Memória escrita por Guardian


Capítulo 18
Qual o seu nome?


Notas iniciais do capítulo

Certo, quem ainda estiver aí, guarde os olhares assassinos e quaisquer lâminas ou instrumentos com finalidades violentas para as notas finais, por favor.
Recapitulando...
"Matt pode ter perdido a memória, mas de alguma forma ele sabe que o loiro irritadiço com quem convive é uma parte importante em sua vida. Seus sonhos com o velório de alguém que não reconhece ainda não foram decifrados, e tirando alguns flashes do dia em que se machucou, ele está lidando bem com algumas lembranças recuperadas.
Mello já não consegue negar para si mesmo o que sente por seu melhor amigo, mas a possível reação deste caso descubra o preocupa mais do que tudo. As lembranças que tem de sua mãe e de como ela o esqueceu ainda o atormentam, mas aos poucos ele se dá conta de que com o ruivo o desfecho não precisa ser o mesmo."



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– Você está estranho.

– Huh?

– Estranho.

– Quem?

– Você.

– Estou?

...

E isso é o que podemos chamar de uma conversa produtiva!

Mello estava prestes a realizar sua vontade inicial de bufar e dar nem que fosse um empurrão no ruivo, para ver se assim ele perdia aquele ar distante, mas se deteve. Bufou sim, profunda e audivelmente, mas tudo o que sua mão fez foi tocar no ombro de Matt e balança-lo de leve. No fim, a preocupação e curiosidade ainda superavam seus instintos mais antigos.

– Pode ir falando.

Disse em um tom que deixava bem claro que ficar em silêncio ou fugir da questão não eram opções que ele aceitaria, e ficou esperando, encarando intrigado o estranho brilho daqueles olhos verdes. Era um brilho diverso de qualquer outro do qual ele conseguia se lembrar. Matt não parecia estar sentindo nenhum tipo exato de dor, nem tampouco mostrava sinais de melancolia como algumas vezes Mello já percebeu bem evidentes em seu rosto. Era um brilho de pensamentos perdidos em alguma cena do passado ou em alguma questão particularmente intrigante. Era um brilho curiosa e estranhamente hipnotizante.

– Matt? – Mello tentou mais uma vez.

–... - o ruivo balançou a cabeça para os lados, como se com esse gesto conseguisse se concentrar ao seu redor, e resolveu compartilhar um pouco do que o incomodava com aquele que, esperava, talvez tivesse as respostas que buscava – Quem é Mail?

– Como? – Mello ergueu uma sobrancelha, sem entender.

– Mail. Quem é? – na verdade ele tinha uma certa ideia, uma hipótese formada, de a quem esse nome pertencia, mas temia formar qualquer conclusão sem perguntar a ninguém antes. E principalmente, sem perguntar à Mello antes. Era confuso, vago demais, será que seu pensamento estava certo?

– Onde você ouviu esse nome? – Mello ajeitou-se melhor na cama do amigo, decididamente intrigado agora.

– Em um sonho... Mais ou menos.

– Uma lembrança?

– Talvez... Não tenho certeza.

E foi então que uma questão foi lembrada pelo loiro, que se apressou em perguntar de forma meio desconfiada, meio preocupada - Sua cabeça dói?

– Na verdade não – o próprio Matt pareceu surpreso ao constatar aquilo, e não pôde evitar de sorrir – Isso é bom, não é?

Sim, era bom. Muito bom.

– Eu acho... Eu acho que talvez... – Matt continuou falando antes que Mello conseguisse pensar em algo para dizer, mas parecia agora falar consigo mesmo, testando como aquele pensamento soaria uma vez verbalizado em voz alta -... Talvez Mail seja... Acho que é o meu nome.

E concentrado como estava em suas próprias conclusões, não percebeu o amigo loiro arregalar os olhos e abrir ligeiramente a boca em surpresa, com a revelação. Aquilo definitivamente não podia ter sido um simples sonho...


– Está tudo bem, Mail – um soluço quase inaudível – Eu vou cuidar de você. Eu vou cuidar... Vou...

O ruivo sentia uma sensação estranha ali naquele lugar, observando aquele homem que apesar de se encontrar a apenas um sofá e uma porta de distância, lhe dava a impressão de ser inatingível, completamente fora do alcance de suas mãos. Mas por que queria alcançá-lo? Quem era ele? E... Matt era Mail?

