Samantha Roberts - O Livro de Sócrates escrita por Duda Chase


Capítulo 9
Segredos


Notas iniciais do capítulo

Vocês pediram e aqui está. Uma amolecidinha no coração de Nick.



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Meu braço estava cansado de tanto ficar estendido. Naquela hora, estávamos travando a maior batalha que iríamos ter em toda a missão: chamar um táxi em Nova York.

Jenny adiantou-se até o meio fio quando percebeu que um táxi ia parar em frente à entrada do Empire State. Peguei minha mala ao lado de meus pés para me preparar para subir no táxi. Não tivemos não tempo de esperar o antigo passageiro sair, a família de gordinhos ruivos passou como um tornado na frente de Jenny e se apossou de nosso táxi.

O táxi partiu sem a gente. Jenny ajeitou a alça da capa de seu violão e começou a xingar em grego e a fazer gestos nada educados. Nick deu uma risada nasalada e deu alguns passos em círculo.

Jenny veio até mim, ofegante.

— Eu odeio turistas.

— Poderíamos pegar o Táxi da Danação. — sugeriu Nick.

Jenny arregalou os olhos.

— Nem ferrando! Aquelas mulheres são inconsequentes!

Arqueei uma sobrancelha.

— E você é o que, por um acaso?

— Cale a boca. — ela mandou.

Ouvimos um pneu cantar em alguma altura da rua. O som se sucedeu de gritos e protestos.

— Posso saber o que você pretende com esse violão? — perguntei. Parecia apenas mais tralha para a gente carregar. Se bem que eu conseguia imagina-la batendo descomedidamente em monstros com o violão.

— Você sabe que eu fico entediada fácil.

— Talvez a gente pudesse andar até a rodoviária. — Nick disse.

Olhei para o final da rua e fiquei cansada só de pensar.

— É longe demais. Iríamos demorar éons para chegar lá.

— Então vamos esperar. Sem crise.

Bufei e cruzei meus braços. Paciência nunca fora minha uma de minhas virtudes. Não tive muitas alternativas senão bater o pé e ficar encarando a cara de bode de Jenny e Nick.

Demoramos uma hora e meia para conseguir chegar à rodoviária. Compramos três passagens para Nashville para o meio da tarde, tendo que pagar uma extra pela compra em cima da hora. Resolvemos a burocracia com uma autorizações falsificadas, que alegavam que nossos pais estavam cientes da viagem e que tínhamos o ok do conselho tutelar.

Engolimos um lanche do McDonald's na hora do almoço. Fiz questão de demonstrar minha desaprovação. Esperamos uma semana para sair em missão para que eu adquirisse algum preparo físico, e depois de tudo iríamos nos encher de junk food. Eu quase podia ouvir Briana dar mais um daqueles discursos de equilíbrio em todos os aspectos da vida.

Quando deu nosso horário, nos dirigimos à plataforma que nos foi designada ir. Colocamos nossos pertences na mala e apresentamos nossas autorizações, agora carimbadas, para o motorista do ônibus.

Jenny correu para um banco onde já havia uma pessoa sentada ao lado. Entendi o joguinho infantil dela. Sentei-me ao lado de Nicholas no banco da frente, assegurando-me de mostrar a língua a ela antes de fazê-lo. Jenny queria que eu ficasse juntinha de seu amigo ignorante? Ok. Mas eu não iria cair nas graças de suas manipulações. Algumas horinhas de viagem não iriam mudar nada.

Nick, que estava sentado na janelinha, fechou a cortina. Muitos dos outros passageiros fizeram o mesmo. O escurinho e o barulho constante do motor roncando eram por demais convidativos. Encostei minha cabeça e fechei os olhos. Uma viagem de quatorze horas nos aguardava.


Acordei ofegante.

Eu tive o mesmo sonho que tivera no outro dia — aquele em que eu estava lutando. Por mais que eu estivesse em repouso o tempo inteiro, eu sentia a adrenalina da batalha correndo pelo meu corpo. Meu coração batia com força contra meu peito.

Era a segunda vez que eu tirava uma soneca durante a viagem e era a segunda vez que eu havia sido agraciada com aquele sonho. Não entendia o por quê dessa repetição toda. O que as Parcas queriam me dizer com aquilo? Ou seria obra de Morfeu?

