A Indomável escrita por dona-isa


Capítulo 7
Capítulo VI - Reflexo




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- Amélie. Améélieee - a voz cantarolava num ambiente cavernoso de minha mente, podia notar pelo eco que a voz causava.
- Quem é você? - sussurrei derrotada, suando frio. Eu estava submersa num vazio negro profundo.
- Venha comigo, amor - ela sussurrava numa voz doce e venenosa.
- Não - relutei num suspiro, tombando de lado no vazio escuro, eu tinha a "quase-certeza" de ter um chão abaixo de mim.
- Vamos - ela cantarolou novamente - Você e eu. Eu sou tudo o que você precisa nesse momento.
- Eu não preciso de ninguém - me deitei de barriga pra cima, colocando uma das mãos sobre minha testa. Sentindo meus dedos molhados de tanto suor que minha testa produzira.
- Precisa sim - ela gargalhou no meio do nada. Virei meu rosto para o lado e pude observar a pequena mulher que se sentara à minha frente, ela abraçava os joelhos, uma camisola igual a minha, branca e pelo modo como ela se sentava aparecia uma parcela de sua calcinha que também era a mesma que eu costumava usar.

- O que você quer? - perguntei sussurrando. Minha voz não saia como eu queria, diabos!
Ela tinha o rosto abaixado, e a resposta demorou pra vir, cheguei a pensar que ela era apenas uma boneca. Até que ela levanta os olhos pra me encarar. Sorrindo com os olhos arregalados e causando o mesmo efeito nos meus.
- Você precisa de mim, Amélie. De quem mais você precisaria se não fosse de você mesma?
Ela se arrasta até a mim, com os cabelos cobrindo uma parte do rosto.
- Não se aproxime - eu sussurro, me levantando e me sentando.
- Você é um doce, é educada, refinada, sabe se vestir. Mas isso não será suficiente pra te tirar daqui. Você precisa de mim.
- Não! Eu não preciso - esguelhei alto me engasgando na saliva.
Ela sorri, desta vez suave e sedutora se aproximando do meu ouvido.
- Você precisa de mim. Porque eu te amo. E você também me ama.
Em seguida ela lambe o lóbulo da minha orelha, acariciando meus cabelos, afastando o rosto e me mostrando uma sósia, minha. Uma sósia perfeita.

- O que você quer? - perguntei trêmula, olhando apavorada pra seu rosto, enquanto ela me olhava com volúpia, passando os dedos pelos meus cabelos embaraçados e já sem vida pelo fato de ter sido obrigada a abandonar o shampoo, e o condicionador? Bem... Esse nem lembrava mais que um dia existira em minha vida.
- Não precisa ter medo de mim. Eu sou a sua salvação, e você sabe disso - ela sorriu com malícia.
- Me deixe em paz - murmurei entredentes dando um tapa livrando a mão dela, e ela simplesmente a segurou no ar.
- Eu sou mais forte que você. E um dia você vai ceder.
Ela soltou meu braço e depois ficou de joelhos em minha frente, as feições que antes eram de malícia, agora era de um sorriso infantil, travesso, e suplicante.
- Venha comigo. Por favor, venha comigo, Amélie.
Me enrijeci, franzindo os lábios. Ora me sentindo horrorizada com o fato de como eu poderia parecer sombria e assustadora, ora me familiarizando aos poucos com a proposta dela, me deixando levar mesmo sendo o mais irredutível possível.
Quando esticava minha mão até pegar na sua, assistindo de soslaio seu sorriso de êxtase.
Fui aproximando lentamente, tão lentamente que podia até jurar ouvir um suspiro de impaciência. Até que...


- Sua comida! - ouvi um berro lá de fora, era a voz de Ruby, a enfermeira mais puxa-saco do novo diretor.
Acordei com uma ultima visão de minha mão erguida no vácuo em uma escuridão densa.
E então eu estava a vida real, uma portinhola minúscula onde passavam meu prato de "comida" meus braços estavam presos mas eu já havia me acostumado a comer sem as mãos. Mas naquele momento eu não tinha fome.
Empurrei o prato num canto com a ponta dos pés e me encostei na parede.

"É para o seu próprio bem, Amélie"
As palavras do diretor ecoavam em minha mente, enquanto eu re-assistia sua expressão de satisfação enquanto me colocavam uma camisa de força.
"Logo você estará curada, e limpa! Você estava se arranhando demais e precisava disso"

- Curada e limpa - bufei comigo mesma carregando a frase em sarcasmo.

Me arrastei pelo quarto que tinha a intenção de ser branco, porém mais parecia um bege com marcas de urina e algo chamuscado e me deitei no chão, olhando para o teto.

