Mariana apertou todas as fivelas de sua armaduras, deixando-a bem presa á seu corpo, mas de um modo que ainda pudesse ter movimentos flexíveis e livres.

Ela posicionada no meio da arena de treinamento de esgrima, que fora modificada e interditada para o uso pessoal dela e de seus amigos. Não oficialmente, é claro. Na verdade, a própria filha de Ares expulsara as pessoas de lá.

Mas aquilo não era importante no momento. Mariana respirou fundo e se concentrou no seu principal objetivo. A filha de Ares estava na frente de dois bonecos de palha, que mostravam as costas para ela.

- Agora... – Pensou ela apertando o cabo da lança em suas mãos. Ela correu ferozmente em direção aos bonecos e nocauteou-os com dois simples golpes. Suas cabeças foram cortadas e palha voou pela arena. Ela correu para o canto direito da arena, onde tinha uma pilha de pedras amontoadas. Já tinha comprido o seu primeiro papel.

Bia e Nina correram em direção ao centro da arena e começaram a lutar entre si. Não usavam armas, só golpes com a mão. Tinham aprendido algumas técnicas de artes marciais para autodefesa, e as treinavam calmamente.

Por cima da cabeça de Mariana uma pessoa passou com um longo pulo, parando do outro lado da pilha de pedras e tocando o chão com seus dedos. Amanda olhou para a briga das duas heroínas, e correu em direção á parte mais afastada da arena.

- Um, dois, três... – Amanda contava os seus passos com todo o cuidado. Enquanto a filha de Hermes fazia a sua parte, todos também estavam colaborando.

Vinícius e Rita ficaram de prontidão no início da arena. Mariana atrás das pedras de prontidão. Bia, Natália e Nina lutando. Só faltava a filha de Hermes, mas então... Amanda parou.

- Não! – Exclamou Marcos. O semideus apareceu na arena de repente, e todos interromperam seus movimentos para olhá-lo. O garoto andou até onde Bia e Nina estavam, e olhou para a filha de Hermes – O que houve?

- Eu perdi a conta. – Respondeu Amanda sem graça.

- Aaaaah, valeu! Que droga, Amandinha! – Reclamou Mariana saindo de trás das pedras – Viu só, Marcos?! Não tem como ela ficar com essa parte do plano! Ela é muito cabeça de vento!

- Foi sem querer! É que... Desculpa. – Amanda tentou se desculpar, mas viu que não vai dar certo.

- Amanda... – Marcos respirou fundo. Ele não estava com raiva dela. Só queria ajeitar a situação do melhor jeito possível – Vamos explicar novamente como isso vai funcionar.

Marcos pegou um mapa e o abriu no chão. Todos se ajoelharam para poderem ver sua explicação.

- Depois que vocês entrarem no Mundo Inferior e passarem pela caverna descendo o abismo, vão dar de cara com isso. – Ele apontou para uma pequena caverna, que ficava logo do lado direito do enorme piso subterrâneo – Essa caverna é onde eles colocam os prisioneiros. Geralmente tem dois guardas no lugar, e eles ficam sempre vigiando quem está atrás das grades.

Marcos mostrou um tipo de prisão pequena, quase como uma jaula no fim da caverna menor.

- Rita e Vinícius vão ficar nas pilastras do canto para impedir que qualquer outro monstro ou vigia entre aqui. Enquanto isso a Mariana entra e derruba os guardas, depois corre para trás da pilha de pedras e fica alerta. – Continuou ele – Bia e Nina vão entrar e lutar com os outros monstros que aparecerão.

- Mas se Rita e Vinícius vão ficar cuidando da porta, como outros monstros vão surgir? – Perguntou Bia querendo entender.

- Simples. Eles surgem na escuridão. É, dá um pouco de medo, mas sem problemas. Quero que o filho de Dionísio e a filha de Afrodite fiquem na porta porque eles têm maiores habilidades de ilusão que os outros. Vinícius tem o dom de deixar as pessoas loucas... – Marcos foi interrompido pela risada de Nina.

- Há Há! Ele é tão chato que enlouquece os outros! – Riu Nina.

- Tanto faz. – Disse Vinícius sem ligar.

- E tem também a habilidade de provocar risos desesperados. – Continuou Marcos rindo de Nina.

