Rosa de Vidro escrita por Mishiro-Chan


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Alguns pequenos detalhes foram mudados do Prólogo, mas a história continua a mesma.



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A casa, agora vazia, parecia muito mais meu lar do que aquele em que estava “voltando”, segundo minha mãe, Suzane. Meus olhos ficaram a contemplar o espaço vazio da sala onde ficava os dois sofás amplos e onde tive tantas brincadeiras com Lorena. As lembranças vinham instantaneamente. O espaço limpo da lareira sempre tinha alguma madeira ou sujeira de queimadas antigas em épocas frias e até tediosas, mas agora era só um espaço vazio com lembranças. Lembro-me que nos dias frios me aconchegava a fogueira esperando que o fogo me esquentasse quando o frio verdadeiro não era fora, mas sim dentro de mim.

– Nostálgica? – perguntou minha mãe adotiva com uma caixa marrom sobre os braços me encarando com um sorriso.

– Um pouco, vou sentir falta dessa casa. O que é isso? – me aproximei colocando as mãos na borda da caixa inclinando para o lado. Dentro da caixa estava maçanetas de vidro, torneiras de prata e outros objetos que deveriam ficar na casa.

– Os novos residentes que comprem novas. Sabe o quanto foi difícil achar essas maçanetas? – Suzane ergueu uma das maçanetas de vidro arredondada que conforme a luz do sol batia, adotava um arco-íris belo através do vidro. – Eu quase matei para conseguir essas maçanetas na loja.

– Certo certo, e obviamente não pode se livrar delas. – Balancei a cabeça rindo em seguida da mãe apegada a tudo.

– Mas é claro. Já se despediu da casa?

– Já sim, podemos ir. – Enquanto Suzane cantarolava à caminho do carro balançando a caixa com as maçanetas que quase havia matado para conseguir, dei uma última olhada na casa onde havia crescido. Os desenhos borradas nas paredes me lembravam as várias broncas que Suzane já havia me dado, puxando minha orelha e colocando de castigo. Lorena sempre vinha falar comigo com alguma coisa em mãos apenas para fazer inveja de que ela poderia fazer o que quisesse enquanto eu estava sentada em uma cadeira limitando os movimentos apenas ao balançar das pernas pálidas.

Antes de sair encostei uma mão sobre a porta de entrada com desenhos florais rústicos lançando um feitiço de proteção em latim, Tueri patriam amabat que significa Proteja o lar que amei. Sem mais o que fazer, tranquei o lugar e deixei a chave abaixo de uma plantinha no chão, lugar estratégico sugerido pelo corretor para que os próximos moradores encontrassem.

No longo caminho até a cidade de Gardner do italiano La Valle Gardner, fiquei a dedilhar o medalhão em meu pescoço, uma importante lembrança de minha mãe biológica. Suzane nunca falou muito dela, e nem ao menos o nome eu sei. Realmente nunca insisti em saber, deve haver um motivo para o mistério e se for grave eu prefiro não descobrir. Claro que eu tinha minhas dúvidas como... Por que ela havia me “abandonado”? Se havia dito que voltaria, por que não voltou até hoje? Estou com 16 anos, já é hora dela retornar. É cansativo explicar que sou adotiva toda vez que alguém comenta como eu não me pareço em nada com Lorena ou com meus pais, com meus cabelos castanhos claro surgiram sendo que Suzane, Lorena e Roberto tem cabelos negros.

– Lá está! Meninas vejam só! É Gardner! Vejam a placa de boas-vindas, reparem nas flores, se chamam Keuruff. – Fui surpreendida por Suzane apontando a enorme placa com madeira viva e flores roxo azuladas que tomava as bordas da placa como uma moldura. Lorena pulou sobre mim com seus enormes cotovelos a cutucar minhas pernas. – Não encostem nessas flores, apesar de lindas, são venenosas.

– São mágicas, não são? – Questionou Lorena voltando ao seu lugar para pegar o celular e tirar uma foto das flores semelhantes a uma Dahlia, mas com espinhos por todo o seu caule... com manchas avermelhadas.

– Tem sangue... nas flores. – Disse grudando os olhos nas flores piscando diversas vezes. Não somente sangue, posso jurar que em seu miolo pude ver dentes abrindo e fechando quase com um sorriso diabólico. – E dentes...

– Sim, são mágicas. E sim, tem sangue nelas. Provavelmente de animais. Ao encostar em uma Keuruff ela toma primeiro sua força vital, em seguida seus espinhos se prendem a você e sugam todo o seu sangue. – Apesar das palavras, Suzane não demonstrava nenhuma expressão de horror nem Roberto. Ambos pareciam bem, pareciam compreender completamente as flores assassinas. – Foram enfeitiçadas por bruxas das trevas na idade média, outrora foram fadas que espalhavam alegria sobre o mundo. As bruxas negras cansadas de tanta bondade as amaldiçoaram a se tornarem belas flores sanguinárias protegendo o vale e todos os seres que habitam nele.

