Curada Para Ferir escrita por thedreamer


Capítulo 17
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

La-bi! Quase morri do coração quando vi sua indicação, que linda! *---* Estou nas nuvens até agora, muito, muito, MUITO obrigado mesmo! E... Eu queria taaaaaaaaaaaanto dez reviews, mas não consegui e, fico triste por isso, mas vou postar, pois fico muito ansiosa pela reação de vocês.
Obs: Se vocês ouvissem 'He Is We' quando estão lendo, eu acharia bem legal, é uma ótima banda, e as músicas deles combinam com Melina. (:
Obs¹: Caso aconteça, relevem erros de digitação, é que digito rápido e as vezes me atrapalho.
Espero que gostem, smack ;*



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17                             Perdemos tempo com tantas coisas inúteis. Discussões por motivos banais, medo de demonstrar nossos sentimentos, ego e orgulho maiores que o carinho. O problema, é que não sabemos quanto tempo temos de vida, não há uma data certa, e perdemos a chance de dizer o quanto amamos alguém, e depois... Depois é tarde demais.

 Arranhões pelo corpo é tudo o que eles têm. Nada mais que isso. Marina ainda tem a pele perfeita de sempre, os cabelos continuam deslumbrantes, é como se estivesse dormindo. Assim como mamãe e papai, parecem estar descansando juntos depois de um longo dia de trabalho. Fico ali por bastante tempo, o máximo que consigo até que me tirem de lá, para não pegar uma hipotermia. O pior de tudo é ter de vê-los dentro de uma gaveta em um lugar tão frio. Ainda estou em estado de choque, a ponto de não conseguir resistir quando me tiram de perto da minha família. Eu também deveria estar lá. Eu estaria lá se não tivessem inventado essa droga de acampamento. Agora eu estaria junto com eles, no céu, onde tenho certeza de que estão, pessoas tão boas quanto eles não estaria em outro lugar. Alguém me guia até um banco e me senta, dizendo algumas poucas palavras e se distanciando. Fico quieta, olhando para longe. Bem longe deste lugar, para bem longe deste mundo. Para um mundo em que eu poderia estar perto de pessoas boas, um mundo em que as famílias não são destruídas assim. Como vou viver sem eles? Como vou conseguir respirar se eles não estarão aqui, sentindo o mesmo ar que eu? Quem vai me abraçar quando eu estiver com medo? Quem vai me acordar as seis da manhã com ‘parabéns para você’ todo dia vinte de novembro? Quem vai criticar meu cabelo, meus olhos, meu corpo? Quem vai me fazer sentir uma pessoa sortuda, premiada? Porque isso meu Deus, PORQUE? Minha cabeça começa a latejar ainda mais, alguém se aproxima com um grande copo de café expresso, que rejeito com um aceno.

 - Você tem de se alimentar Melina, trouxe isto porque lhe fará bem, está quentinho, vamos, tome... – Faço que não novamente, e ouço um suspiro, seguido por uma desistência.

 Dobro minhas pernas e abraço meus joelhos, deixando as lágrimas escorrerem mais uma vez, não conseguindo evitar. Neste momento tudo em mim dói. Minha cabeça, minhas pernas, meus braços, meu peito, minha garganta. Aperto mais forte enquanto ouço cochichos ao meu redor envolvendo meu nome, mas não tenho interesse em ouvir nada.

 Fico um bom tempo assim, e resolvo que tenho de vê-los novamente. Levanto-me e cambaleio em direção a grande porta que acabei de atravessar, mas sou parada antes. Ouço palavras que não se encaixam e reluto, desta vez a vontade de vê-los é maior que meu cansaço e luto, mas perco depois de alguns minutos. Sou levada de volta à mesma cadeira, onde depois de espernear abraço novamente meus joelhos que são banhados.

 - É melhor tirá-la daqui! – Ouço alguém dizendo e logo protesto.

 - Não! Eu não vou sair daqui, não posso. São meus pais, minha irmã, MINHA FAMÍLIA! As únicas pessoas que tenho neste mundo! Não vou deixá-los aqui, não vou! – Estou de pé, em frente a um homem alto com vestes azul-claro, e expressão melancólica.

