Cadence Of His Last Breath escrita por psyluna


Capítulo 4
Slaying the Dreamer.


Notas iniciais do capítulo

Demorei para postá-lo, apesar de estar escrito há algum tempo. A parte mais importante do capítulo teve que ser editada, simplesmente porque achei que ficaria melhor de outro jeito. Espero que gostem, e tenham paciência com a minha lentidão.



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O cômodo estava escuro e fechado. Seu silêncio era, ao mesmo tempo, calmo e agoniante.

A chuva forte era a única coisa que podia ser ouvida.

E o impacto dos golpes.

Um.

Dois.
         Três.
         Quatro.
         Cinco.

Um baque maior, de um homem que cai.

Tentava respirar. Sua garganta se fechava, seu rosto ardia em dor.

Qualquer palavra que procurasse dizer era apenas um sopro sem som.

Seu corpo todo não respondia. Um sono forte ameaçava desacordá-lo. A visão embaçada ia e voltava, mas a sensação dos membros partidos ainda fazia-o sentir que estava vivo.

Talvez não durante muito tempo.

Naquele estado, qualquer pequena trégua parecia a ele uma esperança de que tudo acabasse.

 Mas estava sendo muito bem enganado.

 Um pé acertou seu rosto. Mãos duras atingiam-no.  Sentiu o gosto amargo de sangue inundar a boca. Sua cabeça foi jogada incontáveis vezes contra o chão. Tudo se repetindo, enquanto sua vida parecia cada vez mais por um fio.

Por favor, pare...

Um punho encontrou seu diafragma e liberou um arquejo de dor há muito preso.

 Dedos fortes agarraram seus cabelos e atiraram-no à parede.

 O inferno se interrompera.

 As coisas pareciam balançar de um lado para outro. Nada mais fazia sentido. Motivos, explicações, culpa.

 Por que tudo aquilo era como estava sendo?

 O que girava em sua mente era uma respiração feral, a poucos metros de si.

Tuomas...

O homem ferido tentou erguer um braço.

Buscava pela saída do precipício profundo que estava prestes a levá-lo.

Mas ninguém correspondeu.

Não...

Então, a presença daquela sombra pareceu sumir por um instante.

Um clique metálico soou pelo espaço, mal ouvido.

Dobradiças rangendo, portas abertas. O som da chuva se tornou mais alto.

Era quase confortante escutá-lo. Uma última canção de ninar.

Acabou...?

Parecia mesmo ter terminado.

Era uma paz longa e estranha, dolorosa e confortável.

Cada segundo passado era um pouco a menos de ar em seus pulmões, menos firmeza em seus músculos, menos sanidade em sua consciência.

Uma morte ilógica, ingrata, miserável.

Mas, o que mais doía, vinda de alguém que ele um dia tinha conhecido.

Seria aquele mesmo seu fim?

Ele acreditava nisso, e já estava pronto para se deixar levar.

Até que o algoz voltou, e o agarrou pelo pulso.

Começou a arrastá-lo pelo carpete.

Marco não tinha como resistir.

O ruído da água cadente. O frio úmido da noite. O piso da sacada coberto por uma lâmina de líquido, assolado pela violência de uma tempestade.

Uma onda de terror atravessou o homem do começo ao fim, dando-lhe um choque.

O desespero de não saber o próprio destino.

A mão cruel de Tuomas apertou com afinco o punho frouxo que segurava.

Esperou, preparou-se e, usando de um poder fora dos padrões, atirou o peso inerte para longe, para o fundo do lago metros abaixo de seus pés.

Marco sentia apenas a velocidade da queda.

Queria ter forças para gritar de medo, mas até isso tinha sido roubado dele.

Sentiu uma lágrima saindo do canto de um dos olhos, correndo pelo rosto e desaparecendo.

Foi a última coisa que viu.

A água da superfície do lago explodiu ao seu encontro

Não tinha controle sobre si. Não tinha visão de cima e baixo, esquerda e direita, todo o mundo era um líquido negro sem um vestígio de luz e cor.

Nem mesmo sabia se ainda sentia alguma dor. Era tudo tão confuso.

Quem descobriria que ele estava, ironicamente, indo no lugar de outra pessoa?

“Marco?”

