A Indomável escrita por dona-isa


Capítulo 5
Capítulo IV - Amigo




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-x- 
- E aí? O que houve? O que houve? - perguntei animada, sentada num banquinho de madeira no pátio da clínica.
Ele gargalhou uma risada grave e cansada.
- Seu pai pegou uma carpa, mas a maldita fugiu na mesma hora que ele puxou o anzol. A carpa pulou em seu colo, lhe deu um tapa com a cauda e logo depois saltou no mar novamente. Ficamos rindo disso por dias. Foi uma boa pescaria pra mim, eu peguei um lambari e três mini carpas, já seu pai ficou com o balde cheio de sardinhas minúsculas. - o doutor Pascoal gargalhou me contagiando.
- É, já está na minha hora. Preciso examinar outros pacientes, mas foi bom conversar com você, Amélie.
- Foi bom pra mim também, e muito obrigada pelas hospedagens, estou muito satisfeita.
- Enquanto eu estiver aqui pra cuidar de você, nada vai lhe faltar. Todos sabem através de mim de quem você é filha. - ele sorriu.
Assenti enquanto ele se levantava cm certo esforço, me levantei também pra ajudá-lo mas ele recusou minha ajuda, dando risada sozinho. E caminhou, tossindo como antes.
Não me preocupava tanto com isso, pois apesar de tossir muito ele ainda me parecia muito saudável, e sua amizade era imprescindível pra mim. Me animava, e me fazia esquecer de quase tudo.
Faziam cinco dias que minha mãe não me visitava, recebi uma carta apenas de meu tio, que disse que havia se mudado novamente, agora ele morava sozinho de vez. Me mandou muitos abraços e uma barra de cereal.

Mais uma semana se passara, e nenhum sinal de minha mãe. Já cansei de esperar o senhor Pascoal se retirar do meu quarto e chorar por longas horas seguidas, eu não conseguia entender nem parcela do motivo do seu abandono, sempre fomos boas amigas, eu sempre fui uma boa filha, nunca cometi nenhum erro com ela. Eu sinceramente não conseguia entender.
Meu quarto estava no escuro de praxe no qual eu costumava chorar, tanto pela minha mãe, como por César, que ainda não saía da minha cabeça.
A companhia de senhor Pascoal era a única coisa que me fazia me sentir bem naquele lugar, ele se propusera a arcar com quaisquer custo adicional com a clínica, e sempre me trazia boas recordações de meu pai. Até seu cheiro se assemelhava com o do meu pai, era tão reconfortante, tão familiar...
Me sentei na cama pra apreciar um pouco da Lua que pairava sobre a minha janela imensa. Era inacreditável, mas quando eu de repente parava pra pensar de verdade sobre a minha situação, me vinha a forma mais crua e verdadeira de como eu me encontrava e de como minha mãe me deixara: Num hospício.
Clínica era somente um nome adequado pra suavizar minha situação, mesmo sendo muito bem tratada e medicada contra qualquer tipo de depressão, eu ainda me sentia presa, tanto no sentido literal, físico, como no sentido psíquico. Eu sentia os bandidos andando soltos por aí e fazendo mais e mais vítimas, físicas, como o meu amor, César, e psíquicas, como eu, que nada mais aparento a não ser um enfermo mental preso num lugar apropriado.
Me estiquei na minha cama, tentando fechar meus olhos ou fazerem eles se pesarem por si só pra que não me deixassem pensar mais em nada que me afligisse.
Quando finalmente me sinto envolvida pelo sono, todas as luzes se acendem, e um tumulto abafado podia ser ouvido vindo do corredor.
- Rápido, chamem os enfermeiros! - diziam muitas vozes conturbadas.

Me levantei pra verificar o que estava acontecendo e abri suavemente a porta, espiando o que estava acontecendo no corredor.
Haviam muitos enfermeiros e enfermeiras amontoados em um ponto do corredor. Saí do meu quarto apreensiva, andando em direção ao tumulto de enfermeiros e aparelhos respiratórios que haviam no local e fui me infiltrando entre enfermeiros e outros pacientes que balbuciavam coisas sem sentido olhando a cena.
Entre o movimento pesado de pessoas de branco vi um homem se contorcendo com dificuldade em respirar, a única coisa que me chamara a atenção eram... Seus olhos claros, seus cabelos brancos e seu rosto amável...
- Senhor Pascoal! - chamei atrapalhada engolindo a saliva assim que levei uma cotovelada de uma enfermeira.
- Não se aproxime, ele teve um ataque - ela ralha comigo.
Ele abre a boca esticando uma das mãos pra mim, sua cabeça estava apoiada no braço de um enfermeiro.
- Deixe... Ela... Se aprox...
A enfermeira me encara torto e depois abre espaço pra que me aproximasse.
- O que houve com o senhor? - pergunto aflita olhando seu rosto suado e ofegante.
- Não consegui... Cumprir a promessss... - ele tosse muitas vezes seguidas, e eu seguro firme em sua mão, e ele então prossegue com dificuldade. - A promeeesssa que fiz ao... seu paaaai. Por isss... me... me desculpe - sua voz enfraquece a cada segundo.
Prenso os lábios firmemente derrubando lágrimas ao ver ele naquela situação.
- Por favor, aguente firme - sussurrei.
- Só me promet... que ... tome cuidado - ele tosse de novo, a voz rouca cada vez mais se esvaindo - Tome cuidado com ela... prometa pra esse velho que vai se cuidar.
- Com ela?
Ele tosse de novo, seguro ainda mais firme minha mão.
- Prometa pra mim... Pelo seu pai...
Franzo minha testa olhando dolorosamente seus olhos claros perdendo o brilho aos poucos.
- NÃO! Não vá! - apertei as pontas das suas duas mãos na minha mão de carne e osso e supliquei pra que ele não fechasse os olhos. Mas já era tarde.