 - Vai ser melhor para você querida...

 - Deixá-los aqui vai ser melhor? Você não tem família? Ah, claro que deve ter, é por isso que quer me tirar daqui, porque nunca sentiu o que eu estou sentindo... – Minha voz sai cada vez mais embargada, quase inaudível. Sou abraçada de repente, e uma voz doce fala em meu ouvido.

 - Vai ficar tudo bem Mel! Vamos sair daqui. Isso não está te fazendo bem...

 - Eu já disse que não vou! – Empurro-a e tento voltar para sala onde eles estão, mas sou agarrada por um homem grande e forte, que me carrega no colo até um carro, me colocando no banco traseiro, nem se importando com os socos que dou.

 Por fim desisto e me jogo no banco, deitando de um modo que viro uma bola. Uma bola derretida. Choro por bastante tempo, e depois do que pareceram anos, o carro parou. Uma mulher pouco mais alta que eu me levanta falando coisas boas, tentando me aclamar, e me guia até o que parece ser um hotel, seguimos por um elevador, e depois à um quarto, onde ela me abraça apertado e me deita na cama.

 - Sei que está cansada Melina, mas precisa se alimentar. Já são dez horas e você não tem nada no estômago desde as oito horas da manhã.  - Faço que não com a cabeça, e ela suspira. – Por favor, só um copo de leite... – Nego novamente e me viro para o outro lado.

 Não sei o que ela faz, ou para onde vai. Nada me interessa. Concentro-me em lembranças boas da minha família, da minha VIDA. Mas é tudo em vão, as únicas cenas que vão e voltam é a de seus corpos sem vida, deitados em um sono eterno. Depois de tanto chorar, durmo pelo cansaço.

 Acordo gritando, com o cabelo colado no rosto pelo suor. Agora já consigo associar mais as coisas, e percebo que a mulher que me ajudou é Emily. Ela corre até mim, rapidamente, como se já estivesse esperando que isso acontecesse.

 - Calma, calma, está tudo bem, tudo bem... – Ela diz acariciando minhas costas, eu, ainda choro. A abraço forte, tentando encontrar um modo me confortar, e ela me ajuda.

 Ficamos abraçadas por muito tempo, olho de relance para a janela e vejo que está amanhecendo, mais um dia sem sol, como de costume. Comecei a sentir que estava abusando da boa vontade dela, então me desvencilhei dela, abraçando minhas pernas finas. Ela me enviou um olhar mesclado de pena e compreensão. No momento eu não queria muito falar, mas achei necessário.

 - Desculpa Emily, você não precisa ficar aqui comigo, perdendo suas férias, o acampamento...

 - Shiiii... – Ela diz colocando o dedo indicador nos lábios. – Vou ficar com você até quando for preciso, não se preocupe com nada querida. – Choro mais ainda por saber que existem pessoas que ajudam as outras sem necessidade. Senti-me tão grata que não soube o que dizer.

 Ouvi batidas na porta e me assustei, tomada pelo silêncio que estava o quarto. Emily também se assustou, mas pareceu também esperar por isso. Ela acariciou o alto de minha cabeça e foi até a porta. Ouço uma voz grossa e desconhecida, instintivamente olho para a porta, onde vejo um homem pouco maior que Emily, muito bem apresentável. Não consigo entender o que eles conversam, mas Emily parece estar se irritando, assim como ele, que depois que pela primeira vez olha para mim, ele suspira e continua me encarando. Emily se ira para mim, e também suspira, ela acena para que ele entre, o que ele faz prontamente.

 Ele caminha devagar até mim, e se senta na beirada da cama. Ele não tira os olhos de mim nem por um segundo, o que me deixa envergonhada, mas simplesmente não consigo tirar os olhos daquele olhar, aquele olhar tão parecido com... O olhar do papai! Ofego, tomada por essa surpresa, ele fica não entende, nem mesmo Emily.

 - Quem é você? – Pergunto querendo me aproximar, mas tomada pela estranheza, me afasto.

