Do Próprio Inferno escrita por erikacriss


Capítulo 14
14. Meu tipo de Clark Kent


Notas iniciais do capítulo

E esse é o último capítulo. xD



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/162437/chapter/14

Gostaria de dizer que essa dor, esse sofrimento, passou com o tempo, mas não seria verdade, pois até hoje eu sinto. Cravado em meu peito eternamente; marcado em brasa. Nunca mais eu seria a mesma.

Perdi o homem que me amou incondicionalmente, que não se importava se eu era uma assassina destruidora de lares. O meu marido carinhoso e querido foi trocado por um carcereiro demoníaco e louco. E nunca mais veria meu filho; esse já devia achar que eu estava morta.

Eu estava apenas esperando pelo final. Apenas esperando o inevitável. Sentada naquela cela fétida junto de mulheres repugnantes, que não ousavam me tocar. Eu não entendia bem o motivo, mas não estava reclamando.

― Uma pena essa aí morrer. ― disse uma ― Eu ia gostar de brincar com ela.

Ah! Sim, os comentários enjoativos não cessaram.

As horas pareceram dias, os dias pareceram anos, mas finalmente meu fim chegou em forma de carrasco. E por carrasco eu quero dizer Denys. Não duvidava nada que fosse ele mesmo que puxasse a alavanca de voltagem.

Ele estava acompanhado de um carcereiro mal encarado que logo me algemou ao seu pulso, com medo que eu fugisse como da outra vez. Mas eu não fugiria. Queria morrer logo e acabar com essa vidinha patética.

Fui escoltada de viatura até o prédio de execução. Denys foi no banco da frente junto com o guarda e eu no de trás, algemada.

Denys estava mais quieto do que eu imaginava. Já estava esperando risadas maléficas e frases feitas.

“Veja como você é patética. Nem sua morte é digna! Aposto que irá babar mais que seu amante. Mande um alô para o diabo por mim, porque é para lá que você vai, para o inferno.”

Mas, não. Nada.

Consegui ver, pelo retrovisor, sua expressão, séria, com o cenho franzido, como se estivesse em dor. Parecia até que era ele que iria para a cadeira.

Irônico que eu pensei no termo “cadeira elétrica” em nosso casamento, mas não sabia que isso realmente aconteceria, e, dessa vez, não teria nada de feliz.

― Eu estou com medo. ― confessei de repente. Era isso que eu sentia, mas tentava mentir para mim mesma que não, porém, pateticamente, eu estraguei minha fachada de durona.

― Ótimo. ― ele falou seco.

Eu não sei o que eu esperava ouvir. Talvez uma última frase de consideração, um último sinal de afeto, mas aquilo não iria acontecer. Eu iria morrer sozinha e sem dignidade alguma.

Minha irmã, Anne, me disse uma vez, quando eu era pequena, que ela iria crescer e se tornar uma princesa, enquanto eu não me tornaria nada. Eu costumava brigar com ela, dizendo que ela estava errada, que teria uma vida muito boa e tranquila e que não ligava para o que ela dissesse. Mas o triste é que, talvez, ela tivesse razão sobre mim.

Comecei a chorar. Já estávamos na frente do prédio e eu estava desesperada. Queria sim morrer, mas o medo disso era maior que minha vontade. É o instinto humano, que diz que devemos lutar pela nossa vida. Mas a luta já estava perdida. Tinha, também, medo de entrar naquela sala fétida e ver que todos os meus familiares estavam lá, me acusando, clamando pela minha morte.

Se ao menos existisse a injeção letal naquela época, seria mais fácil. Pois não doeria o tanto que eu sabia que doía.

Fui escoltada até a mesma sala que Thiago foi morto. Olhar aquela cadeira era o mesmo que olhar para meu amante desfalecido e babando. Chorei ainda mais.

Meus olhos vagaram por todos a minha volta. Minha mãe chorava, meu pai me olhava com desgosto e minha irmã mais velha, com ira. Os pais de Denys e Thiago não estavam com pena, tão pouco.

Apenas minha progenitora sentiria minha falta.

Lena também estava lá. Minha irmãzinha mais nova que havia parado de puxar cabelos e babar. Era uma garotinha muito parecida comigo naquela idade. Seus cabelos tinham cachos grossos e seus olhos eram do mesmo tom que os meus. Estava toda arrumada, com um vestido rodado e uma fita na cabeça. Ela segurava a cadeira da frente com as mãozinhas enquanto olhava para mim com curiosidade.

Nunca fui uma irmã atenciosa, nem nunca falei muito com Lena, que parecia uma estranha para mim. E talvez eu também fosse isso para ela.

Queria ver meu filho. Liam me fazia falta e eu queria ver seu rostinho uma última vez. Mas eram tantos últimos pedidos que sei que não seria atendida.

Era isso, fim.

Sentei-me na horripilante cadeira e continuei a fitar Denys. Não tiraria meus olhos de sua face na esperança de ver um pingo de remorso que fosse. Mas sua expressão era a mesma de quem assiste um teatro ruim por obrigação.

Lembrei-me de quando eu o obriguei a ir comigo ao circo que havia chegado à cidade, ele usou o mesmo semblante entediado no começo do espetáculo. Os truques e números eram péssimos, dava para ver que eles erravam a maioria das falas e até eu faria mágicas vagabundas como aquelas. O espetáculo estava tão ruim, mas tão ruim, que eu e Denys nos olhamos e começamos a rir tanto que me segurei para não urinar ali mesmo.

