.

            -Caçador. Voe.

            Surpreendentemente ele abriu as asas, e por um segundo achei que tinha funcionado, mas ao invés de alçar vôo em direção à abertura gigante na pedra que dava para o poente ele grasnou para mim e fechou as asas, alisando as penas destas com o bico. Tio Jeb olhou para ele com seu sorriso divertido e acariciou sua cabecinha, aproximando-se de mim e me estendendo o braço com o pássaro pousado.

            -Você e esse passarinho tem muito em comum. São pequenos e apesar de terem passado por muita coisa são inexperientes. Acham que sabem de tudo, acham que podem viver sozinhos. Me diga Jamie, sozinho ele vai conseguir viver? – Fiz que não. Não voar para um pássaro era como não andar para um ser humano, só que pior. Na cidade nenhum coiote te ataca, e a cadeira te dá alguma chance de escape. Porém fiquei ofendido com a comparação. Eu não era como aquela passarinho resmungão, não era mesmo. – Você viveu mais que ele e sabe mais. Quem melhor que você para ensiná-lo a voar? – Ele aproximou o braço do meu ombro e surpreendentemente o passarinho pulou até ele – Caçador é um bom nome para ele, é um bichinho feroz. Não esqueça, mas uma semana de castigo. Tentamos de novo semana que vem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!