Cadence Of His Last Breath escrita por psyluna


Capítulo 3
Two for Tragedy.


Notas iniciais do capítulo

Eu sei que praticamente ninguém está lendo essa história, mas ainda assim peço desculpas pelo sumiço. Andei escrevendo muitas outras coisas nesse meio-tempo. Fiquei com medo de postar o capítulo 2 e não ter um pronto de 'reserva' caso algo aconteça. Eu tenho seríssimos problemas com o terceiro capítulo de toda história que escrevo, e ele não está pronto ainda. Por que será? ._.
Enfim, espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/162881/chapter/3

         A tragédia continuava ali. Estática. Intocada. Atemporal.

         Era a mesma tempestade que caía sobre o lugar e orquestrava os sentimentos daquela noite.

         Também era a mesma dúvida. A mesma dor.

         Irreversível.

         Uma sala grande, bem decorada, em tons de bege, laranja e dourado, era o primeiro cômodo da casa. Uma bela recepção que, alguns dias antes, fora invadida por um furacão de acontecimentos tão forte quanto o clima do dia.

         O relógio marcava cinco da tarde, embora o céu estivesse escuro e nada amigável.

         Em meio a cadeiras e tapetes, um piano preto de cauda se destacava.

         O instrumento já contava alguma idade. Apesar disso, reluzia em um de seus tampos a marca “Kawai”, ainda dourada, demonstrando bom tratamento por parte de seu dono.

         Alguém que já não estava mais ali.

         Jukka desceu as escadas principais sem pressa. Resolvera ficar para dar um apoio a quem precisava dele. Não negava que também sofria, mas preferia guardar isso para si e deixar que as poucas palavras refletissem o que sentia.

         Boa parte da casa estava em silêncio; não era algo anormal.

         Ele não tinha muito foco ao pisar cada degrau do carpete. Nada havia para fazer ali, e suas pretensões eram apenas tomar um pouco de ar do lado de fora.

         Porém, seus olhos, por um acaso, bateram no piano.

         Não tinha muita certeza se deveria ou não, mas aproximou-se dele. Rodeou e observou-o um pouco, receoso, como se ele fosse uma fera adormecida e tivesse medo de acordá-lo.

Afinal, havia muitas memórias dormentes naquele suntuoso instrumento.

         Deslizou a ponta dos dedos sobre a tampa que recobria as teclas. Não tinha uma só marca antes que ele a tocasse.

         Em sua mente, pairava a pergunta: Eu posso?

         O que diriam os outros se o vissem?

         Terminou por abrir a fechadura.

         Lentamente, pousou a mão esquerda sobre uma das teclas dó e pressionou-a sem muita força. Parecia estar afinado.

         Gastou algum tempo olhando para as oitavas e refletindo.

         Sentou-se ao banco de frente para o instrumento. Arrumou o cabelo longo e solto sobre o ombro esquerdo e começou a tocar.

         Ever Dream.

         Não se sentia tão seguro de usar a velocidade normal, então diminuiu o passo da música. Com um andado mais lento, a melodia ganhou contornos melancólicos, como se cada compasso pudesse ser o escorrer de uma lágrima.

         Nos pensamentos de Jukka, ele próprio podia ver muitas coisas.

         Ouvia uma voz feminina, misteriosa e sussurrante, que cantava sobre o som do piano. Aguardava pela entrada de uma grande orquestra, sob uma tensão tão forte que pareceria explodir quando começasse a tocar. Sentiu nervosismo e vontade, saudades e alegria, mas tudo parecia contrastar com sua expressão triste.

         O motivo era muito claro para ele.

         A última vez que encontrara o compositor daquela música não havia sido há muito tempo.

         E as notas da introdução não eram o bastante para acompanhá-lo.

         Ao fim do trecho que era apenas piano, esperou.

         O eco do pedal de sustentação ainda permanecia no ar, aguardando por um desfecho.

         Ele levou alguns segundos até desferir a nota fatal, a nota final.

         Um sol.

         Apertou-a de leve com o indicador, esperou mais um instante e desceu o tampo das teclas, sem girar a chave.

         Levantou-se como se tivesse que fazer o maior esforço do mundo para aquilo.

         Saiu dali em direção à porta de entrada, deixando uma lágrima para trás.

         O vento frio correu pelo rosto do homem, que caminhava sem destino entre as folhas alaranjadas.