O homem lhe era estranho, e ao mesmo tempo inegável e curiosamente familiar. Não... Olhando para dentro de si mesmo, Matt achava que o que era familiar não era bem aquela pessoa em específico, e sim a situação. Observando suas pequenas mãos e o fraco reflexo no espelho do quarto pouco iluminado, devia ter no máximo uns seis, talvez sete, anos de idade. E ele sentia que por muitas noites havia feito exatamente isso; ficado parado na porta do quarto que provavelmente era seu, apenas olhando de longe a figura adulta na sala, iluminada apenas pelas frestas da persiana e pela luminária pouco potente daquele cômodo. Aquela era sua casa? Então aquele homem seria...

O cheiro forte e enjoativo do álcool, as duas... Não, três garrafas vazias caídas no chão; uma delas parecia ter sido rachada em uma queda não planejada. O homem no centro, com todo o peso apoiado sobre os joelhos e a parte da frente do corpo apoiada na mesa de centro de madeira, suja de respingos de bebida, e posteriormente, de lágrimas. Os cabelos malcuidados e sem corte, caindo como um véu castanho e comprido sobre os olhos verdes avermelhados e foscos, semicerrados e cansados, parecendo fazer um grande esforço para se manterem abertos por muito mais tempo. As roupas largas e amassadas, com uma mancha aqui e ali à amostra.

Sim, tudo aquilo, cada pequeno detalhe, era familiar demais. Dolorosamente familiar.

Por que doía olhar para aquele homem? Por que não conseguia fazer suas pernas se moverem, por que não conseguia se forçar a chegar mais perto? A noite estava fria, não estava? Não podia ir até lá cobri-lo com um cobertor? Ele realmente era...


– Então seu nome é Mail... – foi o comentário quase inaudível de Mello, acompanhado de um sorriso mínimo que sequer notara que dera. Uma sensação agradável e morna, que não se lembrava de jamais ter experimentado antes, o invadiu ao dar-se conta de que ouvia pela primeira vez o nome do ruivo, e mais forte ainda, por ouvir a si mesmo o pronunciando. O nome dele era Mail...

O comentário foi baixo, não tinha a intenção de ser percebido, mas foi o suficiente para trazer a atenção de Matt de volta para o interior daquelas quatro paredes e para a pessoa ao seu lado. E ao perceber o tipo de reação do loiro, mais uma grande dúvida cruzou sua mente.

– Você não sabia? Eu nunca... Eu nunca te contei meu nome?

E Mello riu. Riu como não fazia há dias, quem sabe semanas; um riso leve e divertido alimentado pelas lembranças de algo que acabou se tornando uma constante em seus dias desde que aprendeu a chamar aquele orfanato de “lar”. Como poderia evitar aquele riso de se formar, se com pergunta tão simples feita de modo tão confuso traziam à tona memórias que gostava tanto?

E Matt não entendeu. O som daquela risada que ouvia pela primeira vez – mesmo sentindo-a uma velha companheira da qual não precisava de imagens formadas em sua mente para saber que sempre gostara – e a expressão totalmente descontraída e entregue a quaisquer que fossem os pensamentos de seu dono, enchiam seu peito de uma mistura de sensações indescritível e incomparável, mas não entendeu. E não queria, nem se sentia capaz, de cortar aquela cena para perguntar.

Duraram mais alguns longos instantes para Mello enfim se dar conta do olhar confuso do outro, tentar com grande esforço se controlar, e dizer algo.

– Não, você nunca contou – disse ainda com aquele sorriso saído sabe-se lá da onde a lhe erguer teimosamente o canto dos lábios – Nós tínhamos um jogo.

– Jogo?

– É – o loiro respirou fundo e deixou-se cair de costas na cama, ainda satisfeito com aquelas memórias. Ah, fazia mesmo muito tempo que não pensava naquilo... – Adivinhar o nome um do outro.

Matt lançou um olhar ainda mais intrigado ao loiro ali deitado, o interesse aumentando a cada palavra. Gostava de ouvir Mello falando sobre as coisas que faziam antes, mas... Isso queria dizer que ele também nunca soube o nome verdadeiro do loiro?

– E qual era o prêmio?

