Curada Para Ferir escrita por thedreamer


Capítulo 18
Capítulo 18


Notas iniciais do capítulo

Anem, tenho que dizer: Tenho as melhores leitoras do mundo! Desbancando até mesmo as fãs da Meg Cabot, hahaha. Obrigado ONE MORE TIME! Quer dizer que tenho mias uma recomendação? Que linda! Espero que gostem do capítulo, achei essa bastante sem graça, mas... As coisas ainda vão esquentar mais. (: Boa leitura. Ah, e seja bem vinda anaeliza. ;)



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18 Continuar não significa esquecer. Significa que você é forte o suficiente para erguer a cabeça e sorrir, mesmo estando ferido.

Jogo uma tulipa vermelha sobre os caixões, antes que os cubram de terra. Minhas lágrimas enfim cessaram, deve simplesmente ter secado o líquido de meu corpo.

 Acordo com a claridade em meu rosto e desejo ter fechado as cortinas antes de deitar. Viro-me para o outro lado e tento dormir novamente, mas não consigo. Ainda assim, continuo deitada, perdida em pensamentos. Tornou-se algo comum para mim, sonhar com o dia do enterro de meus pais, desde aquela primeira noite até hoje, duas semanas depois.

 As coisas não andam muito fáceis, mas faço o possível para ser forte, e não incomodar Rodrigo, que a cada dia me mima mais. Quase não vejo Vítor, apesar de morarmos na mesma casa, pelo que fiquei sabendo, por Janaína, ele fica o dia inteiro trancado em seu quarto. Não dou a mínima para isso, acho até melhor por não ter que dar de cara com ele pelo corredor. Belinda deu um jeito de conversar com Rodrigo, não sei como, mas vem aqui quase todos os dias me visitar. Ela arrumou vários filmes para assistirmos, filmes que eu nem sabia que existia, e isso estava me fazendo bem. Passávamos toda a tarde em meu quarto, e assim que acabava o filme ela partia com a promessa de voltar no dia seguinte. No primeiro dia em que ela veio, perguntei, timidamente, sobre Fernando. Ela contou-me que ele ficou em estado de choque, não conseguiu ir ao enterro, não conseguia sequer comer, então sua mãe deu um jeito de mandá-lo para a Europa, para estudar música, que ele sempre gostou. Senti mais compaixão por ele, pelo visto ele realmente amava Marina.

 Suspiro e sigo em direção ao banheiro. Tomo uma chuveirada, sem paciência para um banho de jacuzzi. Coloco a tradicional calça jeans, all star e uma blusa de manga comprida de tecido leve. Hoje não está muito frio, e de qualquer jeito a casa é bem quente. Olho no espelho e acho meu cabelo bem arrumado para quem não penteou, e então desisto dessa missão. Desço com o estômago roncando e encontro Rodrigo ainda à mesa, lendo jornal, que ele abaixa assim que me vê.

 - Bom dia Melina! – Sorrio para ele e me sento no lugar de sempre.

 - Bom dia! Pelo visto hoje consegui acordar cedo. – digo brincando, já que toda vez que acordo ele já tomou seu café. Ele sorri.

 - É, acho que conseguiu. Janaína sirva o café da Melina. – Ele diz se virando para Janaína. Rodrigo e eu nunca tivemos uma conversa mais aprofundada, e até hoje sou curiosa para saber porque ele e o filho se estranham tanto, e o que houve com sua esposa.

 - Rodrigo? – Ele se vira para mim. Crio coragem e pergunto. – O que houve com a mãe do Vítor? – ele fica pálido e me arrependo no mesmo instante por ter perguntado, ele recupera o fôlego e a cor, e responde.

 - Ela morreu em um acidente... – Ele diz e é interrompido pela voz de Vítor que ecoa pela sala.

 - Você a matou! – Me viro no mesmo instante, boquiaberta com aquela acusação. Ele tem os olhos furiosos e as bochechas vermelhas.