         Emppu cruzava o parque coberto de outono, andando devagar. Olhava para um lado e para outro, sem muita atenção com o que via

         Saíra da casa onde estava hospedado para comprar algo, mas pensou que não seria mal andar por ali e clarear a mente, ao invés de se acidentar.

         Havia uma trilha de pedras escuras e vários carvalhos de copa alaranjada, com bancos de madeira dispersos pelo espaço. Um belo cenário, não fossem as nuvens que tornavam o momento pesado e angustiante.

         O corpo do guitarrista estava ali.

         Os pensamentos, não.

         Seus cabelos longos voavam e se bagunçavam. Ele recostou-se em uma cadeira que fazia conjunto com mais três iguais e uma mesa rústica, olhando a estrada de rochas a metros dali.

         Baixou o olhar, respirou fundo e pegou o celular no bolso.

         Depois de descer alguns números, chegou até quase o fim da letra ‘A’ na agenda.

         Anette Olzon.

         Apertou para chamar e colocou-o no ouvido, mas sem vontade de que atendessem.

         “Vai, agora que começou, termina.” Pensou, enquanto ninguém tinha respondido.

         “Força, porra.”

         Recusava-se a ter que falar aquilo, mas não havia jeito.

         “Não atende, não atende, não at-”

         -Olá?                                 

         Uma voz feminina cumprimentou-o do outro lado da linha.

         Tudo o que ele não queria.

         -Olá, quem é?

         Depois de dois ou três segundos anestesiado, tomou fôlego e coragem para dizer o que tinha que dizer.

         -Oi, Anette.

         -Emppu!

         Emppu tentou levar uma conversa trivial adiante. Tentou transparecer uma estabilidade que não tinha, enquanto a própria mente estava um caos. Olhava para longe, uma expressão vazia, sem sinais.

         Até que começou a encarar o chão coberto pelas folhas alaranjadas.

         -Bem... Na verdade, eu liguei porque...

         Silêncio, curiosidade e atenção do outro lado.

         -Eu preciso te falar uma coisa.

         Mordeu o lábio, já tenso.

         -... E não é nada bom.

         Contraiu a mão que estava solta, mais nervoso ainda. Apertava o pano da calça jeans, e o peito parecia se torcer de ansiedade.

         -Por favor, acredita em mim.

         Na mesma hora, as cenas que apareciam totalmente desconexas em sua cabeça se organizaram.

         Voltou àquela noite.

         A noite do desastre.

         Mergulhados na escuridão da madrugada. Perdidos. Desesperados.

         Pelo menos dois deles.

Os que podiam perceber a realidade.

         Um relâmpago cortou o ar e iluminou os rostos, terminando seu trajeto em um pára-raios.

         Marco tinha desistido.

Apenas continuava em seu lugar, surrado repetidas vezes pela água cadente.

         Ele sabia que não adiantava mais lutar.

         Emppu, que estava de pé, apenas assistia a tudo, profundamente assustado. Tremia de frio e de medo, chorando.

Ao reagir, ajoelhou-se e apoiou a mão no ombro de Tuomas, deitado no chão. Sacudiu-o de leve de um lado para outro, confuso, mas bastante preocupado.

         Chamou por ele, olhando para seu rosto estático.

         -Tuomas... Tuomas!

         Ninguém estava ouvindo.

–Tuomas!

         “Ele se jogou? Que porra queria fazer?” Pensou, passando a outra mão no rosto e parando-a sobre a boca que soluçava. “O que diabos está acontecendo?”

         O guitarrista fora jogado de repente naquela situação. Antes de tudo, estava dormindo sem se preocupar, ouvindo o som do aquecedor e da chuva na janela.

         Então, acordaram-no de repente, com uma notícia absurda.

         No fim, um amigo estava morrendo à sua frente.

         E não havia mais chances de mudar esse destino.

         “E agora, o que eu faço? O que eu faço...?”

         Duas luzes acesas e fortes, vindas de longe, se aproximavam, como dois olhos na noite. Andavam a solavancos, por causa do terreno com uma ou outra elevação sob a grama, e do trajeto escorregadio.

         Era a viatura da polícia que, minutos atrás, fora chamada pelo dono da casa.

         Dentro do carro, havia dois policiais.

         -Tem alguém ali, olha.

O motorista disse, depois de passar por uma depressão na pista. Tentava guiar com cuidado, mas era quase impossível.

O passageiro respondeu:

         -Alguém, não... Parecem dois.

         -Só chove na pior hora.

