A Indomável escrita por dona-isa


Capítulo 8
Capítulo VII - Menina Má




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Me arrastei desorientada por horas e mais horas, seguindo pela calçada de paralelepípedos. Buzinadas me perseguiam por todos os lados, eu tentava não me envergonhar com o fato de estar semi-nua com minhas roupas chamuscadas.
Não sei o que me guiou mas fui impulsionada ferozmente até uma unidade policial que havia ali perto e parei diante a porta, não sabendo de entrava ou não, se entrasse o que eu diria? E se não entrasse o que pensariam?
- Hey! O que está fazendo aí menina? - um policial surgiu diante do capacho da porta, antes que eu fosse embora.
Me virei pra encará-lo e pude ver ele se contrair e engolir em seco passando os olhos rápido pelo meu corpo.
- Quem é você?
Cruzei meus braços timidamente sobre meus seios, minha roupa estava em trapos.
Ele se aproximou, descendo os degraus da pequena escada de entrada.
Me senti idiota, mas não consegui evitar de chorar tudo o que eu tinha pra chorar.
- Hey. Não chore... Err... Venha pra dentro.
Entrei na pequena unidade que mais parecia uma casinha de segurança.
- Sente-se ali - ele pediu, apontando com o queixo para uma fileira de bancos acolchoados.
Eu fungava descontrolavelmente, tentando acalmar o choro enquanto ele me trazia um copo d'água gelada.
- O-bri-bri-gada - solucei.
- Me diga agora com calma, o que foi que houve.
- Clínica North... No-North Strong - continuei soluçando ridiculamente.
- Ohh - ele exalou com pesar, parecendo compreender o que eu dizia - Houve um mandado agora de uma viatura de bombeiros no local.
- Fogo - sussurrei abraçando ainda mais meus seios.
- Sim, eu sei - ele disse baixinho, definitivamente me tratando como louca, o que na verdade era o que eu parecia.
Abaixei meu olhar buscando minhas pernas chamuscadas meio à mostra e meus pés com unhas por fazer.
- Preciso... De rou-rou-pas.
- Oh claro que sim, entrarei em contato com um de seus familiares e pedirei pra que tragam suas roupas. Se não se importar.
- Familiares? - inclinei o rosto pro lado.

- Sim, algum responsável, um parente próximo, alguém.
- Alguém?
Naquele momento me vinha uma imagem nebulosa de uma mulher de cabelos escuros que dizia ser minha mãe. Pena que a imagem era tão fosca que eu mal podia distingui-la.
- Err... Bem, vejamos. Como é seu nome?
Franzi a testa, logo começando a tremer de frio e abracei meus braços, os esfregando.
- A-MÉ... A-MÉ-LIIE. - soletrei debilmente, tomando fôlego e tentando repetir sem pausas, porém saindo como se eu estivesse bêbada - Amélie Saaanserseen.
Ele arregalou os olhos e olhou para um monitor em sua frente.
- Sandersen?
- Izzoooo - sorri, batendo palmas de leve. Arrancando um sorriso estranho dele, que mais parecia uma careta.
- Filha de Oswald Sandersen?
- Oswald? Papai? - sussurrei pra mim mesma, sentindo um soco imaginário no estômago.
Uma onda de sanidade subiu minha cabeça como o efeito de uma tequila tomada de uma vez só.
- Papai - sussurrei caindo em prantos com o rosto entre as mãos, e meus ombros subindo e descendo rapidamente. Era a primeira vez até aquele momento que eu estava encenando realmente.
- Droga, espere aí um momento - ele bufou, saindo de trás da mesa e indo para uma outra sala. Discou algum número e pôs-se a falar rapidamente, mas dava pra distinguir as poucas palavras que saíam mais altas:
- Merda, não sei o que fazer. Como assim? Ela é completamente louca, foi umas das poucas se não tiver sido a única sobrevivente do incêndio da Clínica North Strong. Sim, senhor, compreendo.
Foi inevitável, andei na ponta dos pés até a porta da sala onde ele estava e o vi colocando o telefone no gancho, encostando a testa na parede. Ele estava tão próximo. Tão próximo... Que não pude evitar.
O acertei com minha mão metálica na nuca. Fiquei apreensiva quanto a respiração dele, não era minha intenção matá-lo.
Observei bem se não haviam câmeras e depois fui até a sala onde estávamos antes. E comecei a buscar freneticamente arquivos antigos.