 - De novo não, Vítor... – Rodrigo diz passando a mão na testa, impaciente.

 - O que houve papai? Não consegue mais guardar a culpa dentro de você? Tem que inventar desculpas? – Minha boca se abre cada vez mais.

 - Você sabe que não foi minha culpa! – Ele diz enviando ao filho um olhar doloroso.

 - Claro que foi! Se você não tivesse desviado daquele animal...

 - Chega Vítor Hugo! Chega! Já deu o que tinha que dar! Suba para o seu quarto. – Vítor solta um sorriso sarcástico e maléfico. Balança a cabeça negativamente e sobe as escadas correndo. – Desculpa Melina, é que...

 - Está tudo bem Rodrigo, não precisa se preocupar. – Ele sorri, cansado e segura minha mão.

 - Você é um anjo Melina, obrigado por existir. – Fico ruborizada e sem fala. – Desculpa, mas, preciso subir. – Aceno positivamente. – Nos vemos mais tarde.

 Fico na dúvida se também vou para o meu quarto, mas um certo roncar acaba com esta dúvida, juntamente com o aroma do café que Janaína traz para mim.

 - Obrigado. – Digo assim que ele me serve.

 Tomo meu café preguiçosamente, e assim que termino e resolvo voltar para o meu quarto bato o olho em um calendário na mesa da sala. Aproximo-me e procuro a data de hoje, depois de alguns cálculos fico espantada ao descobrir que hoje é dia vinte e quatro de dezembro. Suspiro com os flashes do natal passado se passando por minha cabeça. Subo as escadas bem devagar, com 100% de desânimo, quando quase sou derrubada no chão por Vítor, mas logo sou salva por ele, que firma as mãos em minhas costas.

 Seu rosto fica a centímetros do meu e fico admirada com sua beleza. Seus olhos verdes são emoldurados por um cabelo dourado e liso, que até a pouco ele escondia embaixo de um boné. Isso não leva nem dez segundos, ele me levanta e me empurra para o lado.

 - Vê se não fica na frente pirralha! – ele desce um degrau a mais e eu seguro firme em seu braço.

 - Quantos anos você tem? – Ele franze o cenho, liberta seu braço e responde já de costas indo em direção a porta.

 - Dezesseis. – Sorrio com escárnio e reviro os olhos, subindo para meu quarto.

 Ainda acha que tem o direito de me chamar de pirralha. Apenas dois anos mais velho que eu. Dois anos, vinte e quatro meses. Isso não é nada. Se sou pirralha ele também é. Balanço a cabeça para tirar esses pensamentos idiotas da minha cabeça e deito em minha cama, ligando a televisão.

 Coloco em minha série favorita, que gravo todos os episódios para poder assistir mais de uma vez, ou quando não posso assistir na hora em que passa, como este episódio. Sigo a série The Vampire Diaries desde o dia de estréia, mas perdi muitos episódios devido à mudança que ocorreu em minha vida, e a falta da tv a cabo. Passei a me identificar mais ainda com a série depois de tudo, pois Elena também passou pela mesma coisa que eu. Agora estou assistindo o episódio em que sua tia também falece, o que me faz pensar bastante. Ela não entregou os pontos em momento algum, foi uma garota forte o tempo todo, e eu também posso ser. Continuar minha vida não significa que vou esquecê-los ou algo do tipo. Mas que estou fazendo jus à sua memória, continuando o que eles começaram. Minha vida.

 Fico feliz depois de perceber tudo isso. Meu coração se enche de alívio. Coloco a mão no pescoço, onde guardo a medalhinha da mamãe, que contém uma foto de todos nós. É um jeito deles sempre estarem comigo. Respiro fundo, ainda emocionada e sigo até o quarto de Rodrigo depois de pegar um casaco.

 - Rodrigo? – Chamo dando leve batidas em sua porta, ele abre logo em seguida.