- Vínicius fazendo as pessoas rirem?! Isso é que é uma piada. – Disse Mariana rindo de Marcos – Esse moleque só tem piadas sem graça!

- É um poder, não uma capacidade. Sério. Tem diferença. – Comentou Marcos – E a Rita tem o poder da ilusão. Ela pode manipular as pessoas, por isso se Vinícius não conseguir, ela vai estar lá para ajudá-lo com o restante dos monstros e semideuses.

- Certo. – Confirmou Rita.

- Enquanto isso... Vem a parte mais perigosa. – Disse Marcos olhando para Amanda. A filha de Hermes respirou fundo e baixou a cabeça – Amanda, você tem que passar sorrateiramente pelo canto da caverna, e ir em direção á jaula. Você vai ser a responsável por arrombá-la e livrar os seus amigos. Mas...

- Eu sei. – Murmurou ela – Toma cuidado com o chão.

- Isso. Como é uma das partes mais baixas do Mundo Inferior, você tem que tomar cuidado onde pisa. Perto da jaula tem partes em que o chão é fino ou fraco demais. Um passo em falso e você pode abrir uma cratera de lava. Se fizer isso, o chão todo desaba onde você está, e é o seu fim e o fim dos seus amigos dentro da jaula.

Amanda olhou para ele, e notou que todos os seus amigos a encaravam.

- Ok. Eu já entendi. Dê só 18 passos em direção á jaula. Vire a direita no 19º, e continue reto até o 24º. – Disse Amanda como se fosse uma canção – É que parar para contar isso é difícil quando você está com pressa, e ainda mais quando está dê olho para ver se algum monstro aparece nas sombras para te atacar.

- Deixe isso por conta da Mariana. – Disse Marcos – É por isso que você tem que ficar atrás das pedras. Tem que ficar de olho para ver se alguém aparece, e assim caso isso aconteça, lance a lança nela para proteger Amanda.

- Eu vou fazer isso. Relaxa. – Disse Mariana confiante.

- É sério! Se não fizer isso eu estou perdida! – Insistiu Amanda tensa.

- Tsc. Grande coisa. – Falou Mariana dando de ombros – Não confia nas habilidades de luta da filha de Ares aqui, não?

Amanda olhou para ela por alguns minutos, e depois para Marcos.

- É sério. Eu posso trocar de lugar com a Nina, ou com a Rita. Não me importo mesmo. – Disse Amanda não querendo confiar sua vida nas mãos de Mariana. Não que ela não acreditasse na filha de Ares, mas é que estava tensa demais com a história do plano.

- Não. Nós não temos tempo para procurar uma chave, por isso a filha de Hermes tem que arrombar a porta. Você é a única que consegue fazer isso. – Afirmou Marcos olhando para ela – Vai se dar bem. Confie os monstros á Mariana, e se concentre no chão.

- É fácil, Amandinha. É tipo aquela brincadeira: “O chão é de lava”. – Disse Nina tranquilamente.

- Ah, claro. Tsc. Quem liga? Não é lava de verdade nem nada, não é? – Falou Amanda dando de ombros em sarcasmo – Ok... Podemos tentar de novo.

Eles se levantaram e foram treinar mais algumas vezes. Amanda sempre errava a contagem, ou acabava virando para a esquerda ao invés da direita. O restante desempenhava seus papéis perfeitamente.

Na mente da filha de Hermes muitas coisas a incomodavam. A primeira era que duas pessoas iam se dar muito mal, e levando em conta que ela era a única que estava errando os movimentos, não se surpreenderia se fosse uma dessas pessoas.

Outra coisa era que a sua vida e a vida de seus amigos presos na jaula dependiam inteiramente de seus pés pisarem no lugar certo. Se Amanda errasse um mísero passo, o chão desabaria. Ela comentou com Marcos que poderia usar os sapatos voadores, mas ele disse que o teto era cheio de estalactites, o que poderia causar um grave acidente.

Depois de várias tentativas fracassadas, eles reorganizaram todas as coisas da arena no lugar, e caminharam em direção á formação em U.

- Não acham que devíamos contar para o pessoal sobre o nosso plano de buscá-los? – Perguntou Rita pensando no assunto – Nós vamos simplesmente fugir do Acampamento?