         As rodas enguiçaram em um buraco. O motorista tentava acelerar o carro para tirá-lo dali.

         -Merda...

         Pisou o mais fundo possível e arrancou dali.

         O passageiro comentou:

         -Aquilo ali não parece muito bom, Antti.

         O policial não respondeu ao colega, que completou:

         -Melhor ir ver o que é.

         O barulho do motor tornava-se mais próximo, pouco a pouco.

         Ainda de cabeça baixa, Emppu percebeu-o. Moveu de leve os olhos para a esquerda, depois todo o rosto, surpreso.

Apenas pensou alto, em uma pergunta que não foi respondida.

         -Quê...?

         O veículo encostou, mas foi deixado ligado, para iluminar o ambiente.

         Do lado de dentro, o policial passageiro abriu a porta, mas o outro o perguntou, enquanto procurava algo sob o assento de condutor:

         -Não vai pegar a capa de chuva?

         -De que vai adiantar? – Empurrou mais a porta. – O céu está desabando, tanto faz.

         O que estava dirigindo desistiu do que fazia e também saiu, sem se importar.

         -É.

Ao ver a cena que só tinham notado de longe, Antti chocou-se na mesma hora, ainda com a mão sobre o carro para fechá-lo.

Soltou, abismado:

         -Puta que pariu.

         -Por Deus... – Disse o outro. – O que é isso?

         Viram apenas a cena final de tudo, lavados pela chuva cruel.

         Na mesma hora, Emppu se levantou, com metade do corpo na luz.

         -Por favor... Ajudem. – Pediu, com a voz enrouquecida pelo choro. – Ele está morrendo, rápido!

Tentou se aproximar dos policiais, andando com cuidado para não escorregar. O mais próximo dele era o que dirigia o veículo, e este recuou, com medo.

-É SÉRIO! – Sem que fosse atendido, gritou, olhando profundamente nos olhos do homem de frente a si. Tinha parado de andar. - Nós tentamos salvá-lo, mas...

O condutor do carro saiu de onde estava e caminhou lentamente até o local onde Tuomas se estendia. Na mesma hora, o guitarrista parou de falar e acompanhou-o com a cabeça. O policial pegou o pulso do corpo no chão e tocou um ponto específico.

Esperaram alguns poucos instantes, mas que pareceram durar muito mais.

-Acho que está vivo. – Disse.

Emppu correu para lá e abaixou-se. Colocou os dois braços por baixo da cabeça e das costas do homem. O rapaz ao seu lado fez o mesmo com as pernas, apesar de ainda não entender o que estava acontecendo ali.

-Eu dirijo. – Prontificou-se o segundo ocupante da viatura. Seguiu até a porta do outro lado e abriu-a.

Os dois tinham trabalho para levantar o peso do tecladista. Colocaram-no outra vez no chão.

-Desgraça... – Emppu praguejou, agoniado para ser mais rápido.

“Não vamos conseguir... Droga, droga, droga!” Pensou.

Ainda agindo como se estivesse sob efeito de um entorpecente, Marco levantou o rosto molhado e sem expressão.

Tocou a mão no braço do colega de trabalho e fitou-o. Foi correspondido por Erno com um olhar de surpresa, mas que escondia dor.

-Eu levo.

Sua voz soou como um sussurro grave entre a tempestade.

Ouvindo-o, deixaram o trabalho para trás.

O baixista fez o mesmo que faziam, com todo o cuidado que tinha. Levantou-se devagar.

Outra vez, estava com Tuomas sob sua guarda.

Deu todos os passos até o carro sem muito esforço, mas também sem vontade.

O policial que antes dirigia tinha aberto a porta traseira do veículo e foi para seu novo lugar. Marco chegou até lá, ainda com a face totalmente vazia.

Inclinou-se um pouco e deixou o corpo deitado no banco.

Antes que saísse de debaixo do teto da viatura, o oficial que tinha acabado de se sentar recomendou, olhando de lado para trás:

-É melhor um de vocês vir também.

Com o rosto gotejante, o loiro encarava o chão do carro em silêncio.

Ele entrou e sentou-se atrás do banco de passageiro, encolhido de frio. A cabeça pendia para a direita, encostada à porta.

Parecia anestesiado de qualquer humanidade.

Emppu tinha entrado às pressas logo depois. Fechou a última entrada, e o novo motorista deu a partida. Fez o retorno derrapando um tanto, pisou fundo no acelerador e tentou encontrar o mesmo caminho que tinham feito para chegar ali.