 - Oi, querida. – Sorrio para ele e o abraço forte, surpreendendo-o. – Opa.. – Ele diz, olho para seu rosto e vejo que ficou envergonhado.

 - Mais uma vez obrigado. Será que posso te pedir um favor? – Respiro fundo mais uma vez, sabendo que estou preste a tomar uma decisão importante.

 - Claro! – Ele me olha com carinho, e acaricia o alto da minha cabeça.

 - Lembra aquela vez que me ofereceu um passeio ao shopping, para comprar um estoque de roupas novas? – Ele sorri e confirma. – Ainda está de pé? – Ele sorri mais ainda.

 - Com certeza, deixa só eu pegar meu casaco e as chaves do carro. – O abraço mais uma vez e desço para a sala, para esperá-lo.

 Descemos para o estacionamento e seguimos para o shopping, que não fica longe. É bom poder morar no centro, fica perto de tudo. Ele estaciona e seguimos primeiro para uma loja de jeans. Escolho várias, de diferentes lavagens, mas todas no modelo skinny. Escolho várias blusas regatas, de manga, coloridas, pretas, brancas... Depois vamos para a loja de calçados, que opto pela Converse, e escolho um de cada modelo, todos nas cores preto-branco. Escolho várias camisetas com bandas das quais gosto, surpreendendo um pouco o Rodrigo, que pensou que eu iria à loja de vestidos e sapatilhas. Renovo meu estoque de moletons também, enquanto íamos para a praça de alimentação, parei em frente a uma vitrine. Rodrigo pensou que eu estava olhando as jóias ali expostas, mas na verdade eu olhava para mim. Depois de alguns minutos ali, pedi que ele me esperasse na fila do Mc’Donalds, que por sinal estava enorme, enquanto eu comprava outra coisa. Ele me entregou o valor pedido e corri para o segundo andar.

 Para minha sorte e felicidade o salão estava vazio, fui atendida assim que entrei. Sentei-me enquanto ela colocava o forro e me entregava uma revista de cortes, mas eu já tinha algo em mente.

 - Quero o seguinte:... – Digo olhando para ela no reflexo do espelho. -... Quero ele pouco abaixo dos ombros, repicado da altura da orelha para baixo, e uma franja desfiada na diagonal, pode ser? – Pergunto sorrindo, e ela olha para o meu cabelo com piedade.

 - Tem certeza? Ela está tão grande... Podemos só desfiar e fazer a franja, sem tirar no tamanho...

 - Não, por favor, quero tirar no tamanho. – Ela suspira.

 - Você quem sabe. – Ela pega a tesoura e começa.

 Ando o mais rápido possível na esperança de que Rodrigo ainda esteja na fila, e o vejo no caixa, assim que chego.

 - Um McQuarteirão com fritas e coca-cola, por favor. – Rodrigo se virou com uma expressão de alívio seguida por uma de surpresa.

  - Nossa! Você não me disse que tinha em mente cortar o cabelo! – Mordo o lábio, e dou um sorriso amarelo, super sem graça.

 - Não ficou bom? – Pergunto recuperando minha velha baixa auto-estima.

 - Ficou ótimo! Combinou com você este corte, te deixou com aparência mais madura. – Sorri com essa conclusão.

 Depois de muito procurar, conseguimos encontrar uma mesa vazia. Mastigo enquanto fico me lembrando de quando vinha aqui com minhas antigas ‘amigas’. Eu era muito fútil. Reparo que Rodrigo me encara por bastante tempo, olho para ele que fica vermelho, mas logo se recompõe.

 - Fico feliz pela sua decisão, Melina. – Aceno positivamente enquanto mastigo algumas batatas. – Falo sério. Você é uma garota muito forte. Não parece, vou ser sincero, mas no fundo é muito forte. Sei o quanto seus pais significam por você e o quanto você ainda sofre, e te ver aqui, fazendo compras e sorrindo... Estou muito feliz com isso, de verdade. – Agradeço-o com um sorriso aberto e verdadeiro, e ele retribui.

