Primavera escrita por Jules


Capítulo 42
Queimando em ácido




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NADA SE COMPARAVA A AQUILO.


Exatamente isso – nada. Sabe aquela dor que eu senti quando estava prestes a me tornar uma loba? Sabe a dor que eu senti naquela noite agonizante?

Aquela não era nem a metade da dor que eu estava sentindo agora.

Não conseguia entender, não conseguia perceber o que estava acontecendo.

Será que era a imortalidade? A doce mortalidade pela qual eu tanto ansiava?

Se realmente era isso, seria o fim dos meus problemas. O fim de todas as aflições e finalmente eu saberia o que iria acontecer comigo no futuro. Sem nenhuma alteração; sem queda de cabelo, diferenças de altura, coluna torta, perda – e ganho – de peso... Nada daquelas coisas que me afligiam.

Isto é, se eu fosse capaz de sobreviver ao fogo.

Era estranho demais, parecia que eu estava sonhando.

Em um momento, tudo era como devia ser. Eu estava cercada das pessoas que me amavam. De esperança. E então – talvez por irresponsabilidade minha – tudo mudou.

Eu ouvi algo estralar quando me estiquei e algo dentro de mim não gostou disso. O bebê reagiu.

Rasgando. Rompendo. Agonia.

A escuridão havia tomado conta de mim. Eu estava inconsciente e consciente. Eu estava consciente de que estava inconsciente, de que eu não conseguia respirar. Consciente de que o meu bebê estava morrendo.

Vozes, dessa vez gritos, enquanto a dor voltava.

“Pegue a morfina!”

Algo espetou meu braço, mas não sei dizer o que foi.

“O que vamos fazer agora?”

A essa altura eu não conseguia mais distinguir a quem pertenciam as vozes.

“Vamos fazê-la tomar a morfina”

O que?! Taylor queria esperar, me dar analgésicos, enquanto nosso filho estava morrendo?!

“Tirem meu bebê agora!”, gritei para Taylor “ Ele vai morrer! Tirem!”

Porque ninguém me obedecia?

A maldita discussão sobre a maldita morfina continuava. Qual era o problema deles?

“Não!”, gritei novamente. Eu sabia que eu tinha gritado mais alguma coisa mas não consigo me lembrar o que era.

Meus pulmões doíam, o oxigênio se esgotava. Eu estava desesperada – desesperada por ar. A cama era reta e dificultava muito as coisas.

Eu queria falar com Taylor, dizer alguma coisa a ele. Eu tinha direito a uma despedida, não tinha?

Despedida. Porque com certeza eu não conseguiria sobreviver àquilo.

A minha vida se resumia a isso. Luta, luta e mais interminável luta. Eu não agüentava mais, estava cansada. Eu sempre estava com medo, sempre tinha algo maior que a minha felicidade que estragava tudo, algo que fugia do meu controle. O meu estoque de força já tinha chegado ao fim há muito tempo, só eu não havia percebido isso.

Agora eu sei.

Nós nunca sabemos o quão forte somos até que a nossa única alternativa é ser forte.

Eu não ia mais tentar, ia guardar minhas forças para pelo menos dizer um ultimo “ eu te amo”.


Taylor inclinou a cama, eu inspirava desesperada por ar, mas ele não chegava em meus pulmões. Tudo ardia.

Ele começou a chorar. Ah, não! Meu Taylor. Eu o magoara tantas vezes, de formas tão diferentes, que chegava até a ser criminoso.

“Shh” eu dizia tentando acalmá-lo. Meus olhos vagavam pela sala procurando por ele, sem nada ver.

Eu não tinha forças o suficiente para falar muito mais, mas a curiosidade me venceu.

“Como ela é?”, perguntei “Você não me deixou vê-la”. Eu queria ter perguntado se ela era bonita, mas não tive forças;

Seria uma pergunta idiota. Claro que ela não era bonita, ela era linda. O pai dela era a criatura mais perfeita do mundo, como ela não seria também?

Eu repousei a mão em seu rosto sentindo, pela ultima vez, a pele macia de Taylor.

“Ela linda, Jules. Tão linda quanto você.”, Taylor responder com a voz embargada.

“Você vai cuidar direitinho dela, não vai?”

O olhar dele ficou desesperadamente triste. Cada palavra que eu pronunciava doía, tanto nele quanto em mim. Era uma dor diferente, um milhão de vezes pior do que as outras, agora era o meu coração que doía.

“Vou, Jules! Nós dois vamos, entendeu? Nós dois!”

Então eu – que deveria pelo menos tentar mostrar que estava preparada para morrer – comecei a chorar.

Tantas vezes eu tinha sonhado com a morte! Implorado por ela! Agora parecia ridículo. Eu não queria morrer, não queria. Agora eu tinha um motivo para sobreviver, na verdade, dois motivos.