Deslizei o scroll do mouse por cima de vários rostos masculinos. Inutilmente!
Demônios! Eu não me lembro do rosto de nenhum deles!
Me levantei da cadeira perturbada. Fiquei ainda mais perturbada o ver a data do dia de hoje no canto inferior da tela.
22 de junho de 2011!
Quase um ano se passou! UM ANO! A desgraçada da minha mãe sequer me ligou, ou me mandou uma carta ou seja lá o que fosse! Em quase UM ANO!
Arriei minhas costas na cadeira, colocando uma das mãos sobre minha testa, desolada.
Me desabei sobre a escrivaninha e chorei, eu era uma inútil perfeita, eu não sabia nem o rosto dos miseráveis.
"Você não sabe..."
Algo sussurrou em minha mente, me fazendo levantar o rosto num solavanco, arregalando os olhos a ponto de sentir que eles iam sair das órbitas. Olhei novamente para o monitor, sentindo minha mente clarear num estalo.
Deslizei meus olhos ritmados com o scroll do mouse tão rapidamente que chegava a ter velocidade inumana.
Seis rostos foram capazes de amolecerem minhas pernas.

Brian Phillips Rowland.
Daniel Brown
Charles Logan
Pietro Ottavio
Peter Torrence
E o último que pareceu olhar pra mim com olhar de volúpia lambendo os lábios, sem sequer se mover na tela do monitor: Benjamin Elliot

Fechei a janela, excluindo o histórico e logo em seguida saí em disparada, indo em direção ao subúrbio. Mal vendo a hora de começar logo o que eu tanto desejava, o que me movia e me fazia superar qualquer coisa que eu passasse naquela droga de clínica. Vingança, nada mais, nada menos que vingança!.

Me sentia levemente mais vestida graças à jaqueta de couro que eu havia pegado emprestada ou simplesmente roubado, do pobre guarda, que deveria estar acordando naquele momento.

A Eu de antes e a Eu de agora eram pessoas tão distantes uma da outra; eu me sentia tão imponente, nem mesmo a vergonha de minhas pernas a mostra me abalavam mais. Eu podia sentir minha coluna mais ereta, eu me sentia motivada, densa, muito mais corajosa e confiante que a Amélie de segundos, dias, semanas ou meses atrás, ou sendo mais exata, eu era muito melhor que a Amélie de onze meses e quinze dias atrás.
Entrei na viela de uma avenida movimentada porém escuríssima, uma avenida que certamente a Amélie de County Ville nunca, nuncaentraria sob hipótese alguma.
Ali costumava ser chamado de Canto de Anjos, mas só o que podia distinguir era cantos imundos infestados de prostitutas, moradores de ruas com seus olhares lúgubres nos perseguindo enquanto andávamos e homens mais imundos que qualquer canto daquela cidade.

Merda, o que eu estava fazendo ali? Era a pergunta que mais rondava minha cabeça naquele momento. Por um fato eu estava tão imunda e desprovida de qualquer atributo de vaidade que eu me misturava às outras criaturas daquele bueiro. Mas por outro fato, não conseguira ignorar que ainda haviam olhares que pousavam sobre mim.

Havia uma cafeteria aberta com um banner chamativo com luzes de neon que chamou minha atenção, e a atenção do meu estômago resmungando também.
Mas o que mais chamara minha atenção era uma garotinha sentada nas escadas em frente a porta da cafeteria.
Me aproximei dela. Podia notar que um cãozinho malhado lhe fazia companhia, igualmente magro.
- Merda! Que diabos você está fazendo? - dei um tapa em sua mão tomando uma siringa infestada.
Ela franziu o cenho pra mim, me encarando furiosa e ao mesmo tempo frustrada.
- Me devolva! - ela choramingou.
- Não - quebrei a siringa no meio e joguei num canto.
- Você não é minha mãe!

Suspirei revirando os olhos. Mãe, o que aquela palavra significava pra mim naquele momento?
- Sim - respirei devagar fechando os olhos - Não sou sua mãe, mas não quero que faça isso, pelo seu bem.
Ela torceu as sobrancelhas dolorosamente, se encolhendo. Pude ver um sinal de inocência no rosto pálido e pequeno, porém sumira quase tão rapidamente como surgiu.
- Você não sabe nada sobre mim - ela sussurrou, passando a mão sobre o cachorrinho sarnento que se espreguiçava esticando sua extensão magrela.
- Vamos embora daqui, vamos achar sua mãe.
- Não tenho mãe.
- Alguém que seja responsável por você então?