 - Ah... – Ele fica mudo por um instante e então continua. – Você não me conhece não é mesmo? – Balanço a cabeça negativamente. – Claro! Você era muito nova, só a Nininha... – As palavras morrem em sua boca e mais lágrimas descem deliberadamente em minha face. – Eu sou Rodrigo... Irmão mais novo do Nigel. – Me espanto com essa notícia. Papai nunca disse que tinha irmãos.

 - Não, não pode ser o papai não tinha irmãos! – Me altero. Como ele pode querer se passar por meu tio? Quem ele pensa que é?

 - Claro! Eu e seu pai tivemos uma briga feia há treze anos. Ele nunca me perdoou, nem eu o perdoei, por isso ele nunca deixou eu me aproximar de você. – Olhei para Emily pedindo por socorro, e ela acenou positivamente. Voltei meu olhar para ele. Deve ser verdade... Ele tem os mesmos olhos calmantes do papai.

 - E você está aqui porque...? – Minha voz sai embargada, como em todas a vezes que falo desde que soube de tudo.

 - Nós somos uma família pequena. Sua mãe, filha única, perdeu os pais pouco tempo depois de você nascer. – Engulo seco... Mamãe já passou pelo que estou passando. Ele respira fundo e continua. – Seu pai só tinha a mim como irmão, e papai, que atualmente tem Alzheimer, como você deve saber. – Concordo com a cabeça. Fazia visitas mensais ao vovô, na clínica onde ele está internado. – Então... Sua guarda ficou para mim. – Ele diz rápido, parecendo ter medo da minha reação.

Fico parada, sem reação alguma. Ele se sente desconfortável com isso, olhando para Emily de tempo em tempo. Minha cabeça que há pouco parara de doer volta a latejar. É como se estivesse dez escolas da samba dentro dela. Rodrigo ia se levantar quando enfim consegui falar, surpreendendo-o.

 - Eu vou morar com você... – Soa como uma pergunta, mas é tão óbvio que ele apenas concorda. – Desculpa é que... – Dou de ombros. – É estranho. Eu... Há poucas horas nem sabia da sua existência. – Ele concorda.

 - Está tudo bem, vou te dr todo o tempo que precisar, mas, não é necessário você ficar aqui, quando pode ficar na minha casa, na sua casa, a partir de agora. – Fico um pouco desconcertada.

 - Eu não moro muito longe daqui, de carro não leva nem trinta minutos, o que acha? – Olho ao redor, nem cheguei a conhecer este quarto, mas não quero ficar aqui.

 - Certo... – Olho para Emily. Com dificuldade levanto-me e vou até ela, envolvendo-a em um forte abraço. – Obrigado Emily, por tudo! Vou te dever essa para sempre. – Ela acena negativamente.

 - Você não deve nada querida, nada. Fica bem, certo? – Dou de ombros, sem saber se conseguirei ficar bem.

 - Rodrigo... – Digo me virando para ele. – Tenho que pegar minhas coisas, mas... Não quero ir lá em casa. Quer, até quero, mas não sei se consigo...

 - Não tem problema, peço a alguém para buscar o que você precisar.

 - Obrigado. – Caminho lentamente até a saída, depois para o elevador, onde seguimos em silêncio até seu carro. Um Kia sedan.

 O único som que ouço é do motor do carro, e dos carros que dividem a pista conosco. Sinto-me estranha estando no mesmo carro que um homem que há pouco conheço, indo para um lugar mais desconhecido ainda. Foco meu olhar na janela. Ele começa a diminuir a velocidade, e encosta-se ao Mc’Donald. Franzo o cenho e olho para ele que pede um CBO e vira-se para mim.

 - Qual vai querer? – Meu olhar vira um traço de indignação.

 - Meus pais estão congelados há poucos quilômetros daqui e você quer comer um CBO, e ainda pergunta qual quero? – Meus hormônios estão a mil, estou me alterando a todo instante.