Uma angústia comprimiu seu peito, ou seria a pressão da profundidade?

Tentou pronunciar alguma coisa, mas nem mesmo um murmúrio saiu.

“Marco, o que foi?”

No final, tudo o que sentia era uma enorme mágoa.

Decepção, rancor, tristeza, ele não sabia ao certo.

Mas Marco Hietala estaria morto dali a pouco.

Confundido com um assassino brutal, enviado no lugar da vítima como vingança e sacrifício.

Desejava desfazer tudo e pedir desculpas, mesmo que nunca tivesse estado errado.

Mas não havia mais tempo para driblar a morte.

-Marco!

Como se algo o tivesse cutucado, abriu de repente os olhos.

Não estava mais tão escuro.

Apoiado sobre o ombro esquerdo, ele deixou o corpo se girar e deitou-se com o peito para cima, bastante devagar.

Era um lugar familiar, mas impossível.

Como tinha ido parar ali?

Uma coberta macia e quente o confortava. Ouvia o estalo suave do aquecedor. Parecia ser noite do lado de fora, pelo vidro de uma janela.

Havia antes uma mão em seu braço, que só notou quando ela saiu dali.

Estava em casa. E alguém repousava a seu lado.

Virou o rosto um pouco, erguendo os olhos.

A silhueta sentava-se. Não era alta demais. Parecia encará-lo.

Perguntar-se por alguns segundos pareceu-lhe errado quando concluiu quem era.

Manki Hietala.

Vê-la fez seu coração ter um aperto. Que confusão fora aquela, que o perturbara a ponto de não reconhecer a própria mulher?

A voz e a mão suave em seu rosto vieram para tentar acalmá-lo

-Querido, o que houve?

Segurou de leve o antebraço da esposa.

Aos poucos, o véu fino da ilusão se dissolvia.

Era ali mesmo que ele estava. Acordado. Respirando. Inteiro. Vivo.

A falta de palavras entre eles era um tempo para que ele voltasse ao normal, aos poucos.

E para que pensasse em uma boa desculpa.

-... Manki...

-Você não está bem.

Aquilo cortou qualquer protesto na hora. Soou como um soco em seus disfarces.

Teve de engolir as frases feitas e aceitar.

Era inútil tentar mentir para ela.

-Não tente me dizer que está.

Ainda mais a respeito de algo daquela dimensão.

Baixou os olhos para a cama. Os dedos de Manki, então, desceram de seu rosto e deslizaram por seu peitoral nu. Aquilo lhe deu arrepios, mas que eram mais de medo do que qualquer outra coisa.

Com um sorriso amargo e infeliz, ele perguntou:

-Eu acordei você?

Balançando a cabeça para dizer que sim, a mulher completou:

-Mas não tem problema.

Ele a encarava como se não quisesse ter recebido esse perdão.

Antes que ele pudesse responder e se desculpar, Manki o envolveu em seus braços, aproximando a face da dele. Deu-lhe um beijo de surpresa, mas leve, suave.

Ao se afastar dela, Marco estava a ponto de chorar.

Mesmo que prendesse isso dentro de si, era mais forte do que qualquer esforço que ele pudesse fazer.

Teimosa, uma lágrima escorreu das pálpebras.

Manki abraçou-o.

Ele não tinha reação para fazer o mesmo.        

-Eu sei que é difícil. – Ela disse, sussurrando.

Foi o que precisou ouvir para desabar em prantos.

Como se buscasse por algo em desespero, enlaçou-a também. Sabia que ela sempre estaria ali, ao seu lado, para erguê-lo quando não conseguisse se levantar, para estender a mão e puxá-lo de qualquer abismo.

Não queria dar-lhe problemas, mas era impossível fingir-se forte diante daquilo.

Ela sabia disso, aceitava-o e nunca o deixaria só.

Foi a gratidão mais profunda que Marco já sentira por alguém.

-Eu te amo, Manki.

Quase não tinha voz, mas não precisava de palavras para que ela soubesse.

Quase meio-dia.

O sol em Joensuu deixava dúvidas sobre aparecer ou se esconder de vez.

Yvonne bocejou e esfregou os olhos. A loja parecia muito mais deserta do que o normal.