 Depois de lanchar, voltamos para casa, conversando muito. Já estamos bem a vontade um com o outro, como se nos conhecêssemos há muito.

 Assim que chegamos, ele leva todas as coisas para o meu quarto com a minha ajuda e de Janaína, que também parece feliz com minha recuperação. Quando Rodrigo deixa a última sacola e se despede, ela se aproxima de mim.

 - Um você já conseguiu, falta outro. – Ela sussurra. Franzo a sobrancelha e ela sorri. – Lembra o que eu disse sobre iluminar a casa menina? Dito e feito. Mas a verdade é que quem mais necessita de ajuda é o menino.

 - Ajuda? – Pergunto com escárnio, erguendo a sobrancelha esquerda, lembrando do quanto ele pareceu metido. Faz sentido, alguém precisa abaixar aquele nariz empinado dele.

 - Sim, ajuda. Ele passa o dia todo dentro do quarto, como já deve ter percebido. Sempre com aqueles fones no ouvido, mal fala com o pai, quando fala é para discutir, tem cara de durão, mas não passa de um menino solitário. Um menino solitário que precisa de alguém como você! – Começo a sorrir de sua conclusão e peço para que me ajude a guardar as roupas no armário, encerrando este assunto.

 Tomo um banho de jacuzzi, para poder pensar. Encosto minha cabeça e começo a lembrar da minha família, da última vez que ouvi a voz de cada um. Meu foco recai mais sobre Marina. Como poderia ter sido diferente, porque ela sempre me odiou tanto? Meu rosto fica quente com as lágrimas que descem descontroladas. Fico quieta até que consiga me controlar, olho para meus pulsos, ainda há marcas do que fiz, me dá uma vontade imensa de fazer um novo corte, mas dessa vez não para aliviar uma dor, e sim para causar. Eu não merecia estar viva enquanto eles partiram, mas então ouço a voz animada de Rodrigo, e lembro repentinamente do que Janaína disse, e desisto.

 - Já vou descer! – Grito em resposta, saindo da banheira e me enxugando. Olho-me novamente no espelho e fico feliz com o resultado. Pela primeira vez gosto de algo em mim, e acho que é só por ser novo. Ainda continuo com a mesma cara de zumbi.

 Suspiro. Vou até o closet e escolho uma calça e uma jaqueta jeans, all star preto e uma camiseta do ‘McFly’. Penteio meu cabelo, passo hidratante e enfim desço para o jantar. Em um imenso corredor, consigo a proeza de me esbarrar novamente com Vítor, que logo reclama.

 - Pô garota, tá de implicância né? – Reviro os olhos.

 - Para que eu gastaria meu tempo implicando com você? Tenho mais com o que me preocupar! – Digo e desço rápido, a escada, para não ter de discutir mais, pois percebo que para ele isso ainda não terminou.

 Fico boquiaberta ao ver uma perfeita mesa natalina. Paro de repente quase sendo atropelada por Vítor que vinha atrás, mas ignorei suas reclamações. Depois disso ele pareceu também notar o que havia a nossa frente.

 - O que é isso? – Ele perguntou como se fosse algo criminoso.

 - Isto se chama ceia Vítor Hugo, já ouviu falar? – Digo ironicamente, com a certeza de que o irrito. Ele me empurra de leve para o lado e se senta no mesmo lugar de sempre, com o maior desleixo, escondido sob o boné.

 - Está tudo lindo Rodrigo! – Digo tirando sua atenção do filho. Ele sorri satisfeito, também me causando esta sensação.

 - Não precisa puxar o saco Melina, você vai morar aqui de qualquer jeito! – Olho indignada para Vítor e tenho certeza de que fico vermelha, não só de vergonha, mas também de raiva.