 - Hei, calma Melina! Não pense que não estou mal com isso, eu também perdi o meu irmão, não foi só você. E diferente do que você imagina, também estou mal! Mas tenho um grande autocontrole, e estou tentando te ajudar. Você não come a mais de 24 horas, daqui a pouco vai parar no hospital. E por você ser uma adolescente, pensei que gostaria de comer um sanduíche do Mc’Donalds. Mas se não quiser, tudo bem, você come algo em casa, porque de qualquer jeito, você vai comer. – Me sinto mal depois de tudo o que ele fala, me lembrando que ele é meu tio, e também lembrando meu estômago da fome.

 - Desculpa. – Digo. – McQuarteirão. – Sussurro, e vejo um pequeno sorriso brotar em seus lábios.

 - Salada ou batatas? – Ele pergunta.

 - Batatas. – Respondo prontamente, o que menos preciso agora é de algo light. Ele recolhe o pedido, me entrega e guia o carro um pouco mais à frente, liberando a fila que já se formava, e encostando novamente para poder comer.

 Mastigo com vontade, mas sem sentir o sabor que sempre amei. A coca desci rasgando por minha garganta, mas meu estômago se sente satisfeito, com tudo isso. Rodrigo não gasta nem meia hora, e liga o carro, antes perguntando se eu me importava de comer com o carro em movimento. Neguei e seguimos. Depois de exatos vinte e cinco minutos ele entrou em um prédio luxuoso que deve ter uns sessenta andares. Ele estacionou o carro, e eu ainda não terminei de comer.

 - Vamos? – Concordo e saio do carro com o lanche na mão. O sigo até o elevador, e o vejo digitando o número trinta. Nunca tive medo de altura, mas também nunca morei no trigésimo andar. Jogo o lixo fora, e fico somente com meu copo de 500ml de coca, que parecem não acabar nunca.

 Assim que o elevador para, ele apóia a mão em meu ombro me guiando até a segunda porta a esquerda. Ele destranca a porta e faz um gesto para que eu entre primeiro.

 Pergunto-me com quem ele mora, pois o apartamento é bem grande, e com mais de um andar, percebo ao ver uma escada. Ele com certeza é rico, pois nada aqui tem aparência barata. Desconfiei disso no instante em que ele estacionou o carro. Ou ele tem uma empregada, e deve ter, ou então é bastante organizado, pois não há nada fora do lugar.

 - Recebi a notícia ontem à noite, por isso fui te ver só hoje de manhã. Tive que procurar um decorador que trabalhasse àquela hora, o que foi muito difícil tive que pagar o triplo, mas valeu a pena. Seu quarto está pronto. – Ergo minhas sobrancelhas.

 - Meu quarto? – Ele fia ruborizado.

 - Você vai morar aqui agora, Melina. Vem, vou te mostrar. – Subo a escada desanimada, mas ainda sim encantada com tudo. Ele para em frente a uma porta e pede para que eu abra.

 Giro a maçaneta, e me deparo com algo que me deixa bastante sem graça. O quarto está simplesmente perfeito! Tudo em seu devido lugar há uma cama de casal que parece ser bem fofa, um ‘pufe’, uma mesinha com notebook, alguns livros e um microsystem.

 Na parede oposta à cama, uma grande tv de plasma na parede, e duas portas lado a lado, que ele insiste que eu abra. Faço sua vontade e me deparo com um banheiro com jacuzzi, e com um closet. Sinto-me pior ainda. Como vou agradecer tudo isso? Ele se esforçou tanto para deixar tudo ótimo para mim, e eu não consigo me animar. Antigamente eu teria soltado fogos por não ter de dividir o banheiro com a Marina, mas agora, daria tudo para tê-la aqui. Suspiro e me sento na cama.

 - Nem sei como agradecer... Não precisava de tudo isso Rodrigo...

 - Não gostou? Eu deixei o quarto todo branco por não saber sua cor preferida, mas é só falar, que ele terá a cor desejada por você. – Ele pergunta desanimado.

 - Não, claro que não. Eu amei, está tudo... Incrível! E eu gostei dele assim, branco, me traz calma... É só que... Como vou te agradecer? – Ele sorri e se senta ao meu lado.

 - Talvez se animando um pouco, quem sabe. – Dou um sorrisinho de lado.