Pegou um lápis sobre a mesa, olhou sem muito interesse para a prancheta e marcou uma ou duas opções. Jogou-o de volta onde estava. Encarou as unhas pintadas de marrom durante um tempo, notou uma pequena lasca no esmalte do indicador e ignorou-a depois.

Quando tinha procurado emprego ali, esperava por um trabalho muito mais empolgante do que conferir entregas e registrar produtos. Não era de todo ruim; só não era emocionante.

Mas nem tudo podia ser previsto.

Apoiou o rosto com o canto da mão, querendo compensar a noite mal dormida. Com tanta calma, deixou as pálpebras pesarem, pouco a pouco. Não seria tão ruim tirar um cochilo. O horário de almoço estava ali, batendo à sua porta, e...

Sentiu o celular vibrando no bolso esquerdo do agasalho. Não tinha se assustado tanto, mas começou a tatear pelo espaço da roupa até encontrá-lo e abri-lo.

A tela passou em uma fração de segundo por seus olhos, mas o nome que viu nela a fez atender o mais rápido que pôde.

-Bom dia, Jukka.

Era um pouco raro que ele ligasse ao invés de ir pessoalmente.

Perguntou a ele como tinha sido a estadia nos dias que passara fora, respondera sobre o andamento da loja e comentara sobre o vazio do dia.

Mas ainda se questionava sobre o telefonema, até ouvir sua verdadeira intenção.

-Fechar a loja hoje... Por quê?

Um silêncio. Um suspiro.

Uma voz séria e abatida tirou sua dúvida.

A mão que antes ajeitava a posição dos óculos de grau caiu sobre a mesa, sem que ela pudesse conter o choque.

-Meu deus...

Faltavam palavras a ela.

-Isso... Isso é...

Não conseguia reagir. Calou-se por um tempo.

-Vou avisar ao pessoal.

Começou a ficar de pé, afastando a cadeira giratória.

-Sim. Tudo bem. Conte comigo.

Virou à direita, para a porta do depósito.

Antes de tocar em sua maçaneta, disse ao telefone:

-Meus pêsames.

-Stockholm, mínima 5ºC, máxima 10ºC. Tempo nublado, porém, firme durante os próximos dois dias. Ventos fortes. Helsinki, mínima 3ºC, máxima 9ºC. Sensação térmica de 0ºC a 6ºC. Possibilidade de chuvas durante a tarde e à noite. Oslo, mínima 1ºC...

A voz feminina da televisão pertencia a uma apresentadora de um canal internacional. Apesar de não serem nem sete da manhã, as previsões do tempo já estavam no ar.

Não havia um vestígio sequer de calor ou sol naquele dia. Cinza, cinza em todo o horizonte, tampando a luz que já não era abundante naquela época do ano.

Mas o pequeno Seth estava acostumado.

Depois de ouvir as temperaturas de três ou quatro cidades, ele tirou os olhos da tela de LCD. A voz transmitida pelo aparelho era só um ruído ambiente, ininteligível.

O garoto deu mais um gole em sua caneca de leite quente. Distraído, levantou a cabeça para a lâmpada acesa e, logo após, para a janela fechada do apartamento.

“Até parece noite.” Pensou.

O rosto de Seth não tinha expressão. Estava com sono demais para demonstrar alguma coisa.

Acordara cedo. Mais uma viagem. Mais uma cidade para onde não iria.

Apesar disso, suas malas estavam prontas.

Do corredor que desembocava na sala, vinha o som de passos. Botas de salto quadrado que pareciam com pressa, estalando pelo piso.

O garoto sabia quem era, mas olhou para o portal, mesmo assim.

Anette Olzon abraçou Seth e beijou-lhe a testa.

-Tudo bem, filho?

Os cabelos da mãe estavam na quinta tintura em só um ano. Assim como ele, ela vestia moletom, pronta para sair de casa e do próprio país.

Seth respondeu, bocejando:

-Sim.

Anette afagou a cabeça do filho, atrapalhando os fios entre o castanho e o loiro, e soltou-o de seus braços.

-Vou lá pra fora ajudar com a bagagem.

Ela saiu de perto do menino para fechar o trinco de uma janela, quando escutou a resposta:

-Tá bom.

A mulher parou e suspirou, completando:

-Lave seu copo e não demore.

