Hocus Pocus escrita por Tatiana Mareto
O Feitiço
Dois dias depois, minha mãe bateu à porta do meu quarto. Já era mais de uma hora da manhã, eu tinha tido um dia horrível na universidade e tudo que queria era cama. Pensei que se ficasse quieta ela iria embora, mas eu estava sendo muito boba. Minha mãe tinha a qualidade de não desistir facilmente de nada. Vendo que eu não responderia, ela entrou no quarto acendendo a luz. Fui obrigada a acordar, contrariada.
_Vamos... preciso falar com você.
_O que foi agora? Não podia esperar até amanhã?
_Não. Você sempre sai antes de eu acordar e vai dormir antes que eu chegue.
_Talvez porque eu estude...
Minha mãe fez uma careta e sentou-se em um sofá. Meu quarto mais parecia uma sala, de tanto espaço e móveis. Nem fui eu que decorei, Brad contratou uma mulher nada inteligente para aproveitar melhor os espaços. Como se precisasse daquilo, em uma mansão com aquela.
_Muito engraçado, Débora! A questão é... preciso que você tome conta de Bob e Luke no próximo fim de semana.
_Por quê?
_Eu e seu pai vamos à Ásia. Ele está envolvido na produção de alguns artistas... você sabe, esse povo que canta e rebola. E vamos a um evento beneficente.
_Brad não é meu pai. – Resmunguei. – E eu não preciso tomar conta dos dois, vocês têm duzentos empregados.
_Falei no sentido de administrar.
_Tá bom... quem é o povo que rebola que contratou Brad?
_Um tal de Shinhwa.
A simples menção daquela palavra fez com que meu sono desaparecesse totalmente. Nunca pensara que o serviço estúpido de produção de som e imagem de Brad me fosse servir para alguma coisa que não para encher a casa de dinheiro. Eu amava o Shinhwa, era a melhor banda de todo o mundo. Daria qualquer coisa para conhecê-los, e precisei fazer uma proposta para minha mãe. Tentaria ser discreta, mas discrição nunca fora meu forte.
_E se nós formos com vocês? – Minha voz estava fraca e gaga.
_Nós? Você está querendo dizer levar as crianças????
_Sim... claro! Eu poderia... tomar conta deles, e você leva Mercedes.
_Débora, isso é uma viagem de negócios, e não um tour familiar.
_Mas mãe... é o Shinhwa... o Shinhwa!
_Quem são esses afinal?
_Uma banda legal... – Desconversei. Eu tinha 30 anos, ficar histérica por seis rapazes não era nada maduro.
_Aquela que você ouve o dia todo? Aqueles que falam esquisito?
_Talvez.
Minha mãe me olhou com olhos maliciosos. Ela sabia quando eu estava em suas mãos, querendo desesperadamente alguma coisa. Mãe sempre sabe essas coisas... essa é a parte chata.
_Vou conversar com Brad a respeito e ver o que ele acha.
Ela saiu, apagou a luz e acendeu meu pavio. Não conseguiria mais dormir, fiquei a noite inteira pensando em ir à Ásia e conhecer o Shinhwa. Eu já tinha ido à Ásia, não gostei muito. Era inverno, fazia um frio horrível e meus dedos levaram uma semana para descongelar de vez. Mas daquela vez... era por uma boa causa. Bem, fazia tempo que ir à Ásia seria sempre por uma boa causa.
Naquela mesma semana, eu estava trancada no sótão fazendo experiências químicas desastradas. Adorava fazer as coisas estourarem, mas nunca dava conta de arrumar a bagunça depois. E, trancada com meus equipamentos, Bob não aparecia para perturbar. Ele simplesmente morria de medo de mim, achava que eu poderia fazer algo terrível contra ele. Adolescentes tolos; os doze anos de Bob faziam apenas com que ele fosse mais estúpido. Mas eu estava lá, anotando resultados fracassados, quando Consuelo bateu à porta. Sua voz era estridente, sinal que estava excitada com alguma coisa.
_Debby! Chica, abra a porta, vamos! – Gritava ela, ao mesmo tempo que esmurrava a porta. Caminhei lentamente até a fechadura e a destravei. Consuelo quase caiu para dentro do sótão, como um foguete.
_Calma! Assim vai se machucar! O que houve?
_Veja o que consegui!
Consuelo exibiu nas mãos um livro velho que fedia a poeira e mofo. Tinha uma capa de couro com alguma coisa escrita, mas não dava para ler.
_O que é isso, afinal?
_O livro da magia. – Os olhos de Consuelo brilharam quando ela pronunciou o nome do livro. Foi como se tudo dentro dela se iluminasse. – Minha avó costumava usar, pensei que havia sumido mas encontrei hoje cedo, quando arrumava um baú velho.
_E? – Fiz-me de desentendida.
_E? E? E que eu vou provar para você que espíritos existem, e que a magia pode ser muito poderosa!
Controlei meu impulso de rir novamente, ou minha amiga ficaria magoada. Seria capaz até de ela me lançar um... feitiço.
_Consuelo... tenho coisas mais importantes para fazer! Aliás, já te contei que provavelmente vou à Ásia conhecer o Shinhwa?
Consuelo franziu as sombrancelhas, curiosa
_Como? – Minha amiga momentaneamente esqueceu-se daquele livro idiota.
_Isso mesmo que você ouviu. O Shinhwa contratou a firma de Brad para gerenciar alguns eventos, e ele e minha mãe vão para lá. Estou... tentando convencê-la de que isso é muito importante para mim, entende?
_Mas que chica sortuda! – Consuelo jogou o livro sobre o velho sofá. – Muita sorte mesmo, você tem!
_Tudo bem, eu te trago um autógrafo... hehehehe.
_Tá bem, tá bem. Mas... vamos estudar o livro de minha avó?
Quando eu pensava que a tinha feito esquecer-se de toda aquela asneira de magia, lá estava Consuelo novamente com aquela conversa. Olhei desanimada para ela e para o monte de tranqueiras que se amontoavam sobre a mesa de experiências. Se minha mãe visse aquilo...
_Estudar isso como? – Desisti de discutir.
_Oras... lendo! Fazendo algum feitiço!
_Por favor, Consuelo... já não basta o que apronto aqui? Minha mãe vai me arrancar as tripas pela boca.
_Magia não faz bagunça, chica! – Consuelo afastou os vidros e papéis de cima da mesa e colocou o livro ali, abrindo em alguma página.
_Já vi que não tenho como te impedir mesmo, né... – Disse, jogando-me no sofá empoeirado.
_Veja... que tal essa? – Consuelo virou o livro para mim. Pude ler “cambiar cuerpo”, e não entendi muito.
_O que essa significa?
_Que fazendo esse feitiço você poderá trocar de corpo com a primeira pessoa que olhar profundamente nos olhos...
Desatei em uma gargalhada descontrolada. Eu realmente achava aquilo estúpido demais, completamente anormal.
_Consuelo, cai na real! Isso é completamente impossível.
Enquanto eu falava, pregando um discurso de ceticismo e ciência, Consuelo lia as palavras em um espanhol carregado, entonando um sotaque sombrio. Uma ventania entrou pela janela do sótão, e parei subitamente de falar. Minha amiga tinha o livro nas mãos, pronunciava palavras sem nexo, seus cabelos esvoaçavam e nada mais parou no lugar. Tudo começou a tremer e sacudir, como se tivéssemos sido atingidos por um terremoto. Consuelo olhou para mim e alguma coisa que não vi me arremessou contra a parede, no mesmo instante em que os tremores e ventos cessaram.
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