 - Escuta aqui... – Pelo Rodrigo, pelo Rodrigo! -... Não vou perder tempo com discussões infantis que você insisti em provocar. Eu acho isso interessante Rodrigo. – Digo me virando para seu pai. – Algumas pessoas julgam outras ‘pirralhas’ por um número dado em um documento, e se acham adultas causando confusões por motivos tão banais. – Dou ênfase em certas palavras, olhando diretamente para ele, que parece ficar mordido, com mais raiva ainda pelo que digo.

 - Fico feliz que tenha gostado Melina! – Diz Rodrigo percebendo toda minha jogada contra Vítor, e pairando para o meu lado. Sorrio para ele enquanto Vítor revira os olhos.

 Ouço a campainha tocar e fico esperando que alguns amigos do Rodrigo cheguem, e quase caio da cadeira quando ouço a voz de Belinda reclamando. Levanto na mesma hora, alternando o olhar entre meu tio e a porta, onde Belinda passa neste exato momento.

 - Ai meu Deus Melina! Seu cabelo! – Sorrio e dou de ombros, morrendo de vergonha. Ela me abraça e depois dá uma mexida no meu cabelo. Olho de relance e vejo Bernardo observando. – Quer saber? Ficou lindo! Você ficou mulher fatal. – Sorrimos juntas e então Bernardo vem me comprimentar.

 Fico constrangida, pois passamos por algo do tipo: ele ia dar beijinhos de um lado, e eu do outro, trocávamos de lado, e acabou que ninguém recebeu beijinho na bochecha, por fim ele me deu um abraço. E por instantes tudo girou e só éramos ele e eu. Ele me soltou e tudo voltou ao normal.

 - Sentem-se garotos! – Diz Rodrigo como um perfeito anfitrião. Belinda e Bernardo se sentam, ela ao meu lado e ele ao lado de Vítor, que para variar parece não estar gostando disso.

 Diferente de todos os outros dias, o jantar não foi silencioso, conversamos e sorrimos bastante. A não ser por Vítor, que não esboça um sorriso em momento algum. Depois, Rodrigo chamou todos para a sala de TV, mas Vítor simplesmente ignorou seu pedido e subiu para o quarto, onde havia um jogo de dança. Belinda foi a campeã, vencendo de todos nós. Não sei como consegui dançar, devido à minha timidez, mas acabei dançando ao som de ‘Crazy in love’ da Beyoncé.

 À meia noite, brindamos e nos abraçamos. Novamente fiquei ruborizada ao abraçar Bernardo, mas me sentindo imensamente feliz, e como se tudo houvesse desaparecido.

 Subo para o meu quarto, abraçada com Rodrigo, que ainda sorri, me sinto muito bem por ele estar feliz, mas não me sinto assim. Saber que há 365 dias eu fazia o mesmo, mas com minha família. Lembro do sorriso em cada rosto, do quanto todos estavam tão elegantes, Marina, como sempre atraiu todos os olhares. Sinto um ardor no nariz, sinal de que vou chorar a qualquer instante. Viro-me e abraço Rodrigo com toda força que consigo, o agradeço novamente, e digo que vou me deitar, pois estou cansada, mas na verdade só quero aliviar um pouco, e não quero chorar na sua frente. Ele concorda e me dá um beijo na testa.

 Tranco a porta e me jogo na cama, deixando que as lágrimas queimem minhas bochechas mais uma vez. Depois de muito chorar, acabo pegando no sono.

 Acordo assustada, e logo olho para o relógio. Quase caio da cama ao ver que já são 13h: 21. Fico mais um tempo deitada, com a intenção de ficar assim até o jantar, mas meu estômago se recusa. Faço um rabo-de-cavalo, tomo um banho e desço. Surpreendo-me ao ver Vítor na sala de tv, ele parece concentrado, mas assim que tento ver o que ele assiste, a televisão desliga deixando-me com cara de taxo, pois ele se vira para mim com irritação.

 - Além de atrevida é curiosa? Quantas virtudes você tem Melina! Mais alguma que não conheço? – Reviro os olhos e continuo meu caminho para a cozinha, ouvindo a tv sendo novamente ligada.

