Memória escrita por Guardian


Capítulo 16
Lembranças indesejadas


Notas iniciais do capítulo

Hey! =) Eu não estava gostando do rumo que o capítulo que eu tinha quase pronto estava tomando, e no fim acabei deletando e começando de novo, por isso demorei xD (e semana passada me arrastaram pra uma festa junina...)
Enfim. Espero que gostem ~
Narrado pelo Matt.



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Mais uma vez, o mesmo sonho.

De novo, de novo e de novo, ficava se repetindo todas as noites, sem exceção.

Sempre o mesmo cenário, a mesma atmosfera, a mesma sensação de vazio e solidão. Nada mudava, nem mesmo um mísero detalhe que fosse, e eu começava a cansar disso.

As pessoas sem face agindo como se eu não estivesse lá e indo embora depois.

O ambiente escurecido e deprimente.

O velório que eu ainda não sabia a quem pertencia.

A tristeza que eu não sabia de onde vinha.

A voz, a minha voz, ecoando dentro da minha própria cabeça, dizendo coisas que eu não entendia.

O porta-retratos também sem face.

Tudo sumindo.

E então eu ficava ali, completamente só, com uma vontade imensa de fugir, de encontrar alguém. De acordar. Mas ao contrário da primeira vez, mesmo sabendo o tempo todo que era um sonho, eu tentei me controlar para não repetir a cena de antes. Tentei colocar sob duro controle o meu próprio medo, e com isso, por um longo tempo que eu não era capaz de definir, ficava ali, tentando desvendar o significado daquilo tudo.

Não estava obtendo êxito algum nisso, e em dado momento, quando ficar ali começava a se tornar realmente insuportável, tentei fugir.

Estava preso.

Tive a esperança de não ter que enfrentar problemas em sair da sala de sempre, mas quando reparei por uma segunda vez, não havia janelas. Tudo o que servia de conexão com o suposto “mundo de fora” era a porta que as estranhas pessoas usavam para sumir. E ela estava trancada. As pessoas conseguiam sair, mas para mim e apenas – se não justamente – para mim, estava trancada.

Então toda vez desde então eu ficava andando de um lado para o outro, ou sentado em um dos cantos, esperando algo mais acontecer, torcendo para algo mais acontecer. E ficava assim até finalmente acordar em meu quarto, sempre com o coração batendo rápido e uma sensação gelada extremamente desagradável inundando meu peito.

Mas não desta vez.

Nada nunca mudava, já estava até começando a aceitar isso, mas desta vez mudou.

E ao invés de vir uma espécie de continuação dessa cena já vista e revista, o cenário mudou completamente.

Eram os mesmos flashes que eu havia visto horas antes, na cidade.

Um céu aberto, limpo, tão raro nos últimos dias, iluminava tudo, e ao mesmo tempo, de forma bem controversa, era o responsável por criar as sombras que ocupavam aquele lugar.

Aquele lugar...

Tinha uma vaga noção de ter feito exatamente a mesma coisa na última tarde, parar em frente àquele beco e ter aquelas imagens invadindo minha mente sem nenhum consentimento consciente.

O estranho é que nessa hora minha cabeça não doeu.

E aqui estava eu mais uma vez. Parado. Olhando. Lembrando.

Era curioso... Ao mesmo tempo em que eu estava “de fora”, assistindo, “eu” também estava lá no meio de toda a cena. Bizarrice em nível máximo, sem dúvida.

Um grupo em torno de três – ou quatro talvez, não consigo ver bem – caras me rodeando... Objetos e sacolas espalhadas pelo chão... Um brilho, a luz do sol refletida em um tipo de lâmina... Punhos cerrados... Vermelho... Risadas...

Dor...

Medo...

Raiva...



Abri os olhos e enfrentei de cara a escuridão do quarto. Precisei piscar algumas vezes, tal como se eu realmente tivesse saído de um local amplamente iluminado e logo em seguida jogado no escuro sem nenhum aviso.

Segurei com força meu braço machucado, até sentir arder. Aquelas cenas com certeza eram... Eram do dia que... Quando...

...

Não, eu não quero me lembrar... Não daquele dia, não daquele lugar, não daquilo.

Não queria, me recusava a lembrar!

... Talvez ir à cidade não tenha sido uma das melhores ideias, afinal.

Olhei para o lado, torcendo para não ter feito qualquer barulho que tivesse acordado Mello. Respirei aliviado ao ver que ele continuava todo esparramado na cama, dormindo profundamente, e pelas caretas que fazia de vez em quando, sonhando. Só espero que o sonho dele seja melhor que o meu.

Levantei devagar, e tentando todo o tempo não fazer barulho, andei até o banheiro e tranquei a porta, apenas por precaução. Senti-me bem, de certa forma, ao me ver sozinho no ambiente gelado e vazio. Mas era somente aquele “bem” momentâneo de quem acorda de um sonho ruim e percebe que não está mais imerso na escuridão, mas que ao se lembrar de qual era o sonho ruim, imediatamente some. Momentâneo. Ilusório.

E como o esperado, em uma questão de poucos instantes, sumiu.

