Wild West: o Cavaleiro Fantasma escrita por Rumpelstiltskin


Capítulo 2
Capítulo 2: A decisão quase errada




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A primeira coisa que percebi foi um odor bastante desagradável vindo com uma fumaçinha quente. Depois, uma voz distante que murmurava alguma coisa sobre dar no pé. “Vamos cair fora daqui!” Alguém gritou em seguida. Abri os olhos e fui ofuscado pelo sol já meio alto, e a cabeça da serpente amarela de boné entre eu e ele.

            -Ah... que droga! – murmurei, levantando de uma calçada de madeira.

            Atrás de mim, apenas mais casas, alguns bares, lojas, tudo de madeira. Á frente, uma estrada de terra e do outro lado dela mais residências.

            -Vamos cair fora... vamos cair fora... – a voz fina e insistente de Rawhide repetia, enquanto sua cabeça cutucava a minha.

            -Dá para parar com isso? – pedi, segurando meu chapéu que ele quase derrubara.

            Que sonho esquisito. Imaginem que eu sonhei estar em uma cidade habitada por zumbis... ha ha. Os outros devem estar por aqui... Como foi que nos perdemos afinal?

            Segui pela rua, uma densa poeira se erguia do chão e era iluminada pelo sol de, quase, meio-dia. Assim estavam todas as três ou quatro ruas que eu percorri. Virei em um beco úmido entre duas casas, e saí em uma rua bem mais larga que as outras. Em fim o ponto de encontro!

            A construção que mais se erguia e destacava trazia, em sua fachada, uma placa escrita “Saloon”. Um pouco mais a frente, um aracnídeo vermelho da minha altura (cerca de 1,65m) com um chapéu entre as antenas peludas, um animal amarelo que mais parecia um lagarto amarelo bípede usando chapéu e colete marrons, e três cavalos aglomerados no meio da rua.

            -Acho que o chefe também morreu, melhor irmos embora logo. – escutei a voz aguda de Monstro, o lagarto amarelo, que estava de costas para mim, comentar em alto e bom som.

            Como ao menos uns dez metros de areia grossa nos separavam, eu corri até eles. Aquela cidade vazia era assombrosamente silenciosa, então eles se viraram ao escutar o ruído das minhas esporas.

            -O que estão fazendo? – perguntei, quando ambos saíram do caminho, liberando minha visão para um gato morto, caído no meio da rua.

            Cutuquei-o com o pé.

            -É, esse já era. – Arachnid concluiu.

            Olhei para a minha esquerda e vi em frente á calçada de madeiras sujas de uma das casas, os dois barris que haviam servido de escudo em meu sonho.

            -Aonde vocês foram ontem? – perguntei.

            -Não foi nossa culpa chefe, os cavalos se assustaram – interrompi Monstro com uma gargalhada sarcástica – só que nem eles encontraram a saída da cidade. Era como se ela não acabasse, sabe. Então os escondemos em um celeiro vazio e esperamos amanhecer.

            -Vocês são uma piada. – conclui.

            -Temos que levar o corpo do xerife para a cidade e explicar o que aconteceu...

            -Não! – eu gritei, como se ele houvesse falado um palavrão – Vão dizer que nós o matamos! Nós vamos acabar enforcados em uma praça pública!

            -Então o que fazemos? – Arachnid quis saber.

            Eu andei de um lado á outro, meus pensamentos distraídos. Se eu falasse que apenas o encontrei morto, seria enforcado em público, ainda mais com a fama que tenho. Se contasse que ele foi morto em um duelo com o “Cavaleiro Fantasma”, e que este era de fato um fantasma, seria morto ali mesmo, na delegacia, pois achariam tal desculpa uma falta de respeito. Ai... Que droga.

            -Já sei! – anunciei, despertando Arachnid , Monstro e Rawhide de seus pensamentos – A propósito... – completei, tirando Rawhide de cima de mim pelo pescoço e entregando á Monstro.