Levo outro empurrão da mesma enfermeira e logo em seguida ela e outros enfermeiros o levam dali com urgência.
Fico estática no meio do corredor, sentindo minhas lágrimas molharem minha camisola larga e branca. Limpo minhas lágrimas esfregando meu braço em meu rosto e olho ao meu redor, todos os pacientes entrando em seus aposentos auxiliados por outros enfermeiros e me olhando de soslaio numa mistura de confusão e espanto.
Corro pra meu quarto e me jogo na cama embaixo de muitas cobertas, em posição fetal, abraçando meus próprios joelhos e imaginando que aquilo tudo não passasse de um sonho.
"- Minha mulher sempre quis me dar um filho - ele murmurava ajeitando os óculos na ponta do nariz enquanto admirava o gramado verde de nosso pátio, sentado ao meu lado no banquinho de madeira.
- E por que ela não teve?
- Na verdade tivemos - ele suspira por um breve segundo, tira seus óculos os limpa e depois os coloca novamente - Era uma menina, mas ela morreu na hora do parto, era prematura. Foi uma fatalidade, minha mulher nunca se recuperou totalmente, mas tentamos outras vezes.
Eu ouvia apreensiva enquanto ele dava pausas longas.
- Logo depois que perdemos nossa filha ela descobriu que tinha um câncer nos ovários, que a tirou de mim, assim como minha filha. Mas logo em seguida você nasceu.
Pisquei confusa e depois sorri.
- Quando fui visitar sua mãe no hospital, a morte de Angeline e de minha filha ainda era muito recente pra mim, por isso foi uma cena muito tocante. A vinda de um ser a esse mundo, você parecia uma bonequinha - ele murmurou entre risadas, e eu ainda estava perplexa com um sorriso idiota estampado no rosto.
- Acho que deve ser por isso que eu tenho tanta necessidade em te proteger, tanto pela perda das duas mulheres da minha vida, como pela amizade que sustentei por anos com seu pai.
Sorri admirada com as revelações dele, e logo depois ele me abraçou e me deu um beijo na testa, logo saindo, com seus cabelinhos brancos iluminados pelo Sol."

Me acordaram batendo em minha porta de repente.
- Vamos. Venha conosco - uma enfermeira gorda e louríssima com bochechas e nariz rosado me chamou.
Me levantei da cama e acompanhei a enfermeira que estava parada na porta.
- Não se preocupe com suas bagagens, nós as levaremos depois pra seu novo aposento.
- Novo aposento?
Ela fez que sim com a cabeça, me olhando de canto e me guiou pelo ombro, pelo extenso corredor semi-iluminado.
Ali era um frio cortante, eu só estava de chinelos e camisola de um tecido parecido com tergal. E aquele maldito corredor parecia não ter fim, logo depois descemos umas escadarias o que tornava ainda mais escuro e pouco iluminado e por fim ela abriu uma porta pequena de um quarto sem janelas.
- Bem vinda - ela murmurou sem expressão alguma.
- Como assim? - perguntei confusa, olhando para o quarto minúsculo de paredes de tinta descascando, uma cama de solteiro feita de ferro e uma privada sem tampo ao lado de uma pia baixíssima.
- Aqui é seu novo quarto, princesa. O diretor Sales faleceu e não tinha ninguém pra transferir sua conta na clínica, por isso você foi removida pra classe popular.
Ela bufa uma risada do canto da boca.
- Mas e minha mãe? 
Ela franze a testa me achando maluca.
- Que mãe? Ninguém nunca veio lhe visitar. Agora ande, entre nesse quarto antes que eu a jogue pra fora daqui!
Engoli em seco e entrei no quarto, ouvindo a porta se fechar e segundos depois se abrir novamente, cuspindo minhas bagagens pra dentro do quarto.
Novamente minha vida entrava em um rebuliço completo. Quando isso iria acabar? Quando essa mudanças drásticas iam cessar? Quando esses altos e baixos iriam acabar por completo?


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