Abismo Neurótico escrita por Dood


Capítulo 8
VIII




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VIII

“- Ele morreu... Por minha culpa...” – reflete William culpando-se pelo assassinato que acabara de acontecer. “– E o pior é que não era o Sr. Damasco... Meu Deus, como fui burro em me deixar criar uma ilusão pela lembrança do cheiro de seu perfume! Me arrisquei em vão e ainda causei a morte daquele pobre velho...”

Cinco dias depois, William não agüentava mais a claustrofobia da solitária. Tudo que ele vira nesse tempo eram apenas as quatro paredes minuciosamente apertadas, um lençol no chão onde dormia e uma velha privada. Precisava libertar-se daquele lugar de alguma maneira.

“- Não vou durar muito tempo nisso aqui... Vou morrer aqui dentro mais cedo ou mais tarde. Acabou. Só tenho a agradecer a você Oliver. Você me ensinou que a verdadeira loucura está lá fora e não aqui.” – ele ajoelhasse diante da privada ainda cheia de água. “- Foi bom reviver minhas lembranças em meu subconsciente. Vivi bons momentos aqui dentro. Mas preciso morrer agora...” – ao terminar de refletir suas últimas palavras, o garoto afunda sua cabeça na água da privada e a amarra com o lençol para evitar qualquer tentativa sua em retirá-la.

Tudo o que se ouve é apenas o desesperador barulho da água entrando em seus ouvidos enquanto ele agoniza esperando sua morte chegar. Ângela, Carlos, Elisa, Brenda, Sofia... Eram as últimas pessoas que apareciam em sua mente para amenizar a dor do suicídio. William já se debatia quando suntuosamente uma doce música clássica começava a tocar do lado de fora de sua cela...

“-E-essa... Música...” – meras palavras ainda balbuciavam em sua mente já quase inconsciente.

Não poderia ter música melhor do que Für Elise de Beethoven para ouvir enquanto morria. Afinal, essa era a música que Elisa, sua adorável esposa, adorava. Não havia algo que a melhor recordasse do que essa admirável canção. No decorrer das notas do piano, William sentia mãos que o impediam de pressionar o pano contra sua cabeça. Delicadamente aquelas mãos retiraram William de seu suicídio e o tomou em seus braços, revelando a suntuosa face de Elisa que sorria delicadamente para ele.

- Não morra William... Eu estou aqui. Preciso de você ao meu lado... – as doces palavras de Elisa arrancaram um leve sorriso da face de William.

- Elisa... A música trouxe você para mim... Como é bom ter você em meus braços novamente. Me perdoe por... – a mão de Elisa tampou delicadamente as palavras da boca de William e a presenteou com um beijo suave.

Então bem ali, ao som esplêndido de Für Elise, os dois se amaram como se fosse a primeira vez. O calor de seus corpos nus preenchia a parte que a muito tempo fora esquecida do coração de William. A música acabava de terminar.

- Preciso ir William... – ela sorriu.

- Não Elisa! Fique mais um... – a mulher desapareceu como uma nuvem de poeira em seus braços. –... tempo.

Alguém chega atrás da porta e destranca a cela.

- Meu Deus, vista alguma roupa garoto! – exclamou o médico ao abrir a porta e ver William despido. – A solitária acaba mesmo com o juízo das pessoas... Mas agora você está livre! Espero que não tenha ficado louco aqui dentro. Sua verdadeira casa o espera lá fora!

- Livre? Lá fora? Você está me dizendo que eu não estou mais internado? – Seria aquilo real ou não passaria de apenas mais um mero devaneio?

- Isso mesmo garoto. Cometemos um grande erro e você pagou injustamente por isso. Sentimos muito... – explica o médico enquanto William se veste. – Mas felizmente conseguimos desmascarar os verdadeiros culpados a tempo. Venha comigo. – ele puxa William pelo braço até o lado de fora de sua cela.

William se recusava a acreditar no que via bem a sua frente.

- Esses são os verdadeiros culpados pelo assassinato da senhora Ângela Fuseli, sua mãe. Eles dividirão o quarto com o Ernesto e pagarão pelos seus atos sádicos aqui, pelo resto de suas vidas. – o médico explica a William, enquanto Damasco e seus filhos são levados, presos por camisas de força, até o seu novo lar.

Damasco passa bem ao lado de William. Seus olhares se cruzam em meio ao silêncio desconfortável daquela situação. Nenhuma palavra é proferida pelos dois. Mas William agora, finalmente sentia-se em paz.

- Curta sua liberdade garoto! Finalmente você poderá voltar a viver a vida que esses desumanos roubaram de você. Vá! Seja livre! – fala o médico apontando para o portão de entrada.

Antes de sair, William olha para trás pela última vez e bem ao fundo, atrás das grades que cercam os internos, avista Oliver. Avista pela última vez o olhar triunfante e o sorriso de seu amigo e consegue ler a palavra que de longe seus lábios pronunciavam: “Viva...”. Um aceno com a cabeça e uma lágrima de felicidade, que escorrera pela face de William até seu amargo sorriso de despedida, foram as últimas lembranças deixadas por William para aquele homem.

Enfim, agora estava livre. Enfim, aquela família pagaria por todos os seus atos. A mão de William abre vagarosamente o portão de entrada do hospício. Seus olhos demoram a se acostumar com a visão do mundo lá fora. Uma chuva fina caía, elucidando os tons mórbidos daquela cidade, enquanto William curtia sua liberdade erguendo seus braços e permitindo que aquelas gotas molhassem a sua face. Aquela sensação era real. Era chuva de verdade. Era um mundo de verdade...

Anos se passaram e William agora tinha uma vida normal, como qualquer outra pessoa nesse mundo. Uma vida caída em rotinas e permeada pelo medo, onde notícias trágicas surgem a cada momento. O que lhe resta fazer?  Trabalhar insanamente para conseguir sobreviver nesse mundo neurótico. O mundo real não era tão perfeito como ele imaginava. É então, que só agora, as palavras de um amigo que ele conhecera em um lugar estranho fazem sentindo. O que é a loucura? Quem são os verdadeiros loucos da história? Isso meus caros amigos, ninguém poderá responder...

“– Estou louco...” – pensou.


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