Eram seis da manhã. Ela enfim acordou. O despertador já tocava pela quinta ou sexta vez, e era a quinta ou sexta vez que ela tateava o criado mudo, procurando de onde vinha aquela vibração, acompanhada de sua música favorita. Não que ela não quisesse ouvi-la; sabia como era delicioso dormir ao som daquela música. Mas algo a movia; simplesmente aquela urgência inexplicável de toda manhã, a urgência de cessar qualquer som.

            Ela por fim alcançou-o, e apertou o botão na lateral direita. A música parou no meio de um grito do Justin, e o quarto voltou ao silêncio pela derradeira vez.

            Revirou-se na cama, uma, duas, três vezes. Em sua cabeça, o tempo parecia paralisado. Não havia motivo para levantar.

            Ah, sim, era domingo.

            Com um gemido de protesto, levantou. Olhou-se no espelho. O cabelo longo, que descia até pouco abaixo de sua cintura e não mais que isso, estava bagunçado, como em toda manhã. Percebia também que sua barriga rangia de fome. Tentou lembrar-se do que havia jantado na noite passada, mas não conseguiu. Se quer havia jantado noite passada? Novamente, não sabia. Passou as mãos nos olhos, ainda pesados, e tentou focalizar melhor. Seu quarto, escuro, com poucos feixes de luz adentrando pelas frestas da janela fechada.

            Que dia era aquele? Abriu um sorriso. O dia de ir à igreja.

            De repente, a cama parecia lhe chamar novamente.

            Olhou para o relógio. Quase sete horas. Já era até tarde. O celular devia estar perdido em algum lugar do quarto. Não iria procurar ainda, no entanto. Abriu o armário. O que iria usar?

            Escolheu, por fim, uma camisa preta xadrez, e não teve dúvida alguma: escolheu sua calça jeans escura, com um sorriso no rosto. Olhou-se no espelho, e pensou no quão retardada devia estar parecendo, sozinha, desarrumada e sorrindo tanto quanto uma máscara de teatro.

            E pensou o que sempre pensava: Foda-se.

            Abriu a porta de seu quarto, e foi cegada pela luz. O sol brilhava forte, e o desgraçado fazia questão de entrar pela janela. Piscou diversas vezes, até por fim se acostumar. Seguiu para o banheiro, e tomou um longo, demorado banho quente.

            Olhou-se no espelho embaçado. Os fios de cabelo, intercalados entre preto e mechas mais claras nas pontas, caiam-lhe sobre a testa, e desciam seu pescoço até chegar a sua cintura. Pingavam água. Passou sua toalha favorita novamente pela cabeça, mas o cabelo continuara molhado. Deu de ombros, e passou a camisa pela cabeça assim mesmo, molhando o colarinho.

            Jogou o cabelo da testa, e penteou-o para os lados. Olhou-se no espelho novamente. Era daquele tipo que as outras pessoas não entendiam. Era aquela que a maioria das garotas odiava, deixava de lado. Ela mesma se achava feia. E nem sabia o quanto era linda. O quanto era complicada e perfeitinha, e o quanto charme havia no seu jeito. O quanto sua imperfeição era perfeita, e como nenhum adjetivo fazia jus ao que realmente era. Ela não sabia de nada disso, mas nós sabemos.

            Saiu do banheiro, e seguiu para seu quarto novamente. Acendeu a luz, e ligou o computador. Tentou fazer o mínimo de barulho possível. Bateu as unhas contra a mesa, na ordem: indicador, médio, anelar, mínimo, fazendo aquela série de ruídos que tanto gostava. Quando o computador finalmente terminou de carregar, os poucos minutos que pareciam um século de tédio, abriu o navegador. Digitou na barra de pesquisa o nome de seu site favorito, e esperou carregar. Abriu já na sua home, e pegou-se sorrindo novamente. Justin, o Bieber estava online no twitter. Ele era o amor de sua vida. Literalmente. Mandou uma reply para ele:

“I love you now and forever.”

- Narrado por Alice -

Alguém bateu na porta e entrou logo após eu permitir a entrada.

- Alice nós vamos à igreja, já se arrumou?

- Vamos. – Respondi.

Desliguei o computador. Peguei meu celular que estava debaixo da cama e desci para tomar café.

- Mãe, eu posso ir ao shopping hoje?

- Não sei. Você sabe muito bem que o seu pai não vai deixar.

Fiquei calada.

- Vá! Mas, eu vou falar para o Júlio que você foi à casa da Estela. Tudo bem? Volte cedo.

- Obrigado mãe. Eu te amo muito. – Abracei-a.

Sai da sala e fui procurar o meu pai.

- Pai?! Me dá cinquenta reais?

- Para quê?

- Eu estou precisando.

- Pega. – Ele falou tirando um bolo de dinheiro do bolso só com nota de cem e cinquenta reais e me deu... Cem reais. Ok, meu pai é de mais.

Minha família é muito rica. Meu pai se chama Júlio, minha mãe se chama Amanda Quarterolli, eu tenho uma melhor amiga, ela se chama Estela Pollak, tenho dois ídolos, Jesus & Justin. Eu os amo tanto. Tenho um sonho... Como qualquer ser humano; Conhecer o Justin Bieber.

Minha mãe não gostava muito dele, ela é evangélica, meu pai é evangélico, eu também sou... Sobretudo, gosto muito do Bieber. Minha mãe me apoia em quase tudo que eu faço, ela só não gosta que eu gaste o meu dinheiro comprando coisas sobre o Bieber, porque se o meu pai me pegar fazendo isso, ele briga comigo e com ela... Coitada! Eu sou um pouco maluca, divertida, não me acho à rainha da beleza, sou linda do meu jeito, pois Deus não comete erros. – Ah moleque... Filosofei. – Alice Quarterolli, 16 anos, olhos verdes escuros misturando com castanhos claros, cabelo preto e longo, pele branca. Alguma dúvida? Eu estudo em escola particular e estou terminando o ano. Com fé em Deus eu vou fazer meu intercâmbio um dia... Fé é o que eu tenho de sobra.

Entrei no carro e fomos à igreja. Eu me sentei na frente para poder ouvir melhor o que o pastor falava. Brincadeira, eu não sou surda.

Hora da oração...

“Deus, estou aqui em tua presença para te agradecer pela minha vida, por tudo que eu tenho e por tudo que eu ainda vou ter. Jesus, eu te peço que me ajude a realizar todos os meus sonhos, oro pelo Justin Bieber para que ele fique bem. Agradeço-lhe pela minha família maravilhosa que eu tenho. Pai, eu te amo e obrigado por esta manhã abençoada. Amém.”

Terminou-se o culto e fomos embora.

Ainda estava no carro, meu pai conversava com a minha mãe e o rádio do carro estava ligado no volume médio. Então, liguei para a Estelinha.

- Ligação Iniciada –

- Estela? – Perguntei

- Oi amiga, como vai você?

- Estou ótima. Vamos ao shopping hoje? – Falei baixo para que meu pai não pudesse ouvir.

- Vamos. Vou pedir a minha mãe e você passa aqui em casa.

- Ok. Beijos Estela Pollak, coisa linda da minha vida. – Melancolia On. 

- Ligação Finalizada –