 - Obrigado, e desculpa por te dá tanto trabalho. Mas, eu... Não sei se vou conseguir me animar. – Começo a chorar mais uma vez, e ele me abraça, meio desajeitado, mas me confortando. Fico feliz, pois ele tem um abraço parecido com o do papai. Ficamos um bom tempo assim, e então me separo dele, constrangida. Ele também fica sem jeito.

 - Eu vou pedir à Janaína que busque suas coisas, enquanto não compramos coisas novas, para você poder tomar um banho e descansar. – Concordo, e ele sai deixando-me sozinha com meus lamentos.

 Passo os olhos por todo o quarto novamente, e me surpreendo por não ter visto um porta-retrato. Aproximo-me e coloco as mãos no rosto com a surpresa. É uma foto em que estamos todos nós: Papai, mamãe, Marina, Rodrigo e eu, deitada em seu colo. Pego-o e me deito abraçada com ele, lembrando do quanto perdemos tempo com desavenças enquanto poderíamos apenas ter amado. Olho para a janela e vejo que está escurecendo. Dou um pulo quando alguém bate na porta.

 - Entra... – Digo com uma voz melancólica, que se apossou de mim.

 - Boa noite dona Melina. – Me assusto e me viro. Pensei que era Rodrigo, mas na verdade é uma mulher bem bonita, de pele negra e olhos cor de ébano. – Eu trouxe as suas coisas. – Ela tinha uma grande caixa nos braços. Ela a colocou em cima da cama, voltou até a porta e trouxe uma mala. – Aqui estão os objetos que consegui trazer, e na mala algumas roupas. Não deu pra pegar todas, mas o Dr. Rodrigo disse que não precisava, pois iria comprar roupas novas, logo. Ele disse para eu pegar pijamas, e foi isso que peguei. – Concordei, engatinhando até a mala.

 Abri e fiquei feliz ao ver meus moletons todos ali. Peguei o meu favorito, na cor preto, minhas roupas íntimas e corri para o banheiro. Apesar de tudo, eu estava me sentindo suja, e sempre tomo banho quando passo por alguma dificuldade, além de me confortar o banho me fortalece. Lava as coisas ruins que passei no dia.

 Aproveito a chance, encho a banheira de água bem quente. Tiro minha roupa, depois de verificar que a porta está trancada, e deito, sentindo prazer e dor ao mesmo tempo. Tudo o que aconteceu volta em minha mente como se eu os tivesse vendo agora, em uma televisão. Mais um nó se forma em minha garganta e o esperado acontece. Volto a chorar.

 Eu deveria estar morta. Não é justo eles partirem e eu continuar aqui, no meio de toda esta riqueza. Não é justo. Afundo minha cabeça e decido não emergir. Começo a me sentir sem fôlego começo a desfalecer e então acontece algo inesperado. Vejo as faces vermelhas da mamãe, brigando comigo. Levanto a cabeça na mesma hora, mas ela desaparece. Respiro com dificuldade. Sinto-me triste, desolada, incompleta, como se estivesse morta, mas ainda sim sendo obrigada a respirar. Recosto minha cabeça na almofada e fecho os olhos.

- Melina? – Abro os olhos e vejo mamãe encostada na banheira ao meu lado.

 - Mamãe! Ai meu Deus mamãe! – Salto da banheira e agarro seu pescoço, abraçando-a com toda a força que tenho. – A senhora não vai acreditar, tive um pesadelo horrível, onde você, papai e Marina haviam morrido, e... – Olho em seus olhos e noto uma ponta de tristeza. – O que foi mamãe?

 - Não foi um pesadelo, querida, infelizmente não foi. – Franzo o cenho, e sorrio desdenhosa.

 - Então como a senhora está aqui? – Digo ainda sorrindo.

 - Isso não importa querida, você só precisa me escutar, certo? – Mordo o lábio, como se estivéssemos no meio de uma brincadeira engraçada.

 - Estou ouvindo. – Encorajo-a a continuar.

 - Marina, Nigel e eu estamos bem. Gostaríamos de estar com você, mas chegou nossa hora querida, é algo que você tem que aceitar. Concentre-se em você, e na nova vida que você terá de levar. Você é uma pessoa madura, sei que consegue se virar muito bem sozinha, mas não negue ajuda de quem te quer bem.