Que seja. Aquele mundo novo ainda era muito confuso para mim.

Olhei para trás e vi que os demais passageiros também estavam dormindo ou descansando, inclusive Jenny. As luzes do corredor estavam acesas, deixando o ambiante sob um efeito de chiaroscuro.

Assim que me acalmei, minhas pálpebras começaram a pesar. Eu dormira de mal jeito, e meu corpo parecia ter sido atropelado por um caminhão. Perguntei-me que horas seriam.

Olhei para Nick, que eu sabia estar usando um relógio de pulso. Ele reclinara a poltrona e se encolhera em cima dela, pressionando o corpo também contra a parede. O cabelo negro estava bagunçado e despenteado. Parecia uma juba. Seu rosto era calmo e o canto sua boca parecia estar levemente erguido para cima, num meio-sorriso digno da Mona Lisa. Quietinho daquele jeito, Nick parecia até angelical.

Inclinei-me sobre ele devagar. Com a maior delicadeza possível, arregacei a manga de seu moletom da Utah University até o relógio de pulso se revelar. Vi que ele marcava que eram uma e vinte e cinco da manhã.

Nicholas gemeu alguma coisa e abriu os olhos devagar.

— Ai, desculpa! — cobri a boca. — Eu não queria te acordar.

Ele olhou para os lados, meio desorientado, e depois esfregou os olhos preguiçosamente.

— Eu só queria ver que horas eram. — continuei.

Nicholas deu um suspiro cansado e se ajustou na cadeira, ficando ereto. Ele deu uma olhada em volta e, então checou o relógio.

— Tudo bem. — ele disse depois de um tempo, a voz embargada pelo sono.

— Desculpa mesmo.

Ele fez um gesto para que eu deixasse isso para lá.

Fiquei quieta, meio envergonhada. Já não bastava o fato de eu não conseguir dormir direito, eu não podia também deixar os outros dormirem em paz. Queria abrir um buraco e enfiar minha cabeça nele.

— Não está conseguindo dormir? — indagou Nicholas.

Assenti, secretamente agradecida por ele puxar assunto comigo.

— São esses sonhos. — eu confessei. — Eles não me deixam.

Nicholas repousou sua cabeça no encosto do assento.

— É comum, principalmente quando se está em missão. A minha irmã...

Ele se deteve. Seu olhar se perdeu no nada, como se os pensamentos tivessem voado para longe. As sobrancelhas se juntaram no alto, dando um ar melancólico ao seu semblante.

— Achei que fosse filho único. — eu disse.

— Eu sou.

Nicholas se virou de lado a abriu uma fresta na cortina. Começou a encarar a paisagem em movimento e ficou mudo.

Agora eu havia pescado tudo. Era por isso que Nicholas odiava a vida de semideus que levava. Era por isso que ele assumia esse personagem de não-ligo-pra-nada. Ele tinha uma irmã. Uma irmã que morrera.

Tentei me colocar em sua situação, apesar de ser difícil para mim imaginar tal dor. Por mais que eu já gostasse muito de meus irmãos, eu havia passado apenas uma semana com eles. Eu, obviamente, ficaria triste se algum deles partisse, mas jamais ficaria tão abalada quanto Nick se mostrara estar.

Fiquei encarando meus pés, sem saber o que fazer. Eu deveria prestar minhas condolências nesse tipo de situação?

— O nome dela era Susana. — Nick disse, ainda virado para a janela. Impressionei-me com o tom frio que ele subitamente assumiu. — Morreu há dois anos.

— Puxa... É uma pena. Eu não... Eu não sei nem o que pensar.

Nick se voltou para mim. O brilho de seus olhos estava apagado, fazendo com que ele aparentasse estar mais cansado do que ele provavelmente já estava. Ele hesitou um pouquinho, como se escolhesse as palavras.

— Quando Poseidon quebrou sua palavra... Foi quase como se as Parcas o tivessem castigado por isso. Não bastava que ele tivesse apenas um filho. Poseidon teve a felicidade de ser pai de gêmeos. Se um já era sinal de problema e perigo, dois filhos de um dos Três Grandes de uma vez só era a pior coisa que poderia acontecer.