- Eles sempre escondem coisas de nós. Nunca nos contam profecia nenhuma, ou o quanto estamos ferrados. Por que deveríamos contar para eles o que nós vamos fazer dessa vez? Eles que se fodam! – Exclamou Vinícius sem ligar.

- É mesmo. E o que eles podem fazer? – Perguntou Amanda - Dizer que nós não vamos a lugar nenhum? Não podem nos impedir de sair do Acampamento.

- É! Vamos fugir, bitches! – Exclamou Nina animada com a idéia. Marcos riu.

- Vocês são um bando de loucos. – Disse ele olhando para o grupo que estava acompanhando – Olha... Acho melhor vocês voltarem ás suas atividades normalmente, e depois a gente se vê.

- Certo. Nós nos vemos então. – Concordou Mariana. Eles se separaram e foram cada um para seu canto.

Amanda estava quase indo para seu chalé, quando Marcos a alcançou.

- Ei! Quanto aos passos... Você quer alguma ajuda? – Perguntou ele – Eu sei que é difícil, mas eu já estive lá. Sei como andar por aquela caverna.

Amanda olhou para ele, e uma idéia passou pela sua cabeça.

- Uhm... Você não é um filho de Hermes, é? – Perguntou com a esperança de Marcos poder tomar o seu lugar naquela parte da missão. Ele riu.

- Não, sinto muito. – Respondeu.

- É, eu sei que não. Faz uns 3 dias que você vem treinando a gente, e eu vi que você fica em um chalé mais afastado. – Disse Amanda continuando a andar – Sua mãe ou pai é um Deus menor, não é?

- É sim. Minha mãe, na verdade. – Confirmou ele acompanhando seu passo.

- Quem é ela? – Perguntou Amanda puxando assunto.

- Ela é Nêmesis. Deusa da vingança. – Contou ele, e Amanda parou de andar para olhá-lo. Marcos pensou tê-la assustado por um segundo, mas então viu que não quando a filha de Hermes começou a rir desesperadamente – O que? O que houve?

- Vingança! Ah meu Deus, estou imaginando você com um bigode, sentado em uma escrivaninha, e dizendo... – Amanda tossiu um pouco para poder imitar uma voz mais grossa – “Rodrigo... Você foi ao meu Texas, andou no meu carro, e agora está pedindo a minha ajuda, e não me diz nem um um ‘oi’?” Há Há! Marcos, o poderoso chefão!

Marcos começou a rir ao ouvir isso, e Amanda riu ainda mais. Ele teve até que enxugar uma lágrima dos olhos de tanto rir.

- Nossa, você tem uma mente muito louca! É cheia de imaginação, hein? – Riu ele olhando para ela. Amanda sorriu de volta, tentando não rir.

- Pois é. Essa sou eu. – Sorriu ela de volta – Mas é que eu não consigo controlar a minha mente hiperativa.

- Ainda bem, porque suas idéias são muito engraçadas. – Riu ele.

- Obrigada. – Amanda estava rindo também, mas logo parou – É uma pena que isso não ajuda na missão, não é?

Marcos olhou para ela e viu que a filha de Hermes tinha uma expressão insegura. Ele respirou fundo tentando controlar o que estava prestes a dizer, mas resolveu falar.

- Vocês sabem porque vocês doze são tão especiais? – Perguntou ele. Amanda franziu o cenho para Marcos.

- É porque nós somos filhos raros dos Deuses. Somos mais poderosos que os nossos irmãos e irmãs. – Respondeu Amanda, e Marcos negou com a cabeça – Pelo menos é o que vêem nos falando durante todo esse tempo.

- Isso é só uma porcentagem da verdade. – Disse ele. Amanda franziu o cenho novamente, e olhou em volta. Estavam parados na frente do chalé 11, e alguns campistas passavam pelo gramado central. Estava escrito na cara de Marcos que ele não podia dizer nada com as pessoas ouvindo.

- Ótimo. Mentiram para nós mais uma vez. Adoro ser a última a saber dos assuntos sobre mim mesma. – Resmungou ela. Amanda teve uma idéia. A filha de Hermes foi para a porta de seu chalé, abriu e viu que não tinha ninguém dentro – Entra rápido. Vem.