 - Garoto chato! – Digo sentando-me à mesa.

 - Não fale assim querida. – Ergo meu olhar para Janaína, sem expressar algo em meu rosto e ela continua. – Esqueceu que você é a...

 - Ah nem vem com essa história de novo. – Pego uma torrada e passo geléia, enquanto ela generosamente acrescenta suco em meu copo.

 - Só prometa que não desistirá. – Olho-a intensamente, pensando delicadamente em cada palavra dita.

 - Ainda não sei o que você quer dizer com tudo isso, mas tudo bem. – Ela sorri e balança a cabeça negativamente, saindo.

 Enquanto tomo meu café continuo pensando na mesma coisa. Ela sempre diz que ele é um garoto doce, mas até hoje não encontrei nada de adocicado nele, e sim azedo. Sempre maltratando o pai, que é uma pessoa maravilhosa, e que ele julga ter causado a morte de sua mãe, ainda não sei a história direito, pois depois daquele dia achei melhor deixar quieto, deixar o assunto morrer, e me agredindo com palavras, não julgo isso doce. Mas então me vem algo na cabeça: não posso julgá-lo assim, sem o conhecer direito. Foi isso que aconteceu comigo, todos os meus ‘amigos’ me julgaram um tipo de pessoa, mas nenhum deles souberam ou sabem que sou totalmente outra. Resolvo que vou tentar. Por Janaína.

 Termino meu café e ouço a TV ainda ligada, sem que ele note e desligue a tempo, surpreendo-o sentando no sofá ao seu lado, mas não muito perto. Ele desliga e se levanta, mas o puxo, fazendo-o virar, mas ele se esquiva e falo antes que ele fuja mais uma vez para seu quarto.

 - Por que não posso assistir? – Pergunto sem saber como começar o assunto.

 - É proibido para menores de catorze anos! – Ele dá de ombros, com um sarcasmo que dá para pegar no ar.

 - Bom, sendo assim, eu posso assistir. Vamos, ligue a TV e sente-se novamente. – Ele sorri desdenhoso e cruza os braços.

 - Aonde quer chegar com isso? – Tento olhar em seus olhos, mas o sombra do boné me impede.

 - Aonde você quer chegar com isso? – Pergunto me levantando e também cruzando os braços. A sua expressão muda. Ele tenta sair de novo, mas o seguro. – É sério Vítor Hugo...

 - Não me chame assim!

 - E quer que eu chame como? Até onde eu saiba é seu nome. – Digo fazendo gestos enquanto ele exalta.

 -Vítor não basta? – Sorrio.

 - Certo. Vítor, nós moramos na mesma casa e sempre que nos encontramos você faz o favor de me atacar...

 - Você é a intrusa aqui, caso não tenha notado. Fala sério, já imaginou como seria dormir, e acordar no outro dia sabendo que a cegonha passou por aqui? – Minha boca se abre em um perfeito ‘o’.

 - Cegonha? Ah dá licença garoto, você é só dois anos mais velho do que eu. Quem vê assim diz que tem cinqüenta anos. Ah, não, minto, um senhor de cinqüenta anos é mais educado e menos ranzinza. – ele morde o lábio inferior.

 - Me faz um favor, adolescente – Ele demora na palavra, enfatizando o máximo possível. – Me erra, fingi que não existo, será que dá?

 - Não poderia ter pedido algo melhor! – Digo colocando a mão na cintura. Ele balança a cabeça negativamente e sobe a escada correndo como sempre.

 - Qualquer hora quebra o pescoço, aí fica esperto... – Digo para mim mesma.

 Jogo-me no sofá e ligo a TV, que passa Sobrenatural. Então era isso que ele assistia? Uma das minhas séries favoritas, com os atores mais lindos do mundo. Sorrio para mim mesma. Ele deve ter mudado de canal, um garoto bobo daquele não assisti uma série tão boa quanto essa. Concentro-me no episódio e acabo realmente focando, pois esqueço de tudo por um momento.