- Amor, está tudo bem? - César me perguntara enquanto acelerava seus movimentos sobre mim, e vendo que provocara um suspiro longo e um gemido.
- Está tudo bem - respondi beijando seu ombro e pedindo pra que continuasse.
E atendeu prontamente, cruzando seus dedos nos meus e retomando a velocidade.
Eu olhava para o teto, embalada com seus suspiros e arfares.
Ele deslizava para o meu lado sorrindo e agora olhando para o teto também.
- Lizie - ele murmurou.
- Hm? O que?
- Se tivermos uma menina o nome dela será Lizie.
- Hey seu malandrinho, você acabou de encomendar nossa filha? - brinquei.
Ele sorriu e balançou a cabeça.
- Não sou tão rápido assim, preciso de uma receita pra que ela fique perfeita.
- E o que você anotaria na receita?
Ele virou o rosto pra me encarar e murmurou entre um sorriso do qual eu amava.
- Iria ter seus olhos que parecem duas jabuticabas, seu narizinho pequeno e seus lábios rosados. No mais acho que ficaria feliz se ela tivesse um pouco de mim - ele riu.


- Lizie - sussurrei baixinho, deitando de lado e simulando um abraço em minha pernas, mesmo não tendo braços pra abraçá-las.
Tentei ao máximo evitar as lágrimas que caíam, mas eu precisava expelir aquilo de alguma forma. E a forma mais sensata que me pareceu foi gritar. O mais alto que eu pudesse.
Ignorei a câmera que eu sabia que me observava, e ainda mais. Ignorei quem me observava.
Chamei por César durante uma noite inteira. Gemi, gritei, solucei, chorei até sentir que estava esgotada. Completamente esgotada.
Aquele sorriso do qual eu amava, brincalhão saindo pelo canto dos lábios. Eu nunca, nunca mais iria ver.

Eu me sentia extremamente dolorida, meus braços formigavam dentro da camisa. Eu me sentia uma minhoca rastejando pelo quarto.
Fechei meus olhos por segundos à fim de tentar descansar, ou simplesmente fingir que dormi.

Abro os olhos novamente e vejo espectros brilhantes iluminando meu quarto frio, eram adoráveis, pareciam pequenos pássaros, feitos de água, porém eram vermelhos invés de transparentes.
Eles flutuavam sinuosamente pelo meu quarto, refletindo feixes de luz nas paredes almofadas do meu quarto.
Me aproximei deles, rastejando e piscando admirada pra eles, parecendo uma criancinha que via o mar pela primeira vez.
A quantidade deles iam aumentando consideravelmente, suas asinhas se batendo delicadamente num ritmo admirável.
Quem soltara essas coisas por aqui? Não parecia coisa do diretor, afinal ele só queria o meu sofrimento, e aqueles pássaros me traziam uma sensação de paz.
Os pequenos flocos de luz flutuantes em formato de pássaro iam se aproximando cada vez mais do chão do meu quarto, eram muitos, muitos deles, dezenas, centenas deles.
E quando o primeiro pássaro tocou o chão, ele entrou em combustão, sumindo em cinzas e depois aflorando uma pequena chama. Meu desespero só chegou quando os outros montes de pássaros tocaram o chão e tiveram o mesmo efeito. Só que centenas de vezes maior.
Me afastei, vendo a enorme fogueira que se rasgava em minha frente.
- CHAMEM OS BOMBEIROS! - gritava uma enfermeira lá fora.
Então realmente estava pegando fogo? Eu estivera tão acostumada com as minhas ilusões que começava a misturar o real ao irreal.
Me lancei contra a enorme porta do meu quarto, mas era inútil, as paredes eram isolantes de qualquer tipo de barulho e tinha o mesmo efeito com que eu batesse em borrachas.
O fogo dominava cada vez mais, se alastrando por todos os cantos do meu quarto e pelo que me parecia do lado de fora do meu quarto também queimava com a mesma intensidade.
Aos poucos que ia inalando a fumaça fui cedendo. Eu iria morrer ali.

-x-

Os estalos das chamas ficavam cada vez maiores e mais assustadores.
Apertei os olhos e tremeliquei no ritmo dos estalos altos. Até abrir novamente e uma mão me puxar para o alto, surgindo de um rasgado entre o farfalhar vermelho.

Poucos minutos depois me vi correndo descalço à todo pulmão, minha camisa de força se queimara e uma das minhas mãos estava livre. Eu corria desesperada com o meu braço livre, segurando algo que ora parecia ser o ar, ora parecia ser algo consistente e quente.
Caí de joelhos no gramada, assistindo de soslaio os estalos altíssimos virem de pequenas explosões que engoliam a clínica onde eu estava hospedada.
Demorei pra me recuperar totalmente da crise tosse, e quando finalmente abri meus olhos, já caída de costas na grama úmida da noite, pude distinguir com perfeição novamente meu rosto me sorrindo. Os cabelos pretos estavam caindo sobre o rosto pois ela estava abaixada sobre mim, mas ela sorria com muita motivação. Somente congelei segundos depois de dar conta do motivo de seu sorriso. Nossas mãos dadas, como se estivéssemos nos cumprimentando... Ou selando um acordo...



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