"Algum responsável, um parente próximo, alguém"
Pra quem eu queria mostrar capacidade? Eu era exatamente como aquela garotinha. Exatamente como ela.
- Não preciso da sua ajuda - ela virou o rosto de lado e fez um bico do tamanho do mundo.
- Ok! Então fique aí se matando, sua fedelha!
Me virei e caminhei em frente. Não demorou muito pra ela me seguir, com as mãos no bolso e emburrada olhando firmemente para o chão.
- O que foi? Mudou de ideia?
- Não. Quer dizer, pensei melhor e vou te ajudar.
Parei de repente bufando uma risada a olhando de cima a baixo.
- Me ajudar?
Ela olhou pra mim, parecendo uma adulta cheia de personalidade.
- Sim, você parece uma doida fugitiva de hospício.
Oh, parecia...
Bufei e balancei a cabeça continuando a caminhar.
- É sério, vou te ajudar. Venha comigo, te arranjarei umas roupas.
- Vai me arranjar roupas? Como?
Ela coçou a cabeça de repente.
- Na verdade eu não, mas minha tia vai te arranjar alguma, ela curte ajudar mendigos.
- Sua tia por acaso sabe das coisinhas que você anda usando.
- Se contar pra ela te deixo aqui pra ser estuprada - ela cruzou os braços me encarando com as sobrancelhas castanhas franzidas.
- Ok, vamos. Me mostre onde é.

-x- 
Éramos duas perfeitas desconhecidas, não sabíamos nada uma da outra, nem sequer os nomes.

Ela andava com seu fiel escudeiro ao lado, abanando a cauda e ofegando, os olhos baixos e as mãos no bolso de uma jaqueta de lona enorme e escura.
Eu a olhava pelo canto do olho, sem lhe perguntar nada.
Fomos cortando caminho por algumas construções abandonadas que só haviam estruturas de ferro enferrujado.
- Chegamos - ela murmurou apontando com o queixo para um bar lotado e barulhento.
- Você está brincando?
Ela revirou os olhos e entrou, seguida pelo cão.
Eu a segui, olhando em volta para o bar lotado de bêbados, fanfarrões e mulheres semi-nuas que se esfregavam com tanta vulgaridade no colo de cada bêbado que parecia ser a coisa mais natural do mundo.
O que mais me espantava era a naturalidade de como a garotinha lidava com aquilo, passando entre os bêbados e subindo uma escada de madeira que havia rente à parede do bar que ligava um segundo andar onde haviam alguns sofás e uma nevoa densa de fumaça de cigarro inebriante e sufocante.
Ela abrira uma porta e apontou com a cabeça pra que eu entrasse. E eu o fiz.
Uma sala com uma pitada nada sutil de decoração new age unida com um quarto começava a surgir dentre a fumaça dos fumantes do lado de fora. Velas, incensos, cortinas de miçangas, tapetes de cores vibrantes e puffs também de cores variadas espalhavam-se pelo lugar.
O cãozinho se deitara preguiçosamente sobre um tapete de crochê, enquanto sua dona entrava em um cômodo que era separado apenas por uma cortina de miçangas coloridas.
- Hey tia! Temos visita.
A garotinha saiu do cômodo e se jogou sobre um puff colorido. Segundos depois uma mulher alta e despojada surgiu dentre o tilintar das miçangas se batendo.
Ela clara, com cabelos compridíssimos e encaracolados, um tanto escuros e um tanto avermelhados, seus enormes seios eram adornados por um decote quase mais chamativo que os próprios seios.
- Olá - ela sorriu esticando os lábios cor de cereja.
- Oi - sussurrei timidamente.
- Não se acanhe, criança. Sente-se. - ela ordenou.