 - Dona Melina? Dona Melina? – A voz parece longe, a minha ficha cai, e abro os olhos.

 - Ah, oi Janaína. – Ela fica desconcertada por um momento.

 - Desculpe, não queria acordar a senhorita, mas é que tem alguém no telefone que disse que não vai desligar enquanto não atender. – Franzo o cenho e pego o telefone.

 - Obrigado Janaína. – Digo tapando e logo depois colocando o telefone na orelha.

 - Alô? – Digo.

 - Hello my dear! Dormindo até agora? – Deito no sofá novamente.

 - Estava assistindo, e acabei cochilando.

- Sei. Melina liguei para te perguntar se não quer vir aqui em casa.

 - Não sei se é uma boa idéia, você não pode vir aqui? Podemos assistir mais séries, filmes, cantar no karaokê...

- Tudo isso tem aqui em casa. Por favor, Melina, você ainda não conhece meus pais, nem minha casa, por favor, por favor, por favor! – Mordo o lábio e fico em silêncio, pensando se devo ou não aceitar.

 - Tudo bem, quando? – Ela grita, eufórica do outro lado da linha.

 - Hum, hoje não porque ainda estou cansada de ontem, que afinal foi maravilhoso, seu tio é demais! Pode ser no domingo, dia 28?

 - Certo.

 - Bom, então te espero aqui dia 28 às... Dez e meia da manhã! – Franzo o cenho.

 - Ah Belinda, não acha que é muito cedo?

 - Não, e fim de papo, até lá, beijos. – Ela desliga antes que eu possa responder. Suspiro sem a menor vontade de ir até lá.

 Não pretendo me aproximar muito de Bernardo, não faz muito bem para mim, não sabendo que ele namora a Giselle. Cubro meu rosto com a almofada desejando nunca tê-lo conhecido. Balanço a cabeça negativamente. Conhecê-lo foi uma das melhores coisas que me aconteceu, ele me ajudou bastante, mesmo sem saber. Sorrio com a lembrança do dia em que ele disse ser meu super-herói. Isso parece tão distante do atual Bernardo. Engano meu, ele não mudou, somente seu estado ‘civil’.

 - Dona Melina, tem visita! – Levanto apenas minha cabeça para ver quem está aqui e quase caio do sofá.

 - Bernardo? O que você está fazendo aqui? – Pergunto já de pé. Janaína se retira.

 - Não gostou de eu estar aqui? – Ele pergunta com um olhar triste.

 - Não, não é isso. – Sim, é isso! – É que... Só fiquei surpresa. – Dou de ombros e sorrio sem graça.

 - Você não quer dar uma volta comigo? – Mordo o lábio travando um conflito interior.

 - Pode ser. Está muito frio lá fora? – Pergunto me inclinando para olhar a janela.

 - Não, acho que arrisca até sair um sol, quem sabe. – Sorrio, isso é praticamente impossível, mas eu adoraria.

 - Bom então vamos. – Vítor desce a escada correndo novamente, fazendo um barulho enorme, atraindo a atenção de Bernardo e a minha. Ele olha para Bernardo e depois para mim, balança a cabeça negativamente e passa por nós dois em direção a porta. Bernardo me olha confuso e eu indico a porta.

 Para minha tristeza, Vítor segue para o elevador, entro juntamente com Bernardo e minha infelicidade aumenta ao perceber que somos só nós três ali. Ele aperta o botão do térreo, e seguimos em silêncio. Cada um deles está de um lado, e eu no meio, sinto-me desajeitada, e meu coração pula quando Bernardo passa o braço sobre meus ombros em um amigável abraço. Olho para os números que indicam os andares e vejo que ainda estamos no 23º. A luz começa a piscar e fazer um barulho estranho. Nós automaticamente olhamos para o teto, e em questão de segundos o elevador dá um tipo de arranco e para, com as luzes apagadas. 


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Notas finais do capítulo

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