Seth não tinha gostado muito da ordem, mas preferiu atender.

Enquanto a mãe saía, ele ficou de pé e caminhou para a cozinha, nada feliz com o clima. Deixou a porcelana colorida dentro da pia para procurar pela esponja.

Ao mesmo tempo em que lavava a caneca, pensava sobre o que tinha ouvido de Anette dois dias antes.

“Eu perdi um amigo, Seth. Ele morreu.”

Voltou a louça já limpa para o armário.

“Foi na terça-feira, à noite...”

Lembrava-se de como ela tinha ficado ao lhe contar aquilo.

“Vou para Helsinki daqui uns dias.”

E também do abraço que tinha lhe dado para consolá-la, para evitar que ela chorasse.

Morte.

A palavra ressoava por sua mente.

Como deveria ser perder alguém?

Lembrou-se de coisas, imaginou situações e empurrou tudo isso para um canto qualquer das memórias.

Voltou para a sala, pegou a mala pela alça e levou-a para a porta.

Queria deixar aquele pensamento para trás, o mais longe possível.

As folhas caíam das árvores e se espalhavam pelo chão. Tinham tom laranja de outono, e mostravam que o duro inverno escandinavo estava em curso.

Com dificuldade, Anette carregava uma mala sem rodas para o carro. Ela e o namorado tinham escolhido um Volvo prata, espaçoso o bastante para a bagagem.

Johan Husgafvel correu até ela e tirou o peso de suas mãos. Colocou-a em um canto do porta-malas, empurrando-a com força para que coubesse. Insistiu durante um bom tempo naquilo até a mulher pedir-lhe:

-Não precisa de tanto, Johan.

Ele parou e olhou para Anette, questionando-se sobre aquilo, mas não respondeu.

-É a bolsa do Seth, ele vai descer daqui a pouco.

Depois que ela o disse, Johan sentiu-se ligeiramente idiota. Riu de si mesmo e esticou o braço longo para a tampa do porta-malas. Anette também riu, mas uma risada triste, de quem tentava disfarçar alguma coisa.

Por dentro, ela devia saber que não adiantava esconder.

Ele conhecia o motivo.

Mesmo que fosse retórico, perguntou:

-Tudo bem, querida?

Distanciou a mão do carro. A porta voltou para cima, mas ele não ligou.

Olhava-a com olhos de preocupação e carinho. Tocou em seu ombro, um toque suave, que tentava confortar.

Ela ficou em silêncio, sentindo o vento forte passar.

Até que disse:

-Não é nada.

Mas era.

Johan deixou a mão cair, que foi de encontro à dela. Segurou-a e sentiu-a fria, suada mesmo no gelado clima da Suécia.

Queria que ela notasse sua presença, naquela hora e sempre.

-Venha cá.

Puxou-a para seu abraço.

A cabeça de Anette se aninhou perto de seu pescoço. Ele afagou seus cabelos pintados de preto e percebeu seu perfume suave. Não ia deixá-la para trás. Não ia ignorá-la, só porque ela não queria preocupar ninguém. Aquela não era uma dor só dela.

Soltou-o, tão devagar que parecia não querer fazê-lo.

Johan sorriu para a mulher que amava.

-Eu termino de trazer as malas.

Ela também sorriu, mas como se doesse fazer aquilo.

Os dedos dele, calejados pelas cordas do baixo, levaram embora as lágrimas que iniciavam no rosto de Anette.

-Já volto.

Dizendo aquilo, entrou no prédio, levando uma parte do coração dela consigo.

         A consciência se debate, afundando em um rio de lágrimas.

         O rio não tem piedade. Ele nos leva cada vez mais longe.

         E não há lugar algum onde possamos nos segurar.

         Acho que não saberemos tão cedo onde ele termina.


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Notas finais do capítulo

Então... é isso. Se eu tiver algum leitor fantasma, por favor, faça sua digna conta no site e deixe um singelo comentário, ou, se você tem a conta e está lendo anonimamente, digite algo para mim. Não vai doer, não vai te fazer mal e eu vou adorar ouvir sua opinião. Caso eu tenha só um leitor mesmo, o que acho mais provável, ok, a vida continua. Até a próxima, folks.