Me sentei em um dos puffs. Há quanto tempo eu não me dava o prazer de relaxar sobre algo macio?
- Sua... Sua sobrinha me disse que você poderia me arrumar algumas roupas e...
- Oh! - ela sorriu, dando uma sugada em um cachimbo de água de jarro colorido com a deusa indiana de seis braços desenhado - Lizie, não é minha sobrinha de sangue. Ela é mais como uma afilhada.
Lizie?
- Mas de todo o modo. Prazer, sou Tess.
- Prazer. Sou Amélie - estiquei meu braço pra pegar sua mão.
Ela se senta em uma poltrona ao meu lado.
- Lizie, vá pegar um chá pra nós, por favor.
Assim que a garotinha sai, ela me sorri com o canto dos lábios vermelhos.
- Você e diferente de todas as minhas garotas. Você definitivamente não tem cara de que faz esse tipo de coisa.
- Tipo de coisa? - arregalei os olhos.
- Sim, você parece uma madame, mesmo usando trapos, você ainda mostra que tem classe. Não parece com nenhuma das garotas que eu tenho por aqui, tem certeza de que quer um trabalho?
De repente tomei entendimento do que ela queria dizer, vendo flashes de cada mulher lá embaixo sentada no colo daqueles bêbados.
- Oh, não! Eu não quero isso.
Ela sorriu, afundando na poltrona.
- Imaginei.
- Eu só - respirei fundo - Eu só preciso de roupas. Tenho alguns planos e não posso perder muito tempo.
- Planos? - ela perguntou desinteressada, soltando uma fumaça com cheiro adocicado pelas narinas.
- Sim, uns assuntos que preciso resolver.
Ela sorriu. Os olhos castanhos de repente pareciam tão confiáveis.
- Cuidado com o que se mete, criança. Você pode acabar se metendo em um buraco tão fundo que nem eu nem ninguém pode te tirar - ela suga novamente o cachimbo e solta a fumaça pela boca formando círculos no ar - Me diga os nomes.
Arregalei os olhos. Por um momento parecia que ela tinha lido os meus pensamentos de algum jeito.
- Como?
- Eu conheço esse brilho nos olhos, muitas pessoas como você já me encontraram. Assim como você. Procurando vingança...

- Como você sabe o que eu quero? - perguntei hesitante, me afastando.
Ela pareceu distante por um momento, a confiança sumindo e reaparecendo em seus olhos.
- Eu simplesmente conheço pessoas como você. Por isso tome cuidado pra não acabar se estrepando. É só isso que digo.
- Daniel Brown, Pietro Ottavio, Brian Phillips Rowland,Charles Logan,Peter Torrence e Benjamin Elliot, esses nomes lhe são familiares?
Pude notar ela estremecer ao ouvir o último nome.
- Sua idiota! É loucura mexer com esse tipo de gente, eles são todos de elite, filhos de quem manda e desmanda nessa cidade. Você não sabe onde está se metendo garota!
Franzi minha testa e meus lábios, apertando minhas mãos em punhos.
- Você não sabe o que eu passei. Nada, nada, mais me importa, nem minha vida vai valer alguma coisa se eu não tiver vingança. Tudo o que eu passei vai ser tudo em vão.
Ela parou de repente, me encarando com as sobrancelhas desenhadas torcidas.
- Você é uma garota de fibra - ela deu um sorrisinho de leve balançando a cabeça, enquanto eu limpava minhas lágrimas na manga da jaqueta que eu usava - É uma pena que não queira trabalhar pra mim.
- Você pode me ajudar? - perguntei rispidamente.
Ela se levantou e andou devagar, exibindo formas grandiosamente esculturais. Era impressionante o fato dela ser muito mais atraente que qualquer uma de suas funcionárias lá embaixo.
- Me siga - ela disse, entrando no quarto de cortina de miçangas.
Entrei, nem me espantar com a decoração do quarto que era ainda mais gritante que a da sala. Ela jogou algo escuro sobre a cama.
- Vista isso.
Olhei para aquilo tentando evitar não torcer os lábios.
- Está falando sério.
- Prefere ficar nua? - ela me olhou erguendo uma sobrancelha e abaixando sutilmente o rosto.
- Ok - peguei aquilo e me troquei ali mesmo.

Me sentia mais quente, ela me dera botas de cano alto, uma calça preta justíssima e uma blusa preta de cola alta.
- Tome isto - ela tirou do decote um cartão.

- Esse cara pode lhe ajudar, ele é um antigo cliente meu do tempo em que eu ainda não era patroa - ela olhou com satisfação pra mim sorrindo alegremente - Mas só não diga que não lhe avisei sobre a loucura que está prestes a fazer.
- Não se preocupe comigo - murmurei, pegando o cartão e passando os olhos rapidamente por ele.
"Johnny Guns". Eu então entendi o que ela quis dizer quando disse que ele podia me ajudar.
- Obrigada, Tess - murmurei, realmente grata àquela mulher que eu mal conhecia.
- Quando mudar de ideia quanto à trabalhar aqui me procure - ela sorriu.
Passei pela sala, onde Lizie equilibrava uma bandeja com chá.
- Hey, onde você vai? - ela resmungou indignada.
Me virei. A olhando por um longo momento. Os olhos grandes e castanhos, o cabelo cor de caramelo preso por duas maria-chiquinhas soltas, a estrutura pequena e delicada, todas essas características me fizeram imaginar por um breve momento como teria sido uma filha minha e de César.
- Vou resolver a minha vida - respondi simplesmente.
Sorri e simplesmente dei as costas.


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