A Indomável escrita por dona-isa


Capítulo 4
Capítulo III - Insanidade




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Corro pra dentro e engulo um copo d'água inteiro, me apoiando na pia da cozinha. Ofegante com o coração acelerado numa adrenalina de que como se eu acabasse de ser lançada numa montanha russa.
Meu tio entrara me olhando com as sobrancelhas franzidas, e minha mãe parou diante da porta, me fuzilando com os olhos.
- Eu... Preciso ir pro meu quarto - disse finalmente, passando a mão pela minha franja solta.
Antes que eu pisasse no primeiro degrau da escada minha mãe me pegou pelo braço, me arrastando até o sofá, me obrigando a sentar.
- Que diabos você estava pensando? - ela esbravejou olhando em meus olhos.
- O que?
- Não se finja de idiota! Olhe o que você acabou de fazer!
Esfreguei minhas têmporas, franzindo ainda mais a testa.
- Mas o que... Foi que eu fiz?
Minha mãe abana então a cabeça incrédula, olhando furiosa pra mim como nunca olhou antes. E me chacoalha pelos ombros.
- Pare de fingir, Amélie! Você não tem mais cinco anos!!
Me encolhi no sofá, olhando aterrorizada pra minha mãe.
- Eu juro que eu não sei o que eu fiz!
Ela se levanta, depois de ficar arcada sobre mim, andando de um lado pro outro na sala, colocando a palma da mão sobre a testa e balançando a cabeça.
- Você acabou de dar um tapa na cara de nossa vizinha, com a sua mão que você nem sequer sabe controlar. Ela quase teve o maxilar arrancado.
Pisquei horrorizada, ainda tentando assimilar todas as palavras da minha mãe.
- O... Que? Eu fiz... isso?
Ela olha derrotada pra mim, logo depois alternando pra uma expressão de deboche.
- Quer dizer que você não se lembra de nada disso?
Torço as sobrancelhas, tentando buscar em minha mente alguma atitude parecida com aquela, mas nada me vem. Eu lembrava de ter acordado, minha caixinha de música, ter ido pra fora, e de repente tudo fica nublado. E sem mais, eu já estava em casa novamente, e com os pés cortados de cacos de vidro.
Faço que não com a cabeça. E ela então ri escancaradamente.

Ela avança sobre mim, possessa, colocando as mãos sobre a testa.
- Então você não se lembra?!?! 
Meu tio entra entre nós, tentando acalmar minha mãe, e sussurra de costas pra mim:
- Vá para o seu quarto, Mely.
Com a boca entreaberta concordo com a cabeça, tropeçando em direção a escada e depois ao meu quarto.
Subi e deixei a porta quase aberta, espiando a conversa dos dois depois que eu subi.
- De novo... Tudo de novo - minha mãe sussurrava balançando a cabeça.
Meu tio a seguia percorrendo a sala inteira, tentando balbuciar alguma coisa.
- Você não está pensando em...- ele murmurava.
- Sim, estou pensando, sim.
Ouvi um bufar longo e cansado do meu tio. Era inútil, eu conhecia aquele bufar e sabia que ele estava tentando fazê-la mudar de idéia.
Ela então olhou pra cima, me obrigando a fechar a porta e cortar de vez o pouco que eu ouvira da conversa deles.
x-x
Meu dia já não começara bem, com um café frio sobre a mesa e nem um sinal de presença de minha mãe.
Girei a tampa da garrafa e soltei o café sobre minha caneca, dei um gole demorado e fiz uma careta e deixei a caneca de lado.
Vaguei pela cozinha até chegar janela da cozinha, que escurecia o cômodo inteiro pela cortina. A puxei de canto tentando ver se minha mãe estava do lado de fora, conversando com alguma vizinha.
Me distraí por um momento com um barulho na cozinha, que parecia ser um arranhado. Olhei pra trás e não vi nada. Tornei minha atenção para a janela e um vulto pisou na minha frente, me fazendo arfar de susto.
- Amélie? Você está aí? - ouvi a voz de minha mãe de repente, abrindo a porta da sala.
- Estou aqui, mãe - murmurei piscando algumas vezes. Impossível eu ainda ter efeitos de sedativos.
Ela caminhou até a cozinha, com uma expressão preocupada e centrada ao mesmo tempo. Notei que meu tio não a acompanhava.
- Precisamos conversar.