            -Fala chefe! – eles pediram em coro.

            -Vamos deixar o corpo do xerife aqui, dentro do saloon, pode ser, voltar á Butt City, e informar seus capangas e familiares, bem como o povo, que ele sumiu quando chegamos aqui. Assim, atraímos seus capangas para virem atrás deles, e os enrolamos até anoitecer. Quando chegar a hora, eles mesmos vão ver o fenômeno com os próprios olhos e acreditar em nós. – concluí, vitorioso, erguendo os braços e exibindo a capa preta, que á propósito, parecia uma asa.

            -E se todos eles também forem mortos? Como vamos voltar e explicar a morte de todos eles? – Arachnid interpôs – Ou pior, e se nós formos mortos?

            -É só o que podemos fazer. Ou vocês preferem morrer enforcados?

            Os três balançaram negativamente as cabeças. Estando todos de acordo, Monstro e Arachnid agarraram o corpo do xerife Mason, um pelos pés e outro pelos braços, e largaram dentro do Saloon, atrás do balcão, o mesmo que eu estava fuçando na noite anterior.

            -Bons sonhos, xerife. – despedi-me, e logo depois saímos dali e pegamos nossos cavalos.

            Eu peguei o do xerife, sendo que o meu havia desaparecido. Ele não iria usar mais mesmo...

            Dessa vez foi fácil achar a saída de Nevada. Tão fácil quanto entrar. Arachnid, Monstro e Rawhide, esse último pendurado no pescoço de Monstro, discutiam sobre sua vontade de se separar de mim, voltar para Cowtown e tornar á assaltar diligências. Até parece... Esses três imbecis não seriam capazes sequer de assaltar uma velinha indefesa, sem mim. Depois Monstro começou á relatar para os outros dois como o marechal Moo Montana, um boi justiceiro da lei, por assim dizer, me derrotou facilmente em nosso último duelo, em Cowtown.

            A conversa deles estava tão chata que eu acabei me afundando em meus próprios pensamentos, enquanto avançávamos além das pradarias cobertas por capim ressecado.

            A postura daquele primeiro cadáver armado que nos atacou parecia mais de um xerife ou coisa assim, defendendo uma “senhora” da cidade, embora suas vestes não o caracterizassem como tal. Mas o segundo cowboy, quem seria? Ele, diferente do primeiro, não parecia interessado em nos eliminar. Na verdade, estava visivelmente interessado em enfrentar seu conterrâneo.

            Claro, a maior dúvida mesmo, como isso tudo era possível? Tudo bem que eu já havia ouvido falar sobre o fantasma de um mineiro ganancioso chamado Tom Duggery, que havia sido morto, soterrado em sua mina durante uma tempestade, mina essa bem próxima de Cowtown, e que até hoje, supostamente, assombraria o lugar. Mas nunca levei isso á sério.

            Seria eu realmente um cético de mente fechada, como Rawhide comentava lá atrás nesse exato momento?

            ...

            Várias horas já haviam se passado, e eu estava morto de fome. Tudo que eu queria agora era um rato assado.

            Logo apareceu, no horizonte, um aglomerado de belas casas de madeira, algumas mais altas e destacadas, com duas fazendas em lados opostos da periferia, um pouco afastadas das demais residências.

            Grudei as duas esporas aos lados da barriga do cavalo do xerife com toda a força. O bicho partiu tão rápido que quase me deixou para trás. Meus capangas gritavam para eu esperar. Mas por que esperaria? Eles sabem o caminho.

            Quando a distância diminuiu, pude ver o movimento de pessoas nas ruas. A maioria delas, damas com longos vestidos e chapeuzinhos com babados, presos abaixo do queixo por uma fita, e cavalheiros que usavam botas com esporas enormes e coletes por cima de camisas quadriculadas e calças beges. A maioria possuía fisionomia de bois e vacas, embora houvesse alguns mais semelhantes á gatos, raposas, etc. Isso além de alguns bezerrinhos de calças curtas.