 - Porque a senhora está falando este tipo de coisa? – Questiono, desentendida.

 - Você vai entender. Não posso mais ficar. Eu te amo querida. Nós te amamos. Fique bem. Seja forte. – Ela começa a desaparecer lentamente, como uma fumaça que se dissipa.

 Caio na água e acordo espantada, quase me afogo, seguro firme na beirada da banheira, abraçando-a, até ter certeza de que não me afogarei, e de que isso não é um sonho. Lembro de cada detalhe da mamãe, e de tudo o que ela me disse, e fica na dúvida se aconteceu ou se foi um sonho. Com medo de mim mesma, resolvo sair. Seco-me, visto meu moletom e penteio meu cabelo com total desânimo.

 - Dona Melina? – Ouço a voz da mulher bonita, e me apresso em abrir a porta do banheiro e do quarto, onde ele bate.

 - Oi? – Respondo.

 - Estou aqui para avisar que o jantar já ai ser servido. – Faço biquinho e dobro os dedos do pé. Balanço a cabeça negativamente.

 - Obrigado por avisar, e desculpe por lhe dar este trabalho, mas não quero jantar. – Ela me envia um olhar compreensivo.

 - Você não pode ficar sem comer querida. Você acha que seus pais ficariam felizes em ver que a filha deles está assim, com essa carinha triste, sem comer? – Olho para o chão, lembrando-me deles, e do sonho que acabei de ter.

 - Tudo bem, espera só... – Calço minha havaiana e volto, fechando a porta à minhas costas. – Qual o seu nome? Pergunto acompanhando-a.

 - Janaína. – Balanço a cabeça pensando no quanto sou boba, Rodrigo a mencionou há poucas horas.

 - Escuta Janaína... Não precisa me chamar de dona. – Ela olha para mim e sorri.

 - Não sei se me permite, mas... – Ela olha para os lados para ver se estamos sozinhas e sussurra. – Essa casa estava precisando de uma garota, você vai ser como um raio de sol em uma tempestade. – Franzo o cenho, sem entender o que ela quis dizer com isso. Eu estou mais pra raios e trovões do que um raio de sol.

 Descemos a escada, passamos pela sala de tv e chegamos à sala de jantar, onde há uma mesa de seis lugares, e três pratos. Eu já ia perguntar a Janaína quem jantaria comigo e com Rodrigo, mas ela já não estava mais aqui. Sentei na cadeira à esquerda e esperei.

 - Por favor, ao menos hoje seja educado. – Ouvi a voz de Rodrigo, mas dessa vez um pouco alterada. Ouço outra voz reclamar algo que não entendo, e então os passos se aproximam, curiosa para saber com quem Rodrigo falara, viro-me no exato momento em que um garoto bonito de olhos verdes e bochechas rosas passa por mim e se senta na minha frente. Rodrigo está logo atrás e se senta ‘entre nós’. O garoto mantém a cabeça baixa, ignorando meu olhar constante, que não consigo evitar.

 - Melina, querida! Fico feliz que tenha aceitado jantar conosco. – Forço um sorriso, mas logo volto a ficar séria. – Esse é o Vítor Hugo, meu filho. – Minhas sobrancelhas se erguem tanto que fico surpresa por ainda estarem na minha testa. – Vítor! – Olho para o garoto, que pela primeira vez olha para mim. Ele ergue uma de suas sobrancelhas, pelo que parece ser um comprimento, e eu dou um meio sorriso. Rodrigo suspira e pede para Janaína que sirva o jantar.

 Ficamos calados, sem dizer uma palavra sequer o jantar inteiro. Volta e meia Rodrigo envia olhares reprovadores ao filho, que ignora a todos. Fico apenas observando. Penso no que Janaína disse e no modo como eles estão se tratando aqui. Acho que a relação deles de pai e filho não é muito boa. Penso em meu pai, e meus olhos automaticamente enchem de lágrimas. Abro os olhos o máximo possível na tentativa de não deixá-las cair, mas não dá muito resultado. Rodrigo me olha e logo deixa o talher de lado.