Era uma corrida contra o tempo e a chuva forte.

O guitarrista tremia, apesar de ter o aquecedor ligado no ambiente. As roupas grossas estavam totalmente ensopadas e pingavam no tapete. Ele se virou para trás e encarou Tuomas.

“Agüente... Agüente. Por favor.”

Era seu desejo, até que chegassem a um lugar onde pudessem tentar salvá-lo.

Marco continuava parado em seu canto, com a mente enegrecida.

Sentia-se um completo incapaz.

Por dentro, estava morto.

O vento bateu outra vez e balançou os cabelos de Erno.

Seu celular ainda estava na orelha.

-Não... Não pode ser...

Ele fechou os olhos, de onde escorreram lágrimas pesadas.

Não sabia o que dizer. Apenas escutava os prantos da amiga, ferido também pelos seus.

Talvez o silêncio fosse o melhor conforto em uma hora como aquela.

Nenhum dos dois tinha certeza de coisa alguma.

Jukka dobrava pacientemente camisas, agasalhos e calças. Uma por uma, colocava as peças em uma mala de carrinho aberta, de tamanho suficiente para os cinco dias que precisou passar na pequena Kitee. Fechou o zíper da abertura maior, desceu a mala da cama e puxou a alça para arrastá-la pelo caminho.

Um armário e uma cama de madeira bege eram toda a mobília dali. Um aparelho branco no encontro do teto com a parede logo acima da cama aquecia o ar nas noites mais geladas do inverno finlandês.

Ele olhou para a janela de vidro, fechada. Gotas de uma chuva fina escorriam por ali.

“É... O tempo melhorou.” Pensou, solitário. “É hora de ir.”

Na verdade, não queria que aqueles dias acontecessem como tinham acontecido.

Ao olhar para a cidade um pouco distante dali, que podia ser vista de sua posição na casa, começou a refletir. A pensar nos fatos recentes, mais e mais. Tentava, com isso, encontrar uma resposta. Era tudo muito obscuro. Misterioso. Até assustador.

Não chegava a uma única conclusão.

“Mas que droga...” Praguejou sem palavras. “Não posso ficar com isso na cabeça.”

Virou-se para a porta.

Esfregou o olho com as costas da mão fria, pegou a mala e girou a maçaneta, deixando o dormitório.

Precisou se conformar com as perguntas.

O corredor quase tinha fim para ele, quando uma senhora subiu as escadas.

A franja reta, que se tornou branca com a idade, cobria a testa. Tinha um ar sério, mas maternal e cuidadoso. Apesar do tempo, tinha as maçãs do rosto cheias e arredondadas, quase como uma criança. Escondia o corpo com grossas roupas de lã vermelhas e luvas. Esboçava no rosto um sorriso doce, mas dolorido.

-Você já vai? – Ela perguntou como uma mãe faria com o filho.

Jukka surpreendera-se um pouco em vê-la. Demorou a responder, sentindo quase o mesmo que sentiria se fosse pego em flagrante de furto.

-É... – Parecia um pouco descontente, mas resolveu descontrair a conversa. – Minha mulher ficou esse tempo todo sozinha com as crianças, ela deve estar à beira de enlouquecer em casa.

-Entendo... – Respondeu em tom compreensivo, mas triste. Algo lhe trazia lembranças.

-Senhora Holopainen, me desculpe por não poder ficar mais, é que-

-Não precisa falar assim. – Interrompeu-o. – Pode me chamar de Kirsti.

Jukka perdeu a voz.

-Boa viagem, então. – Estendeu a mão enluvada para cumprimentar e se despedir. Os olhos claros marejavam. – Volte mais vezes.

Sem saber o que dizer, ele ignorou o gesto e a abraçou.

Surpresa, Kirsti permaneceu parada por poucos instantes e fez o mesmo.

-Muito obrigada, Jukka.

O tempo parecia parado.

Soltaram-se. O rapaz desceu o primeiro degrau da escada, ainda atordoado, virou-se para a mulher e disse, sorrindo, apesar de chorar.

-Eu prometo que volto.

Continuou para baixo, levando a mala e a dor consigo de volta para Joensuu.

         As cicatrizes demorarão a se formar.

         Algum dia conseguiremos aceitá-las?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

É isso. Estou torcendo para que a formatação do Nyah não estrague muito o clima da história, mas o principal está aí. Deixem seus comentários, positivos ou negativos, e façam uma preguiçosa feliz. Até mais :)