Eu poderia ser a pior pessoa do mundo, e mesmo assim não iria merecer estudar na mesma sala que aqueles demônios.

Lá estavam eles, gritando no hotel, bagunçando os móveis, perturbando os hóspedes... Pareciam animais! Não, retiro o que disse. Os animais não merecem ser comparados a eles.

Tudo isso foi causado por um simples motivo: a chuva.

Sim, além da chuva de ontem, que pegou todos de surpresa, inclusive eu, tudo indicava que hoje iria haver outra tempestade, e ainda pior. Bem, essa era a época das chuvas. Mas bem que podia não chover para tirar esses meninos de perto de mim, não é São Pedro?

Eu estava sentada na recepção do hotel, ouvindo música no meu amado Ipod e tentando ler um livro. Digo tentando porque aquelas criaturas não deixavam. Eu estava para assassinar um ali mesmo. Mas eu tentei me acalmar e pensar em coisas melhores como...

Como a Bia.

Sacudi minha cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Eu não podia mais pensar nisso... Mesmo que eu queira. E eu quero.

Suspirei, e tentei ler pela vigésima vez a mesma página. Do que esse livro falava mesmo...?

- Fernanda! Ei Fernanda!

Coloquei a mão na minha testa, e dei um pequeno rangido de raiva. Já não bastava aquela gritaria, agora alguém queria falar diretamente comigo!

Eu não suporto conversar com as pessoas. Eu deveria fugir para a floresta e morar lá com as onças.

Só que eu não podia, porque estava chovendo e eu não teria onde recarregar meu Ipod.

Levantei a cabeça para ver o maldito ser que queria falar comigo, e percebi que não era só uma pessoa, eram duas.

Em frente a mim, estava Ana e Daniela.

- Fernanda de Deus! Eu preciso falar com você! – Ana me disse com aquela voz de patricinha, se sentando ao meu lado e fazendo cara de fofoqueira.

Eu olhei para ela com a minha pior cara possível e disse:

- Primeiro: Eu não sou de Deus. Acho mais fácil ser do demônio. Segundo: Eu não quero falar com você.

- Ora, mas rapaz! – Daniela interferiu na conversa, descruzando os braço e aproximando sua cara da minha. – Não fale assim com a minha namorada!

Ana fez um barulhinho tosco de surpresa, enquanto Daniela olhava envergonhada em sua direção.

- Amor, eu não... Não quis...

- Tudo bem, Dani. – Ana disse sorrindo – Eu deixo.

Daniela abriu um sorriso enorme, e elas ficaram olhando uma para outra por um tempão. Eu já estava completamente enjoada dessa cena, e como não queria continuar segurando vela, peguei minhas coisas e me levantei para ir embora.

- Espera aí. – Daniela segurou meu braço – Você não respondeu ela.

Eu tirei meu braço com força, e falei com voz de deboche:

- Eu já respondi. Disse que não quero falar com vocês.

- Ora sua...

Eu andei depressa, antes que ela pudesse fazer alguma coisa.  Eu já estava um pouco longe quando ouvi a Ana gritar:

- Você sabia que a Carol e a Manu terminaram?

Parei de andar no mesmo instante.

Mas o quê?

- Co-como assim? – eu perguntei me virando devagar.

- Ah,agora você quer saber né? – Daniela sorria com deboche para mim. – Fofoqueira.

- Ora sua... – me preparei para brigar ali mesmo, mas Ana foi mais rápida:

- Tá bom. Parem. – ela foi até onde eu estava e ficou bem na minha frente, me encarando com aqueles olhos azuis. – Pelo visto você não sabia, né?

- Claro que não! – eu disse, confusa - Como assim terminaram?

- Eu tive essa mesma reação. – Daniela falou, mas eu a ignorei completamente.

- Eu não sei, tudo que eu sei foi isso que a Dani disse. – ela passou a mão pelos cabelos cacheados. – Oh meu Deus, eu preciso saber o porquê!

“Fofoqueira”, eu pensei. Mas admito que também estava curiosa...

- Já sei! – Ana falou isso tão de repente que eu levei um susto – A gente pode perguntar pra Bia!

Meu coração deu um pulo. Só em ouvir aquele nome...

- É verdade, amor. – Dani concordou.

Eu olhei para o lado. Eu não queria mais ter que olhar para ela... Eu não sei se conseguiria me controlar dessa vez.

- Ok! Estamos indo lá agora. Vamos Dani. – ela pegou a namorada pela mão, que sorriu com o toque.

Suspirei. Será que todo mundo aqui estava virando lésbica?

Ou sempre eram e não sabiam?

- Nanda! – me assustei ao ouvir alguém me chamar assim – Você não vem?

- Por-por que eu iria...? – minha voz saiu meio falhada.

- Porque você é amiga dela! Agora vem. – ela me pegou pelo seu braço livre e me arrastou pelos corredores.

Oh meu pai! Eu não mereço isso...!

- Pode entrar.

Ah, sua voz era tão linda... Controle-se mulher! Você não pode agir assim...

Ana abriu a porta do quarto com força, e em seguida entrou Daniela. Eu caminhei devagar para dentro do quarto, procurando a mulher da minha vida, e acabo a encontrando sentada na cama, olhando impassível para a gente. Mas ela não era a única sentada na cama. Para meu extremo desgosto, ali do seu lado estava Carolina.

- Er, a gente... – Ana começou, mas foi cortada pela voz triste da Carolina.

- Eu sei por que vocês estão aqui.

Ela estava muito séria, olhando para um ponto fixo no quarto, mas, de uma hora para outra, começou a chorar.

Beatriz a abraçou com força, o que fez meu coração se despedaçar em pedaços. Eu quase comecei a chorar também, mas não sei como eu consegui me controlar. Por enquanto.

- Calma Carol... – Bia alisava seus cabelos e falava baixinho no seu ouvido. Como eu queria que no lugar daquela Carolina idiota fosse eu...

Sacudi a cabeça. Você está fazendo isso para o bem da mulher que você ama, lembra Fernanda?

- Pelo amor de Deus, Carol! – Ana não conseguia mais controlar sua curiosidade. – Fala logo!

- É, fala logo. – a voz de Dani estava entediada – Eu não consigo imaginar porque vocês terminaram, a Manuela parecia fissurada em você...

Ao ouvir isso, Carolina começou a chorar mais.

- Dani! – Ana gritou com ela, batendo no seu braço.

- Ai, amor! Desculpa! Escapou...

- Você não podia ter arrumado uma namorada mais sensível não? – eu comentei, revirando os olhos.

- Como assim namorada? – Beatriz perguntou olhando diretamente para mim, o que fez meu coração ir lá na boca e voltar.

Droga... Como pode ser tão linda?

- Isso não interessa agora! – Ana se virou para Carol e pegou em seus ombros, sacudindo-os. – Se recomponha mulher!

Depois de ouvir isso, Carolina (à muito custo) parou de chorar. Ela suspirou, olhou para Beatriz (que fez sim com a cabeça) e se preparou para contar.

Certo... Eu não era fofoqueira, mas eu estava muito intrigada com aquela história toda.

O que aquela vaca tinha feito para deixar a Carolina naquele estado?

E o mais importante... Agora que elas terminaram, o caminho ficou livre para a Beatriz. E isso é bom, não é...?

Droga, a quem eu estou tentando enganar? Isso é a pior coisa que pode acontecer na minha vida!