Prendi o ar.

Susana não era uma meia-irmã de Nicholas. Ela era filha do mesmo pai e da mesma mãe que ele. E, ainda por cima, era sua irmã gêmea. Estava junto de Nicholas desde o início... e se fora. Eu não conseguia sequer ter uma noção de como era perder um pedacinho de você, assim como Nicholas perdeu.

Resolvi deixa-lo falar. Talvez ele precisasse disso.

— Éramos muito poderosos. Juntos, atraímos muito perigo. Você não faz ideia de como era a nossa vida. Ficamos preocupados com nossa mãe e aí resolvemos nos mudar para o Acampamento Meio-Sangue de vez. Isso foi quando a gente tinha dez anos.

Engoli seco.

Apenas dez anos e eles tiveram que tomar a decisão de sair de casa. Com dez anos eu tinha que decidir com meu pai qual a maratona de filmes iriamos fazer no final de semana.

— Então, há dois anos... nós tínhamos quatorze na época... Victor foi sequestrado enquanto estava em missão na ilha de Polifemo. Sumiu do mapa. — prosseguiu Nicholas. — Jenny já era toda encantada por ele. Eu tinha que fazer alguma coisa. Pedi a Quíron que liberasse uma missão de resgaste. Jenny quis ir junto, naturalmente. A coisa só ficou ruim quando Susana teimou dizendo que queria ir também.

"A ilha de Polifemo fica bem no Mar de Monstros, o famoso Triângulo das Bermudas. Ela disse que, como filhos de Poseidon, seríamos invencíveis lá. Seria mais fácil se fossemos juntos. Eu não gostei da ideia. Da última vez que tínhamos saídos juntos do acampamento, passamos por experiências nada agradáveis."

"Não sei como, mas ela conseguiu dobrar o conselho de guerra e foi liberada para ir junto com a gente. Até chegamos lá em segurança. O problema era que, para salvar Victor, tínhamos que passar por Polifemo, o ciclope. Foi um luta da difícil."

"O negócio era que Susana havia sonhado com essa luta várias vezes antes. Ela só me contou isso no caminho até a ilha. Essa é a razão dela ter insistido tanto para que ela também fosse conosco. Ela sempre via essa luta e eu... Eu acabava morrendo. Quando ela me contou isso, eu fiz pouco caso. Eu fazia meu destino, não era?''

''A luta saiu como ela previra, exceto pela fato de que eu estava bem. Polifemo caiu no chão e eu achei que era o fim. Cometi o erro de dar as costas.''

Nicholas emudeceu de repente. Seus olhos estavam levemente marejados por causa das lembranças. Decidi respeitar e esperar o tempo dele.

— Ele não tinha morrido. Polifemo se levantou, pegou uma rocha e lançou em minha direção. Eu não vi a pedra chegando. Mas Susana viu. E ela sabia o que tinha que fazer. Quando vi, ela já tinha me empurrado para longe. — ele respirou fundo. — Foi no meu lugar.

Nicholas virou o rosto para o lado.

Eu entendia. Nós mal nos conhecíamos. Era normal ele não querer que eu o visse chorar.

— Faz tempo que eu não falo disso. — ele admitiu, voltando a olhar para mim. — Nem sei mais por quê eu comecei...

— Tudo bem. — eu o interrompi. — Obrigada por me contar sobre isso.

— Acho que você também tinha o direito de saber. Não é a única a ter sonhos do tipo. — ele esfregou o rosto, talvez numa tentativa disfarçada de secar os olhos. — Sei que não é isso o que você ouvir, mas preste atenção no que eles dizem. Eu não prestei e minha vida virou um inferno.

— Você não devia se sentir culpado desse jeito. — me forcei a dizer. — Foi escolha dela.

Nicholas deu um sorriso fraco.

— Sei o que está tentando fazer, mas nada vai mudar a sensação de que eu matei minha irmã. — ele voltou a se deitar na posição em que estava antes. — Boa noite, Srta. Wikipédia.

Desesperei-me para falar alguma coisa que o confortasse. Nicholas abrira a coração para mim. Eu sentia a obrigação de lhe dizer algo bom em troca. Por fim, vencida, consegui apenas dizer:

— Boa noite, Cabeça de Bagre.


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