Andei com passos lentos até o grande espelho em cima da pia, encarando um pouco surpreso meu reflexo. Meu cabelo estava bagunçado – não que ele geralmente seja arrumado – e despontado para todos os lados, ligeiramente firme daquele jeito. Deve ser porque fui para a cama logo depois de tomar banho. E... Tenho que admitir que se Mello visse como meu rosto está pálido agora, e com alguns resquícios de suor, eu com certeza não conseguiria convencê-lo de que está tudo bem.

...

Merda...

Por quê?... Por que essas imagens não somem?! Olhando para a minha imagem, parecia que eu podia ver aqueles caras atrás de mim, ao meu redor, sorrindo. Parecia que eu podia sentir...

Com mãos mais trêmulas do que eu esperava, peguei na base da minha blusa e a puxei para cima, retirando-a totalmente. Era até que fácil ignorar o frio, já que na verdade, o frio era o que menos me incomodava agora. Fiquei encarando fixamente a bandagem que envolvia parte do meu braço, e tomando coragem, desfiz o curativo.

Estava começando a cicatrizar de verdade, e o tamanho do corte somado com a visível casquinha escura da epiderme sendo reparada que o recobria davam a impressão de ser algo pior e mais sério do que de fato era. Mas não importa. Porque as lembranças não me deixavam, minha cabeça doía, minhas mãos tremiam, e eu não queria que nada disso acontecesse.

Sem qualquer intenção prévia, meus dedos, gelados, passearam em cima do corte em um vai e vem constante, quase sem encostar. Era uma ação quase que automática, sem qualquer significado. Eu acredito.

“Olhem só, e não é que o garoto é corajoso? Mas... Até onde será que essa coragem toda vai?”.

Lembro que senti uma corrente fria e incômoda percorrer meu corpo ao interpretar a intenção por trás do sorriso cínico.

“Pra quê tanto chocolate?” riu ao ver duas das sacolas cheias de barras e bombons dos mais variados tipos.

Lembro das compras serem violentamente jogadas no chão, e que nesse momento o medo dentro de mim aumentou ao me dar conta de uma coisa: o objetivo deles não me assaltar.

“Seu filho da puta!” o homem mais alto do grupo avançou possesso após ter um corte no rosto feito por um enlatado lançado com toda força.

Lembro das mãos apertando meu braço ainda ileso e do golpe no estômago que veio logo em seguida.

“Não vai dizer nada? Tem certeza?” vários sorrisos maldosos foram abertos praticamente ao mesmo tempo “Acho então que devemos dar um motivo pra ele implorar, não acham, rapazes?”

Lembro...

...

Um vislumbre de vermelho no espelho capturou a minha atenção, me tirando – ainda bem – do redemoinho de imagens, sons e sensações em que tinha sido preso.

– Droga...

Peguei uma toalha limpa para parar o pouco de sangue que começou a escorrer do corte quando sem querer – culpa da última lembrança que me veio – eu o pressionei mais forte do que deveria. Minha respiração estava saindo mais rápida do que o normal, meus dedos estavam levemente trêmulos, e minha visão um pouco embaçada. Não, eu não iria me entregar à vontade de chorar desta vez, não de novo, nem deixar a crescente necessidade de pegar um ou dois comprimidos me dominar. Não, eu iria me controlar e deixar tudo isso aqui, apenas nesse banheiro frio e silencioso. Não iria deixar Mello ver outra cena patética como a do outro dia...

Mas... Doía. Esse peso comprimindo meu peito machuca... Mello...




– Tsk, deixa de ser fraco, Matt!

– Mas está doendo, Mello!

Fazendo uma careta de impaciência, ele voltou até onde eu estava sentado – ou seria melhor dizer caído? – e parou à minha frente, balançando a cabeça em zombaria:

– E ainda era você que queria sair escondido do orfanato.

– Eu só não achei que a sua grande ideia pra sair fosse pular o muro – retruquei pressionando com mais força a lateral do meu corpo onde eu tinha batido na não tão bem planejada descida. Estava tudo inteiro e no lugar, mas isso não queria dizer que não estava dolorido! Aposto que vai ficar roxo, isso sim.

Ele suspirou e em seguida estendeu uma mão – Vamos logo, antes que percebam que a gente saiu.

Segurei sua mão e ele me puxou para levantar. E por algum motivo, assim que fiquei em pé outra vez, eu não senti a mínima vontade de soltar aquela mão. Eu não queria soltá-la.”


Fiquei olhando um tempo pra mesma mão que tinha segurado a de Mello, no fragmento de memória que tinha acabado de recuperar, ainda sentindo aquela mesma estranha sensação de... Não sei definir direito, só sei que é... Agradável. Tão agradável que a sensação ruim no meu peito praticamente sumiu.

Que estranho.



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Notas finais do capítulo

Agora uma pergunta: eu estava pensando em mudar as narrações pra terceira pessoa, acho que vai dar pra aproveitar melhor, o que vocês acham? :3 (a Leila eu já sei que aprovaria, né? *-*)
Bom, é isso. Vou-me indo que eu deveria estar estudando agora ~