E era só desses motivos que eu precisava.

Eu sempre soube exatamente como é querer morrer, como dói sorrir, como você tenta se encaixar, mas não consegue. Como você se fere por fora tentando matar o que tem por dentro.

Quando não se quer sentir, a morte pode parecer um sonho, mas sentir a morte – senti-la de verdade – torna sonhar com ela algo ridículo

“Me desculpe por quebrar minha promessa”, chorei “Eu te amo tanto Taylor.”

Nunca ninguém jamais entenderia o quanto isso me machucou, como isso me destruiu. Ele acreditou na minha promessa mas eu não a cumpri. Que tipo de pessoa era eu? Que tipo de pessoa era ruim o suficiente para ser capaz de fazer Taylor chorar?

“Não! Não, Jules! Fique comigo, agora! Fique!”

A escuridão cor-de-vinho me esmagava. Tinha o peso de um planeta e eu não conseguia suportar.

“Eu te amo” sussurrei pela ultima vez.

Algo pior do que a morte estava me levando. O que era aquilo? O que era aquele fogo em meu coração, em meus braços, em minha cabeça? Era torturante demais, parecia que eu estava sendo mergulhada em ácido.

Então eu comecei a escorregar. Escorregar simplesmente. Meu corpo era como uma jaula. Eu estava presa a ele mas, nesse momento, eu não queria soltá-lo. Eu não tinha nada no que me segurar.

Taylor – eu o vi com uma menina de cabelos negros no colo, ela virou-se para mim mas ela não tinha lábios com o qual sorrir. Ela não tinha rosto.

Eu não podia morrer sem vê-la pelo menos uma vez! Aquilo era tão injusto! Meu bebê, minha bebezinha de olhos grandes... Como podia ela crescer sem uma mãe?

Podia ser um egoísmo enorme de minha parte, mas eu não conseguia sequer pensar em Taylor superando minha morte, Taylor nos braços de outra mulher. Uma mulher desconhecida criando minha filha porque eu não tive forças o suficiente para lutar contra a escuridão.

Então eu me agarrei a isso. Lutei contra a vermelhidão e o fogo foi se dissipando aos poucos. Ainda doía, ainda machucava, mas estava muito mais fácil agora, eu estava muito mais forte.

Não tinha nenhuma noção de quanto tempo se passara. Podia ter sido minutos, horas, dias ou anos, eu não sabia. Não sabia nem se – mesmo com minha evidente melhora – eu sobreviveria.

Então, depois de muito tempo, eu tinha certeza de que eu estava bem.

Ouvi uma respiração regular bem perto de mim. O coração batia lentamente e a pessoa chorava lágrimas silenciosas.

Alguém entrou na sala. Seus passos eram pesados e longos como só os de Jacob eram.

– Taylor, você não pode ficar ai para sempre. – Ele disse – Tome um banho, espaireça um pouco. Você acha que Juliet vai gostar de acordar e te ver com essa cara de morto?

Era Taylor que chorava.

– Vamos – continuou Jacob – Se ela acordar eu juro que te chamo no mesmo instante.

Taylor suspirou.

– Você tem razão – ele disse com a voz rouca – Eu não consigo me desgrudar dela, se a respiração dela ficar irregular de novo – Taylor engasgou com as lágrimas e depois pigarreou – Se ela acordar...

– Eu te aviso – Jacob completou enquanto Taylor levantava de sua cadeira.

Eu não vi nada, só ouvia. Taylor colocou a mão no ombro de Jacob.

– Obrigado – Taylor agradeceu.

– Você é meu irmãozinho Taylor, eu acho.De qualquer forma, você é meu irmão. Eu sempre vou te ajudar.

Ouvi um sorriso nos lábios de Jacob e Taylor acenou a cabeça.

Senti uma leve pressão em minha testa e um calor que não machucava. Se eu pudesse já teria sorrido.

Algo inacreditável aconteceu. De repente a dor duplicou. Queimava meu peito, minhas pernas, do meu cérebro até a ponta dos dedos. Era gelo, não era mais fogo. Gelo que me queimava. Aos poucos o gelo foi se transformando em fogo e eu explodi. Explodi dentro de mim mesma em toda aquela realidade vermelha, meu coração batia rápido – era diferente do coração de Nessie, mas ainda sim rápido –, eu estava forte, disposta, queria levantar dali e saltar de casa em casa.

Um calor adorável me invadiu, era bom, natural. Eu esperei alguns minutos para ter certeza de que não ficaria com dor novamente, de que não explodiria em gritos agora que já tinha a capacidade de me mexer. Alguns minutos se passaram e eu sorri.

A respiração de Jacob parou.

Devagar eu abri os olhos e fitei o alto impressionada.



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