 - O que foi Melina...? – Ele parece não saber o que fazer. Balanço a cabeça negativamente e aceno para que ele continue seu jantar, Vítor prende seu olhar em mim por bastante tempo, até eu me virar para ele.

 - Desculpa Rodrigo, eu não... – Levanto e caminho o mais rápido possível de volta para o meu quarto. Fecho a porta e me deito, deixando que as lágrimas fiquem a vontade.

 Mais uma noite durmo em meio às lágrimas. Acordo e levo algum tempo para me estabilizar. Suspiro ao lembrar de tudo. Tive pesadelos novamente, mas desta vez não acordei gritando. Ainda bem. Sinto-me muito mal dando tanto trabalho ao Rodrigo. Fico um bom tempo pensando em tudo. Olho para o relógio em cima da escrivaninha e me assusto ao ver que já são onze e meia. Fico lembrando de Rodrigo e Vítor. Eles não podem ter uma relação assim, digo isto por experiência própria. Nunca se sabe o que pode acontecer de um dia para o outro. Penso mais no sonho que tive com a mamãe e imagino se aquilo foi algum tipo de aviso. De certa forma, faz muito o tipo da mamãe, pedir para que eu fique bem e me conforme com tudo isso. Talvez se eu me distrair... Como posso pensar nisso? Cubro meu rosto com o travesseiro.

 Mas acho que sei algo que posso fazer que irá me entreter, e ajudar quem só me ajudou até agora. Vou dar um jeito de melhorar a relação entre Rodrigo e seu filho! Mas antes, tenho que pensar na minha família. Levanto, calço meu all star preto, uma calça jeans, blusa de manga e casaco também pretos. Fico grata por Janaína ter trazido essas roupas. Por preguiça de pentear o cabelo, faço um rabo-de-cavalo, e desço, na esperança de encontrar Rodrigo, e comemoro ao vê-lo sentado no sofá com um olhar vago.

 - Rodrigo? – Chamo acanhada. Ele parece voltar ao mundo real, pisca algumas vezes e se vira para mim.

 - Ah, bom dia Melina, dormiu bem? – Lhe mando um olhar descrente como quem pergunta ‘Sério que você acredita nisso?’. Ele fica ruborizado, e bate no sofá ao seu lado, para que eu me sente. Sento-me e resolvo perguntar logo de uma vez.

 - Quando vai ser o velório e o enterro? – Minha garganta se fecha, mas estou disposta a não chorar. Mamãe fez um pedido, e vou agradá-la. Serei forte. Ele é pego de surpresa.

 - Bom... Fico grato por ter perguntado, estava mesmo pensando em como lhe dizer isto. – Aceno positivamente e ele continua. – Marquei o velório para as cinco horas, e o enterro às sete. – Desconto a vontade de chorar em meu lábio inferior, o mordendo tão forte, que corre o risco de cortar.

 - Mais uma vez, obrigado! – Ele balança a cabeça negativamente.

 - Obrigado você por estar aqui. – Fico corada e olho para a escada assim que ouço passos. Vítor olha rapidamente para nós, e segue para a porta. – Hei, Vítor, que modos são estes? – Ele ignora e gira a maçaneta. – Vítor Hugo, volte aqui e fale com a Melina! – Ergo as sobrancelhas e sussurro que não é necessário, mas já é tarde. Vítor está voltando. Ele vem até a minha frente, se ajoelha, pega minha mãe e a beija, deixando-me da cor de um pimentão.

 - Bom dia Melina! Como vai? – Olho para ele e percebo ser tudo um teatro sarcástico para irritar o pai, e isso me deixa brava. Como ele pode tratar um pai tão generoso assim? Retiro minha mão e dessa vez eu envio um olhar reprovador.

 - Isso não é necessário, e você sabe disso. Eu pai só quis dizer que as vezes é bom ser educado com as visitas. – Quando percebi já tinha dito. Ele se levanta e retruca de primeira.

 - Ah, então você é visita? Fico feliz em saber que não vou ter uma pirralha em casa, adotada. – Fico boquiaberta.

 - Vítor, olha como fala com ela. – Rodrigo diz alto, recebendo um olhar furioso do garoto, logo depois de mim.