            O cavalo diminuiu o passo assim que entramos em uma das ruas cercadas de residências, pessoais e comerciais. Continuei no passinho de tartaruga até chegar á frente da prefeitura. Essa era uma casa de dois andares, suas tábuas bem mais polidas que as demais, e acima de sua luxuosa porta de duas folhas suspensas no ar, estava uma placa enorme que trazia as palavras “City Hall” em letras pretas. Em frente á calçada, haviam duas estacas redondas cravadas no chão, á uma distância de três ou quatro metros uma da outra, e outra madeira deitada sobre elas.

            Levou mais dois minutos para que meus dois capangas chegassem. Assim que eles também chegaram, amarramos as rédeas dos cavalos na estaca de cima e entramos na prefeitura.

            ...

            O assoalho estava mais lustroso do que o normal. Nas paredes, esquerda e direita, havia janelas com bordas de grossas toras lustradas. Dois metros á frente, um balcão de madeira e, atrás dele, um touro marrom de quase dois metros de altura e bastante mal encarado que usava um colete grosseiro e esfiapado por cima das vestes caipiras.

            -E ai cães... Onde está o xerife? – perguntou sua voz, que combinava perfeitamente com o físico.

            -Eu posso falar com o prefeito? – perguntei, erguendo a cabeça e fixando meus olhos negros de escleras vermelhas nele, na tentativa de intimidá-lo.

Como não funcionou, desviei o olhar. O touro, rosnando sua má vontade, entrou por uma porta que havia no lado esquerdo da parede do fundo. Depois de alguns minutos, saiu e mandou-nos entrar.

...

A sala do prefeito tinha o mesmo visual da recepção, com alguns acessórios á mais, como a roda de carruagem pendurada na parede atrás de sua mesa, acima de uma lareira de pedra.

-Onde está o xerife Mason? – um boi amarelo com chifres curvos e camisa quadriculada perguntou, triturando um fiapo de feno no meio dos dentes.

-Apesar... hum... de meus esforços para convencê-lo do contrário, ele insistiu para que procurássemos o Cavaleiro Fantasma na cidade de Nevada, há alguns anos, abandonada. No entanto, o perdemos de vista... Por ordem dele, estávamos vasculhando a cidade, separados. Tudo que encontramos foi o cavalo dele. Passamos a noite procurando, mas...

-Tem certeza disso? – o prefeito tornou, se levantando da cadeira e pousando suas mãos peludas de quatro dedos sobre a mesa.

-É claro. – respondi, engolindo á seco.

Ele inclinou a cabeça para um lado, refletindo, antes de voltar a falar:

-Então, por que você e seu bando não voltam lá para procurá-lo? – ele concluiu.

Senti os suspiros apavorados daqueles três palermas atrás de mim. O que eu fiz para merecer isso?

-Somos pistoleiros, não detetives. – conclui, encarando o boi firmemente.

Ele tomou uma postura reta, derrotado.

-Muito bem, Blastagun. Então, vocês ficam aqui. Vou mandar homens mais... Destemidos. – ele concluiu, com um sorriso que me deixou profundamente irritado.

-Não podemos sair da cidade? – quis esclarecer.

-Ao menos que não se importem em serem detidos com tiros – ele tornou a sorrir para mim, que o encarava, digamos, perplexo – eu sugiro que não saiam.

-Zachari! – continuou ele aos gritos, cuspindo no chão o pedaço de palha que tinha nos dentes.

Quando o touro entrou na sala, eu saí, sem me despedir.

...

Já estava na metade da quadra, andando á pé, quando os meus capangas lentos se juntaram á mim.

-Por que ele não quer que deixemos a cidade? – Arachnid alinhou ao meu lado, á passos largos.

-Como eu disse, ele pensa que nós matamos o xerife. Quer ter certeza de que não é o caso, antes de deixar que saiamos daqui. Caso contrário, como eu disse antes, seremos enforcados em praça pública.

