Janela escrita por o_arquiduque
Notas iniciais do capítulo
O fim
- Matilde sumiu! – Alfredo estava branco, o que contrastava com as olheiras da noite que passara em branco.
- Como assim?! – Luiza estava colocando mais uma tela que pintara alguns dias antes para fazer a releitura.
- Ela não apareceu na redação hoje e ligamos para a casa dela, mas ninguém sabe. Fomos até lá e a família está em desespero.
- Será isso...
- Obra do Otto?! Com certeza! Eu quero acabar com aquele desgraçado! – Bate na pia de mármore.
- Mas nós infelizmente não podemos fazer muita coisa!
- Poderíamos, se achássemos aquela maldita carta!
- E então você faria o que? Iria publicar no seu jornal?
- Era minha intenção inicial... Mas agora eu vou fazer muito mais. Tenho um contato no Estado de São Paulo, que disse que compraria essas fotos!
- E quem garante que eles vão publicar?
- Eu recusei o dinheiro. Fiz um acordo que valeria a publicação e uma matéria minha!
- Então você vai... – Luiza perde a linha da conversa quando tira o lençol manchado de tinta, que não deveria estar, de cima de uma tela.
Ela lembrava nitidamente de ter coberto a tela somente depois de ela ter secado, não deveria ter manchado o lençol. E aquela tela era uma representação quase fiel de sua janela, por isso deu o nome da pintura de Janela, mas aquela ali não parecia muito a sua janela. Na vida real era uma abertura emoldurada de madeira, uma das únicas janelas de madeira da casa, que mostrava um pequeno arbusto e algumas roseiras. Na tela, existia mesma abertura, a mesma madeira, o mesmo arbusto, as mesmas roseiras e... uma carta pintada. Luiza alinhou o quadro à janela e não podia acreditar.
Alfredo demorou a perceber, estava apenas notando que sua amiga estava estranha, mas assim que comparou a imagem da pintura com o real, também ficou intrigado.
Luiza se lembrava de ter pintado exatamente o que via, não se lembrava de ter adicionado carta nenhuma. Foi então que decidiu tocar a tela e sentindo o alto relevo, levou um choque.
***
No jornal da manhã seguinte do Estado de São Paulo, uma notícia grande, não na primeira página, mas o suficiente para chamar atenção de muitos, destacava a morte de três estudantes da USP e remetia a autoria do crime à Otto Barros Tomazine. Abaixo, uma nota considerável indicava uma exposição de arte que seria feita numa galeria na Avenida Paulista, logo mais àquela tarde.
Alfredo e Luiza já estavam esperando a repercussão. No horário marcado, muitas pessoas se reuniam na frente da galeria, estudantes revoltados com o regime, curiosos e alguns esquerdistas tímidos. Mas os dois aguardavam mesmo a presença do agente público. Na frente da galeria tinha uma tela muito grande, coberta por um lençol, e somente quando a exposição começasse esse lençol ia ser retirado.
Quando deu a hora marcada, um veículo estacionou do outra lado da rua, mas ninguém desceu. Alfredo esboçava um sorriso ansioso na porta e logo reconheceu o agente público hesitante em descer do automóvel.
- Podemos começar. – Ele avisa Luiza.
Ela, com suas habituais vestes largas, cheias de cor e costura, deu as boas vindas à todos, inclusive aos jornalistas. E logo em seguida, fez um pequeno discurso:
- Essa exposição inicialmente era apenas uma mostra de fragmentos do mundo da forma como eu via... Mas depois de recentes acontecimentos, ela passou a ganhar um significado maior, ela passou a significar um pouco de justiça, um pouco de verdade. Dou por aberto a ... – e falando enquanto puxava o lençol – Exposição Memórias de uma tragédia!
Assim que o lençol caiu, a tela ganhou luz. Em cores fortes, vibrantes, e pinceladas escuras, corridas e calmas, leves, misturadas, harmônicas, da esquerda para direita contava um pouco do que tinham passado. Figuras humanas se abraçavam, discutiam com uma terceira e de fundo, uma velha galeria em chamas.
Foi uma enxurrada de fotos, e em pouco tempo todos entraram na galeria para conhecer um pouco mais do que aconteceu naqueles quatro dias. Assim que Alfredo e Luiza ficaram sozinhos do lado de fora, despontou dos dois lados da avenida carros do governo, e do carro da frente, uma porta se abriu e um Otto vermelho de fúria correu até os dois, espumando:
- Como?!
- Simples – Délia aparece de trás de Alfredo e Luiza – Eu passei na casa de Luiza para visitá-la e pedi que pegasse algo enquanto eu corria para o ateliê e acrescentava a carta na pintura. A janela foi coincidência. Fiz isso porque conhecia a fabulosa atenção que você dedica às artes, ou seja, nada.
- Sua... Sua... – Antes que Otto terminasse a frase, dois homens engravatados do governo se aproximaram e discretamente pediram que o agente os acompanhasse.
- Em fim um pouco de justiça! – Délia agradece aos céus.
- Agora vamos entrar que os quitutes vão esfriar! – Luiza convida.
- E Horácio, como está? – Délia pergunta preocupada.
- Fora de perigo. E Matilde, encontraram-na, infelizmente, também no hospital. – Alfredo responde com certo pesar.
- Em fim, mas acredito que dias melhores virão! – Luiz sorri.
Os três entram abraçados para aproveitar daquela exposição que seria um marco na vida de cada um.
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