– Tem uma outra lenda que afirma que as fadas queriam espalhar alegria purpurinada – Roberto começou e fez uma pausa para rir da expressão – sobre o vale e purificar as bruxas, mas foram consumidas pela magia negra que elas exalavam, se tornaram pequenos demônios e com o tempo flores com a aparência de fada e a intenção de um demônio.

– Não gostei dessa história. – Lorena se encolheu observando as flores pelo celular enquanto nossos pais riam.

– Achei que foram intrometidas. – disse com um tom de desdém, porém, não me pareceu eu a falar. Tomando consciência do que havia dito coloquei os fones de ouvido afundando no banco. Podia sentir o olhar surpreso de Suzane à me encarar de soslaio e Roberto pelo retrovisor. Lorena nada disse. Estava ocupada demais tirando fotos através do vidro para ouvir qualquer coisa.

A nova casa era um pouco maior que a antiga e tinha o seu... ar encantado. Gardner é uma cidade mágica então já era de se esperar que as casas fossem enfeitiçadas. O lugar já estava decorado ao gosto de todos, mas nem todos ficaríamos na casa. Pela manhã, Lorena e eu atravessaríamos o véu iriamos para o internato Houder Sorcery, um colégio para jovens especiais, ou seja, criaturas sobrenaturais.

Aquela noite Lorena e eu dormimos no sofá cama, todas as nossas coisas já haviam sido levadas para o colégio e não havia nada nosso na casa. Nossos pais ainda iriam preparar o quarto com coisas novas para quando voltássemos nas férias ou a visita, mas para mim não importava. Aquele lugar não era meu lar e não me refiro a casa e sim a cidade. Gardner não era meu lar. Eu não me sentia bem e muito menos segura naquele lugar. Assim que deitei dormi e tão logo dormi acordei antes que todos, apressada para sair de Gardner.

Preparava o café da manhã quando Lorena apareceu na cozinha com os cabelos desgrenhados e com um pijama de calça e manga comprida listrado.

– O que foi? – analisei minha irmã enquanto mexia nos ovos para que não queimassem.

– Você sabe que eu te amo certo? Mas eu adoraria ter tido mais uma hora de sono. – ela bocejou e roubou um pedaço do ovo frito na panela intercalando entre as mãos e assoprando para esfriar.

– Bem feito, e isso é nojento. – Lorena saiu correndo e rindo de mim, em seguida Roberto desceu as escadas já bem vestido e com uma maleta em mãos. Bagunçou meu cabelo e se sentou à mesa pegando uma das torradas no prato central.

– Bom dia! Por que já está acordada? – disse Roberto abocanhando a torrada. Em cada prato depositei uma quantidade dos ovos.

– Por nada em especial, só fiquei um pouco ansiosa para o início das aulas. Cuidado com os ovos, estão quentes. – Roberto assentiu e continuou a comer verificando os e-mails pelo celular em seguida.

Suzane desceu pouco tempo depois e Lorena em seguida. Lorena não parava de fazer perguntas sobre o internato e eu estava afastada demais, mentalmente, para conseguir prestar atenção no que discutiam. Estava com um pouco de medo de tudo que aconteceria dali pra frente, uma cidade nova, uma escola nova, pessoas completamente novas. Eu sempre soube que sou uma bruxa branca assim como Suzane e Lorena também são e Roberto um mago muitíssimo habilidoso, por sinal, porém, minha vida toda se resumiu ao convívio com humanos e nada além disso, tirando os parentes de Suzane e Roberto que eram também bruxos e magos, alguns melhores que outros. Sempre convivi com os de minha espécie, mas agora iria estar me meio de outras e não sei nada sobre eles, ou quem vai ser “eles”.

Roberto deixou eu e Lorena logo na entrada da floresta mágica. Caminhados até o centro da floresta onde estava uma enorme árvore de galhos secos e flores mortas. Mais alguns passos próximos a árvore e atravessamos um campo de energia – um detector – a árvore se rasgou ao meio revelando um portal negro com um forte vento vindo de dentro e nos sugando para seu interior. Lorena se agarrou em mim e segurou minha mão.

– As mais velhas primeiro – esboçou um sorriso tímido e com medo. Não era como se eu não estivesse assustada, mas como ela parecia muito mais apavorada do que eu decidi ir primeiro segurando a mão dela a todo momento.

– Segure forte a minha mão e se algo nos separar nos encontramos no dormitório da escola.

– Certo! – Lorena apertou minha mão mais forte e caminhamos juntas para a árvore, eu alguns passos à frente. Coloquei uma mão dentro do vácuo dentro e fomos sugadas para dentro do portal, um vazio sem som, cheiro ou temperatura.


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Notas finais do capítulo

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