Eu quase esperei que acontecesse o mesmo ali – quase –, enquanto eu era afivelada com força. As tiras de couro que amarraram meus pulsos aos braços da cadeira estavam cortando minha carne.

Voltei a chorar, dessa vez o mais silenciosamente que pude, pois eu queria ser forte. Tão forte como foi Thiago.

Não sei se era impressão minha, mas os olhos de Denys estavam levemente avermelhados, como se ele fosse poder chorar a qualquer instante. Talvez até fizesse isso depois que eu morresse, pensei esperançosa.

Mas eu não poderia morrer sem antes deixá-lo saber da única grande verdade que rondou nossas vidas juntos.

― Te amo. Mesmo agora. ― falei em um fiapo de voz, que ele felizmente ouviu.

Desviou seus olhos dos meus, colocou a mão sobre a boca e duas lágrimas solitárias desceram por sua face. Seu rosto estava virado para o lado, no intuito de não olhar, mas eu queria que ele visse. Queria, sim, que ele sentisse o peso de minha morte em suas costas para o resto da vida.

― Pelo menos... pelo menos me olhe nos olhos enquanto eu morro. ― falei com um pouco mais de vigor.

Ele fechou os olhos por um instante e fez o que eu pedi. Pude sentir a culpa já o corroendo. Vi em seus olhos o relampejo do meu Denys que eu conhecia e amava. ― Aquele, que estava na primeira fila da minha execução, que havia pagado pela minha morte e que havia, insanamente, me deixado presa, esperando pela morte iminente por aproximadamente duas semanas, já não estava mais naquele corpo. Denys agora parecia desconfortável e arrependido.

Podia jurar que a qualquer momento ele pediria para o carrasco parar com o procedimento. Pois aquele era o meu Denys. Ao menos por aqueles meros últimos segundos.

Foram meros segundos também para a luz cair e voltar. Mas, como um truque de mágica bem executado, eu já não estava mais lá. Para trás havia sido deixado apenas as tiras de couro estraçalhadas e uma cadeira estranhamente vazia.

Não sei qual foi a reação das pessoas quando notaram minha falta. Não sei se Denys se sentiu aliviado ou amaldiçoado por minha fuga. Não sei muita coisa. Nem mesma eu entendi como, do nada, eu fui subitamente arrancada da cadeira com alguns puxões ágeis, rápidos. Apenas fui processar tudo quando estava fora do prédio, indo para sei lá onde com sei lá quem. Apenas que era rápido.

Mais tarde, claro, eu soube quem foi meu salvador e não era nenhum cavaleiro de armadura dourada. Era um cara loiro e, simplesmente, lindo. Claro, todos nós somos. É de nossa natureza. E falo “nós” porque eu acabei me tornando alguém dessa espécie.

Eu havia sido salva por um vampiro.

Sim, é chocante, eu sei. Não é o tipo de herói que se espera. ― Geralmente algo menos ofensivo, como um cara de cavalo branco ou coisa clichê desse gênero. E, no caso de anormalidade, eu poderia esperar até algo parecido com o Clark Kent. Mas, vamos combinar, ser salva por um vampiro é algo a se questionar. Afinal, o que seria mais perigoso? A cadeira elétrica ou um vampiro sedento de sangue? Se eu soubesse que minhas opções se limitavam a essas duas, teria escolhido a cadeira. Definitivamente. Melhor morrer babando que morrer seca.

No final, Denys estava certo mais uma vez. Eu iria para o inferno. Mas não qualquer inferno. Eu acabaria por entrar no meu próprio inferno.

É uma maneira de ver minha realidade atual.

― O que diabos pensa que está fazendo? ― me indignei com o loiro ― Me solte! Quero morrer, me deixe morrer!

― Ingrata. ― ele para aos poucos e me deixa cair na vegetação rasteira.

Fiquei feliz que o loiro não parou abruptamente, pois, caso contrário, o impacto seria o mesmo que me jogar de um carro de corrida, ou até pior que isso. Não que essa comparação estivesse na minha cabeça, talvez eu apenas tivesse deduzido os estragos. Apenas fiquei contente que não tivesse acontecido.

Meu “Clark Kent” sentou-se ao meu lado e me observou estático enquanto eu olhava em volta e percebendo que não fazia idéia de onde eu estava.

Queria voltar lá e morrer.

Pouco me importava saber o que era aquele cara esquisito.

― Porque quer morrer? ― perguntou de repente.

― A vida é decepcionante. ― confessei ― Você não sabe como é terrível você se empenhar na atividade de ser mãe e esposa amável e receber em troca ódio.

Nem mesmo eu sabia o motivo de me confessar para o estranho, era como se ele fosse meu psicólogo. Só falta um Djavan ali.

― É a vida é péssima. Mas eu posso te dar mais que a morte.

― Hm?

― Posso te dar uma vida apôs a morte.

Ri. Claro. Era uma ideia louca e demente.

― Você tem dons que não descobriu ainda. ― disse ele ― eu vi quando fugiu da prisão e ninguém te tocava. Está claro para mim que você será talentosa.

Franzi o cenho. Mas antes de perguntar qualquer coisa, ele já havia me mordido.

Ótimo. Primeiro eu não peço para nascer e nasço, depois não peço para ser vampiro e viro. Será que ninguém liga para a minha opinião?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ps.: Não sei se haverá continuação.
Obrigada por ler.