 - Tudo bem Rodrigo! – Digo a ponto de chorar mais uma vez. – Garoto mal educado, mesquinho! – Jogo em sua cara.

 - Se manca garota, você nem me conhece. – Olho para ele, indignada, ele segura o olhar por bastante tempo e sai, sem se importar com os gritos de Rodrigo, para que volte e peça desculpas.

 - Deixa ele Rodrigo, eu não ligo. – Ah, ligo, e como ligo.

 - Peço desculpa por ele Melina, não sei o que há de errado com esse garoto. Vamos, o almoço já vai ser servido.

 Não muito diferente de ontem, comemos em um monótono silêncio que aceito com prazer. Consigo comer tudo, e ainda a sobremesa. Fico parada, sem saber o que dizer ou fazer depois que termino.

 - Você deveria descansar mais. – Diz Rodrigo, tirando-me de meus pensamentos, suspiro e concordo.

 - Você devia fazer o mesmo. – Digo me levantando e voltando para o meu quarto. Tiro o tênis e deito. Viro de um lado para o outro, mas não consigo dormir, então resolvo ficar quietinha, só pensando na vida.

 Resolvo ligar a televisão. Pego o controle e a ligo, passando de canal em canal, até que algo me chama atenção e paro em um jornal, que noticia o acidente acontecido há dois dias. Assisto a reportagem do início ao fim, e fico sabendo agora como aconteceu tudo. O carro deslizou devido à pista molhada, e caiu em uma ribanceira. Pergunto-me como pôde não ter tido machucados graves, só arranhões, e terem morrido. A repórter noticia que a causa da morte foi a força da batida, o impacto. Minha respiração fica descompassada. Desligo o televisor e enterro meu rosto no travesseiro.

 O tempo pareceu voar. No mesmo instante que deitei na intenção de descansar, mas na verdade só chorei mais e mais, já estava aqui, ao lado de Rodrigo recebendo abraços e pesares. Não consigo tirar os olhos dos três caixões à minha frente. Eu já tinha ficado bastante tempo ao lado de cada um deles, me despedido, conversado e pedido desculpas. Depois que falei com eles, senti como se algo tivesse acolhido meu coração. Sorri para eles, e prometi à mamãe e ao papai que não ficaria chorando por todos os cantos, que seria a garota forte que eles criaram. Depois disso fiquei recebendo os abraços com Rodrigo, e então meu coração se sentiu mais acolhido ainda quando vi Belinda entrando. Sei que há pouco prometi não chorar, mas quando ela me abraçou tudo desabou.

 Ficamos abraçadas em silêncio por bastante tempo, até que a soltei. Olhei para seus olhos e vi que ela também tinha olhos marejados, mas não chorou nem por um segundo. Ela passa a mão por meu rosto, secando algumas lágrimas.

 - Ah Melina... Sinto tanto! – Aceno positivamente, e ela dá de ombros. – Desculpa, eu... Nem sei o que dizer queria te confortar, mas... – Eu a abraço novamente, e ela me passa força, coragem. Quando nos separamos novamente, sinto um pequeno salto em meu peito.

 - Melina! – Mais uma vez desabo, mas desta vez nos braços do Bernardo. Sinto-me tão acolhida em seus braços. Por um momento é como se tudo tivesse acabado. Tudo voltasse ao normal, ou simplesmente, a dor passou. E então ele me solta e Giselle se aproxima. – Vai ficar tudo bem! – Bernardo diz acariciando meu cabelo, antes de me soltar.

 - Sinto muito Melina! – Diz Giselle me abraçando. Por mais que eu tente, não consigo abraçá-la com carinho. Desvencilho-me rapidamente, e agradeço.

 Depois disso, eles dois saem abraçados para o canto extremo do salão. Depois de ser abraçada por todos ali presentes, chegou a hora. A hora de me despedir definitivamente.


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Notas finais do capítulo

Mereço reviews? Espero que sim, e espero que muitos, soooooonha Polyana! Ok, é isso, diga tudo o que acharam, tudinho, fico feliz por estarem lendo, e mais uma vez, obrigado s2



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