– Qualquer coisa – o sorriso de Mello alargou, mas desta vez com uma sombra bem perceptível de intenções diversas – Qualquer coisa, à escolha do vencedor.

– Qualquer coisa mesmo? – e quando percebeu, Matt estava sorrindo daquela mesma forma também. Ahh, essa era uma aposta perigosa, a qualquer um que ganhasse. Com certeza era.

– Aham. Mas nenhum de nós chegou nem perto de vencer. E olha que fazemos isso há anos!

Matt riu com aquela pequena descoberta, apenas imaginando os tipos de nomes que eles testavam e quão longe dos verdadeiros eles eram. E parecendo perceber quais eram os pensamentos que faziam o ruivo parecer tão animado de uma hora para outra, Mello começou a listar alguns dos nomes mais... “Improváveis” que conseguia se lembrar. Anthony. Ludwig. Brook. Edwin. Sean. Kevin. E Matt já estava com os olhos lacrimejando quando chegaram no...

Misha?!

– Foi o último que você tentou, pelo que eu me lembro.

Era inevitável rir mais a cada nova tentativa revelada. O que estava pensando? Nenhum desses nomes parecia combinar com esse loiro viciado em chocolate!

– Isso porque eu ainda não falei nada sobre a fase dos games – Mello bufou tentando parecer irritado com essa parte da narrativa, mas falhando miseravelmente ao ser traído pela nova risada que escapou sem seu controle. Há tanto tempo que não se sentia assim tão leve, que era simplesmente inevitável.

– “Fase dos games”? O que, eu testava nomes de personagens por acaso? – Matt brincou, mas arregalou os olhos com o leve aceno de confirmação do loiro – Sério mesmo?

Cloud, Leon, Riku, e até James – enumerou.

– James?

Mello engrossou um pouco a voz - Bond. James Bond.

Dessa vez o ruivo teve que esconder o rosto no travesseiro para abafar o som, e se dobrar em dois com a barriga doendo e os pulmões pedindo por uma trégua. Mal conseguiu encontrar fôlego para a brincadeira seguinte – Só falta dizer que Luigi entra nessa lista.

– Se entrasse com certeza haveria alguma marca no seu corpo para provar.

Era um momento único aquele; o primeiro que eles realmente aproveitavam desde que o ruivo havia recebido o castigo por quebrar a janela do diretor, sem qualquer receio ou “talvez” povoando suas mentes, sem nenhuma lembrança desagradável como pano de fundo. Era um momento onde eles eram eles mesmos, o primeiro onde Matt tinha real certeza de quem era. E também, o primeiro onde ele se dava conta de que a presença do loiro em seus dias e a importância que isso tinha para si mesmo, iam bem além dos limites que ele achava que tinham. Eram bem mais do que ele imaginava. E para sua surpresa, não se incomodava nem um pouco com isso. Pelo contrário.

– Hey, Mail – Mello enfim chamou, novamente sentindo-se bem por poder chama-lo pelo nome verdadeiro depois de tanto tempo sem conhecê-lo. Virou o rosto para o lado para conseguir encarar diretamente os olhos verdes, ainda com o sorriso grudado no rosto – Prazer, Mihael.


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Notas finais do capítulo

Okay, agora à frase que já quase faz eco sozinha de tanto que eu a uso: Eu sinto muitíssimo por essa demora gigantesca, tanto pela atualização, quanto pelos reviews.
Essa é uma fic que eu realmente preciso de sossego para conseguir escrever, o que estava um pouco difícil de conseguir no ano passado. Minhas provas vieram e se foram, acabando apenas na semana do ano novo. Eu passei em Química, e em Farmácia e Bioquímica, na federal de São Paulo, mas não no curso que eu queria de verdade (esse negócio de 50% de vagas pra cotas acabou comigo!), então estou prestes a viver outro ano de zumbi.
Eu posso prometer que agora, que tenho pelo menos um rascunho considerável dos próximos capítulos, pronto, eu postarei com regularidade de um semana (duas, no máximo, no caso de algum imprevisto), e até o final desta fic não haverá mais sumiços como esse último. Mais uns 5 ou 6 caps para o final, e eu farei de tudo pra manter a promessa.
Muito obrigada para quem ainda continuar aqui, de verdade *----*