Marcos franziu o cenho e entrou, um pouco hesitante. Ele fechou a porta atrás de si, e viu que Amanda tinha corrido para uma estante de livros no fim do cômodo. Seus dedos correram pela estante e puxaram o CD do Elton John, fazendo abrir uma porta secreta.

O filho de Nêmesis arregalou os olhos para aquilo.

- E se alguém quiser ouvir o CD do Elton John? – Perguntou ele tentando não rir.

- Ninguém nunca quer ouvir. – Respondeu Amanda – Eles preferem ver o que o CD do Elton John revela. Tcha-ram! Uma passagem secreta para a dispensa do chalé de Hermes.

Marcos estava impressionado. Amanda mandou ele entrar logo antes que alguém o visse ali dentro. Ele desceu alguns degraus que levavam á um tipo de porão, e Amanda fez o mesmo. Ela fechou a porta atrás de si, acendeu a luz.

- Bem vindo ao estoque interminável de itens contrabandeados do Chalé de Hermes. – Disse Amanda olhando em volta – Eu amo esse lugar. Mesmo.

- Isso é... Uau! Demais! Não sabia que vocês tinham isso aqui! – Exclamou Marcos impressionado olhando em volta – É por isso que vocês conseguem tudo o que nós queremos em troca de umas moedas.

- É, é sim. – Riu Amanda, mas então olhou para Marcos – Ei! Mas isso aqui é segredo, ouviu? Você não sabia disso, porque ninguém sabe também. Não conte a ninguém esse segredo.

- Se é um segredo tão importante, porque está contando para mim? – Perguntou ele sem entender. Amanda encolheu os ombros para ele.

- Achei que se eu fosse te pedir para contar um segredo, seria justo eu te contar um também. – Falou ela, e Marcos assentiu – Olha... Nós passamos por várias coisas bem difíceis. Nosso grupo teve que driblar muitos problemas. Nossas vidas viraram de cabeça para baixo em menos de um mês. Se tem alguma coisa que os Deuses não nos contaram, ou que Quíron não nos contou, acho justo que alguém nos conte.

Marcos assentiu concordando. Ele achou uma poltrona no canto do porão e sentou-se lá. Amanda deu alguns passos em sua direção, mas parou para analisar ums cesta enorme, como as das lojas, cheia de CDs.

- Já tiveram semideuses raros como vocês antes. Não surgiram todos ao mesmo tempo, é claro. Foram aos poucos aparecendo e sumindo. – Contou Marcos – Teve um filho de Hefesto uma vez, que tinha o mesmo poder de Mateus. Ele controlava o fogo.

- Mesmo? E o que aconteceu com ele? – Quis saber ela olhando os CDs.

- Ele provocou o incêndio de Chicago. – Contou Marcos com um sorriso engraçado – Um grande atrapalhado. Acabou morrendo. Não em Chicago, é claro. Porque ele era imune ao fogo. Mas atacado por um monstro.

- Ah... Que legal. – Murmurou Amanda – O que mais?

- Tiveram muitos outros. Teve um filho de Apolo que conseguia curar qualquer pessoa sem problema nenhum. Ele conseguia mexer com a temperatura dos outros. – Contou Marcos dando de ombros.

- Imagino... – Pensou Amanda com um sorriso torto para os CDs ao lembrar como os filhos de Apolo eram lindos.

- Mas nenhum deles teve um destino bom. Acabaram morrendo. – Continuou Marcos – O grande segredo com vocês, é que todos os doze são especiais. E todos os doze ficaram juntos. Isso é extremamente raro sim, mas piora cada vez mais quando mais uma fatalidade une vocês.

- Que fatalidade? – Perguntou Amanda erguendo os olhos para Marcos.

- Uma profecia. Não estou falando da profecia de uma missão. Não é nada comparado ao que vocês já passaram. É mil vezes pior. – Disse ele em um tom sombrio.

Amanda franziu o cenho para ele, um pouco preocupada, mas acabou sorrindo com um leve nervosismo.

- Como pode ser tão pior? – Quis saber ela.

- É a profecia... De uma guerra. – Respondeu ele inclinando-se levemente na poltrona. Amanda prendeu a respiração por alguns segundos e deixou o CD em suas mãos cair no chão.