-E você achava que poderíamos evoluir em nossa “carreira” longe da mira de Montana, Cowlorado e Dakota! – Monstro jogou na minha cara.

-Eu também já estou com saudade desses bois. – confessei, enquanto um bando de bezerros pequenos passava correndo por nós, brincando de “mocinho e bandido”.

De fato, as coisas fora de Cowtown não eram tão mais fáceis. Havia mais uma coisa que me preocupava: Pelo que parecia, os mortos-vivos só apareciam em uma determinada hora da noite. Se os “homens mais destemidos que nós” fossem mandados durante o dia, não iriam ver nada. E se tivessem a idéia de procurar atrás do balcão do saloon, iriam ter certeza de que nós, ou para ser mais preciso, eu, havia matado Mason. Mas não pretendia compartilhar essa opinião. Não precisávamos de mais pessimismo.

...

Oito belas vaquinhas, uma gata e uma... acho que raposa, estavam dançando de braços sobre os ombros umas das outras, formando uma linha reta, erguendo e tornando a abaixar uma perna, em movimento combinado. Elas usavam vestidos vermelhos, com saias pouco rodadas e abertas sobre uma das pernas.

Mas eu não estava olhando para elas. Isso porque eu encarava as cartas de baralho nas minhas garras marrom-escuras. Em volta da mesa redonda, havia mais quatro bois e um coelho branco, com uma mancha preta sobre as pálpebras do olho esquerdo. Em nossa mesa, todos vestiam casacos, ternos, sobre tudo ou capas pretas, marrons ou cinzas. Isso á destacava das demais, pois os clientes “de bem”, vamos assim dizer, usavam roupas mais coloridas, geralmente os pais de família, se destacando por suas camisas quadriculadas.

O porquê disso, eu não sei dizer. E o que pais de família fazem no saloon ás dez horas da noite, também não sei.

Diferente dos outros, nós estávamos fumando charutos. O barman, que era um tipo de tatu baixinho e gordo, já nos encarava contrariado, pela nuvem de fumaça se erguendo da nossa mesa. De todos, eu era o único que ainda estava usando chapéu. Eles haviam deixado os seus nos cabides que ficavam ao lado da porta de entrada. Eu não, pois não ficava bem sem o meu.

Arachnid, Monstro e Hawhide estavam sentados mais perto do palco das dançarinas, quase babando. Hawhide estava de fato babando, em cima do ombro de Monstro, que não percebera.

Um dos bois da minha mesa, alto, corpulento e com cheiro de porco, largou em cima da mesa uma carta, virada para baixo, que eu já ia pegando quando a porta de entrada se abriu com um estrondo.

Vejam, o prefeito, seu guarda-costas que mais parecia um armário, e mais uns quatro bois haviam decidido vir para a farra...

-Boa noite á todos. – cumprimentou ele, tirando seu chapéu claro.

Incrivelmente, ele era o único cowboy que eu conhecia capaz de parecer arrogante ao tirar o chapéu, ato este que normalmente demonstrava respeito.

-Temos uma triste noticia para dar – começou ele á se lamentar, pouco convincente – mas o xerife Alfie Mason está morto.

Quando ele concluiu, seus olhos me encontraram no meio da multidão e caíram pesados sobre os meus. Pela segunda vez em muito tempo, eu gelei. O que eu temia havia acontecido.

Ele continuava á me encarar friamente, acredito até que cada animal humanóide dentro do saloon já havia percebido isso, quando um galope se fez notar lá na rua, cada vez mais próximo.

-NÓS TEMOS CONTAS A ACERTAR COM... – começou ele, claramente para mim, quando foi interrompido pelo barulho de vários tiros lá fora.


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Notas finais do capítulo

Agradecimentos especiais á Carolzinha, Fosforosmalone e Darkfabio, meus primeiros leitores ^^



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