Minha mãe se sentou em minha frente e aos poucos eu fui vendo tudo em câmera lenta e suas palavras pesavam cada vez mais.
- Pensei muito no que anda acontecendo, e decidi te levar à uma clínica de um grande amigo de seu pai.
- Clínica? - repeti engasgada, caindo aos poucos sobre o sofá.
- Sim, será bom pra você passar alguns dias por lá pra descansar e se aliviar do trauma que você teve há tão pouco tempo, por isso achei que seria bom.
- Eu não sou louca, mãe - sussurrei com a voz desgastada.
Minha mãe se aproximou de mim, tentando tocar minha mão.
- O que você disse?
Engoli em seco e repeti, a olhando nos olhos, tentando apertar o máximo os lábios e segurar o choro.
- Eu não sou louca, mãe.
Ela sorriu sem humor, um sorriso tão forçado que parecia uma careta e atenuava ainda mais as rugas que ela tinha no canto da boca.
- Não disse que você é. Só quero apenas que descanse.
- Não quero descansar - respondi baixo demais, com a cabeça baixa demais. Maldita submissão à minha mãe que me impedia de olhar em seus olhos - Os assassinos... De César... Não... - soltei lágrimas misturando-se a minha frase.
- Eu sei, querida, nós vamos nos ocupar com isso. Se preocupe somente com seu descanso, você já passou por desventuras demais.
- Mas eu quero os encontrar, mãe.
- Eu já disse, Amélie. Está decidido, você irá pra clínica. Agora vá arrumar suas malas.
Fechei meu punho ao lado de meu corpo, eu tremia tanto que podia sentir minha cabeça latejar.
- EU NÃO VOU! - me joguei sobre minha mãe que me olhara apavorada com a boca aberta.
Sem sequer sentir minhas mãos estavam em torno do pescoço da minha mão, ambas equilibrando a mesma força. Mesmo uma sendo feita de metal.
- So... Corro!!! SOCORRO! - minha mãe esbaforia sem êxito, usando todo o ar do pulmão.
Ela repetia muitas muitas vezes o mesmo pedido, mas eu não ouvia nada, não via nada ao meu redor. Eu não era eu mesma.
- RÁPIDO! Coloquem na maca! - ouvi vozes gritando abafadas ao longe.

- Eu não vou ir pra lugar algum. Velha maldita! - cuspi as palavras entredentes enquanto me impulsionava por cima de minha mãe com todo o meu peso.
Braços de sabe se lá onde surgiram de repente, me sufocando e levantando meus braços pro ar.
- ME soltem... Me soltem... ME SOLTEM!
Eu me debatia nos braços de muitas pessoas que me seguravam, eu não via nada a não ser por um borrão espesso de movimentos e cores que pairavam a minha volta. O borrão terminou assim que me deitaram em alguma coisa e passaram várias cintos resistentes de couro sobre mim, me impedindo de me movimentar.
- ME TIREM DAQUI!!!! MÃÃÃÃÃEE!!! ME TIRA DAQUI!!!
Olhei para o lado e vi minha mãe, me fuzilando com os olhos cheios de lágrimas de rancor e massageando o próprio pescoço vermelho e logo, meu tio estava caminhando com uma sacola de compras, a largando no chão e correndo em minha direção gritando desesperado pelo meu nome. Eu só sabia disso ao ler sus lábios, pois eu não ouvia nada.
Minha visão de meu tio foi interrompida por portas se fechando a minha frente e meus gritos sendo sufocados.
Gritei até não sentir mais minha garganta, o suor encharcava meu cabelo e meu pulmão doía de tanta força. Tudo durou muito pouco tempo até me apagarem de novo.

-x-

- Onde eu estou? - acordei já tendo um dejavú de um hospital.
Um homem estava ao meu lado, um senhor que aparentava ter mais ou menos uns cinquenta anos. De barba por fazer e grisalho.
- Como você está? - ele me perguntou numa voz paciente.
- Estou confusa. Quero minha mãe - ouvi minha voz saindo rouca feito a de um cão velho latindo.
- Todos nós queremos - ele tossiu uma risada - Eu sou Pascoal, um grande amigo de infância de seu pai.
Adejei por um momento analisando a sala onde eu estava, tinham muitos azulejos com estampas e uma janela grande com grades.
- Minha mãe me disse - minha voz saiu num fio - Isso não parece um lugar bom pra descansar.
- Eu sei, meu bem. Vou cuidar de você aqui.

- Não acredito em você - sussurrei.
Ele sorriu, mostrando uma feição agradável, os olhos verdes fechadinhos e as bochechas rosadas apertadas. Ele parecia ser loiro antes de ter o cabelo branco pelo tempo.
- Estou te prometendo, minha querida. Vou ser seu melhor amigo aqui, o mínimo que posso fazer pelo meu falecido amigo.
Me estiquei na minha cama e olhei bem seu rosto. Ele me era brevemente familiar, mas não conseguia lembrar de onde eu o conhecia. Aqueles olhos, o mesmo sorriso, o mesmo jeito de falar.
- Você me conhece?
- Te conheci quando tinha esse tamaninho - ele estica um braço pra frente e simula minha antiga altura.
Balancei a cabeça, sentindo meus olhos revirarem nas órbitas.
- Não quero ficar aqui - meus sussurros e minha voz rouca me irritavam. Eu queria gritar!
Ele passou a mão sobre o meu rosto.
- Está tudo bem, sua mãe não tem poder sobre você aqui. - ele sorriu.
Ele saiu por um momento, deixando a porta do meu quarto aberta e logo entrou novamente.
- Te trouxe seu café da manhã. Aqui tem frutas e cereais, qualquer coisa que queira é só me chamar.
Fiz que sim com a cabeça e meio que sorri espontaneamente. Sim, eu sorri.
Tudo o que me aproximava ao meu pai era tão bem vindo tanto quanto meu tio como esse amigo dele que me parece tão familiar.
Ele também sorriu, saindo do meu quarto, tossindo feito um condenado com as mãos nas costas, parecendo totalmente cansado.
- Até mais, senhor Pascoal - sussurrei.


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