Doce Pecado escrita por Akiel


Capítulo 17
Teatro


Notas iniciais do capítulo

A partir desse capítulo, o ponto de vista do narrador se torna o da Alexis e os nomes dos capítulos aparecem acompanhados do sub-título da história, "Amarga Redenção".



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Amarga Redenção

Teatro

Esse é o mundo para mim. Um teatro sem peças definidas, apenas atores que tentam escrever seus próprios roteiros, falhando miseravelmente. Afinal, que pessoa sabe o que realmente quer? Quero dizer, qualquer ser humano tem consciência de seus sonhos e desejos, dos anseios que atormentam sua mente. Mas e quanto ao que a alma deseja? O que dizer sobre os sonhos do espírito? Quantos seres humanos, nesse belo e vasto mundo, são capazes de perceber pelo que realmente anseiam?


Se alguém perguntar a uma pessoa o que ela deseja, muitas respostas podem ser dadas. Carro, casa, dinheiro, fama, poder, etc. Mas, para essa pessoa, o que significam esses desejos? Uma felicidade momentânea, uma satisfação passageira? Nada mais do que sonhos vazios, de caminhos sem sentido. Ah, sempre me espanta a habilidade do ser humano de ficar surdo para as preces do próprio coração!


O que esse pequeno órgão, que bombeia o sangue que corre por seu corpo, poderia pedir? Ele não tem vida, não é mesmo? É a apenas uma parte de seu corpo, necessária para que sua vida vazia possa continuar, não é? Infelizmente, não. O coração é a manifestação da alma na carne, da vida que foi dada a você e pela qual você não tem o mínimo cuidado ou carinho. Os anseios do coração são apenas as necessidades da alma, do espírito que implora por algo mais do que sonhos materiais, do que objetivos sem valor.


A alma precisa de mais. Precisa de paz, de algo que a conecte ao mundo em que vive, que dê a ela forças para seguir em frente. O espírito precisa de um motivo para estar nesse mundo e tal razão não pode ser encontrada em um carro, em uma casa ou em notas de dinheiro. O motivo da alma só pode ser encontrado em algo que possui um coração pulsante ou, pelo menos, mostre a mesma vida que existe no espírito.


Eu tentei fazer isso, achar a razão de minha alma, atender aos pedidos de meu coração, mas é difícil. Por séculos, desde que me tornei o que sou, busquei por algo que fizesse a vida que restou em mim se manifestar, mas a cada era que passava, só encontrava escuridão. Corações vazios, mentes insanas, almas perdidas, um mundo que morre aos poucos, perdendo sua beleza para a escuridão que seus habitantes fazem nascer.


Então, acho que é engraçado, um tanto quanto irônico, que eu tenha encontrado o que busco justamente nesse lugar. Uma igreja, um lugar aonde, normalmente, as pessoas vão para buscar conforto, paz. Nunca imaginei que minha paz pudesse estar nos olhos negros de um padre, que o fraco som de meu coração pudesse encontrar eco nas batidas existentes em um peito que arde com uma fé tão verdadeira e inocente. Mas é isso, ele é o que procuro.


Alguém que pode acalmar a agonia que corrói meu coração, o desespero que atormenta minha alma. E ele consegue, mesmo sem ter consciência disso. Amadeus, doce padre cuja presença é o suficiente para me fazer voltar a ter fé na humanidade.


Aproximo-me, mas ele não me nota, está concentrado demais em sua oração. Ajoelhado perante uma cruz, o símbolo de sua fé, segurando outra entre as mãos juntas. Abaixo-me e o observo. Cabelo negro contrastando com a pele pálida e os lábios finos, pálidos. A batina que parece combinar perfeitamente com o corpo magro, aumentando a força da presença de Amadeus. A imagem dele é como a de uma escultura. Uma bela e preciosa obra de arte prestes a ser quebrada pelo desespero de meu coração egoísta.


– Amadeus. – chamo e ele se vira, mas sou mais rápida e me afasto antes que ele possa me ver – Amadeus. – repito. Quero dizer algo além desse nome, mas nada me vem à mente, nenhuma outra palavra aceita deixar meus lábios.


Toco o pescoço, afastando o tecido negro. Amadeus sente meu toque e seu corpo fica tenso. Sem querer dar alguma chance para que ele fuja de mim, mordo a pele macia, sugando o líquido vermelho que escapa do ferimento. Um grito deixa os lábios de meu belo padre. E ele reza. Uma prece sincera, dita com todo o coração, um pedido de salvação.


Desculpe-me, Amadeus, mas eu não tenho a intenção de deixá-lo partir. Afasto meus lábios e o corpo fraco cai sobre a madeira, olhos escuros observando o quadro que a tinta vermelha pinta sobre o chão. Deslizo minhas unhas pela face pálida, aproximando-me e beijando os lábios trêmulos. Amadeus engole em seco, toda sua concentração voltada para a cruz em sua mão.


Beijo os dedos machucados, tomando o sangue que os envolve. Sinto o frio da prata sobre meus lábios. Uma cruz, fé. Você pode me fazer voltar a acreditar? Um fraco sorriso surge em minha face. Não quero machucá-lo. Só desejo que continue a fazer o que consegue, que continue a me fazer encontrar com a esperança, a paz de um mundo que só existe em minhas lembranças. Faça-me sonhar novamente.


– Seja meu. – peço – Até que esse mundo se afogue em escuridão e seja destruído por seu próprio sangue. – inclino-me sobre Amadeus, sentindo o corpo fraco tremer sob meu toque. – Quem sabe você possa me mostrar novamente a luz – digo, tocando o queixo fino. Eu sei que você pode – A luz que há além do pecado.


– Você... – ele começa, o sangue atrapalhando sua fala – Você é... Um pecado.


Por um momento, essas palavras me machucam, mas não há nada que eu possa fazer. Sob o olhar dele, eu sou um pecado, algo que não deveria existir nesse mundo e, se existe, só representa o lado mais profundo da escuridão.


– Todos somos pecados, pecadores. – digo – Esse mundo é o mundo do pecado.


Um belo mundo destruído pelas mãos daqueles que o deveriam valorizar e proteger.


– Da salvação. – ele corrige.


Sorrio, beijando a face bela, o pescoço machucado. A fé no coração de Amadeus é poderosa em sua inocência, na simplicidade com que ele vê o mundo. Ah, Senhor, eu quero que ele me mostre, quero ver, assistir como essa fé se mostrará em meu mundo, em minha escuridão. Se o coração dele sobreviver ao que tenho para apresentar, então ele realmente é tudo o que tenho procurado.


– Seja meu. – peço mais uma vez – Somente meu. Assim veremos o que vencerá no final: a sua luz ou a minha escuridão.


Beijo o peito que sobe e desce de maneira irregular, minha força, a energia em mim, fazendo com que outro grito escape por entre os lábios de Amadeus. Ele sofre e luta, resistindo como pode ao que faço. Belo, forte.


– Meu. – sussurro, me levantando – Somente meu.


Afasto-me, deixando-o para ser encontrado por seus colegas. Você poder ser, Amadeus? Você pode ser meu? Sua bela e profunda fé será capaz de curar meu coração, de acabar com minha solidão? Sei que o que faço te faz sofrer, mas acredite, padre, eu quero que sua luz vença essa batalha. Já não aguento mais minha escuridão.


Salve-me de mim mesma, Amadeus. Por favor.




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Notas finais do capítulo

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Créditos da capa: Missinsolence. (http://missinsolence.blogspot.com/)



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