Sam

-Não, Sam, mais delicada. –Melanie gritava comigo como se fosse técnico de futebol americano- Você tá parecendo uma pata andando desse jeito...

Ok, vou descrever o que está acontecendo aqui: É manhã de sábado, eu e Melanie estamos no meu quarto, e quando eu podia dormir até mais tarde, a criatura loira idêntica a mim que é Melanie Audrey Puckett resolve me acordar as 8:00 da manhã pra fazer o treinamento básico de “como ser uma lady”. Até agora estamos testando o meu andar com o salto alto, mas não está dando muito certo. Faz tanto tempo desde a última vez que andei com um sapato de salto que acabei perdendo a prática. Saltos altos idiotas, eles deveriam ser banidos da face da Terra...

-Argh, desisto! –Joguei as mãos pro ar, totalmente sem esperanças- Não tem como eu usar uma sapatilha ou um sapato que eu use e não fique parecendo uma pata, de preferência? –Me sentei na cama, tirando os scarpins aos chutes- Por que eu não posso usar um dos meus All Stars?

-All Star não é uma coisa que eu usaria em um encontro. –Melanie cruzou os braços, séria- Se quer mesmo fingir que sou eu, aprenda isso, ok? Agora, que mal vai te fazer você tentar andar com os saltos mais uma vez? Você era craque nisso...

-Disse bem, Melanie. Era, tá no passado... –Desabei na cama, encarando o teto- Além disso, nem sei se vou voltar a andar de salto como eu andava. E também, meus pés estão doendo e eu tô com fome.

-Você com fome. Que novidade... –Mell rolou os olhos- E quanto aos saltos, você nunca vai saber se não tentar...

Outra ironia do destino a ser anotada: Quem diria que, dois anos mais tarde, o nerd que eu costumava agredir física e verbalmente iria dizer quase a mesma coisa pra mim? Mas enfim, isso é outro assunto pra outro dia. Nesse momento estou reclamando de dor nos pés e minha cabeça já começava a latejar. Esse sábado iria ser longo. Beeem longo...

Já são quase 7:00 da noite e Melanie está me dando as últimas dicas de como ser ela enquanto me ajudava a me arrumar. Melanie conseguiu, de algum modo, transformar meus cachos loiros em um cabelo mega liso, preso com um rabo de cavalo e com a franjinha certinha. Melanie e eu resolvemos finalmente o problema do salto alto trocando aquele par torturante de scarpins por um par de coturnos –o que foi um desafio pra minha irmã. Ela tinha medo de eu não ter nenhum sapato que combinasse com o vestido que ela escolheu pra mim. Me admirei no espelho do quarto me sentindo esquisita ao ver duas loiras –agora, com a mudança de visual, realmente parecidas– se olhando no espelho. Do jeito que eu estava naquela hora poderiam muito bem me confundir com a Melanie.

-Você tá linda... –Minha irmã sorriu, colocando um colar de pérolas falsas em mim, pra completar o look- O Freddie vai ficar de boca aberta quando te ver.

-Eu não quero ele de boca aberta... –Declarei virando a cara para o espelho- Só quero que essa noite termine logo...

-Sei... –Melanie olhou pro teto, como se algo nele a divertisse- Enfim, lembre de tudo que falamos aqui. Tente ser você mesma, só que se comportando diferente do que está acostumada, ok? –Ela respirou fundo, me entregando a bolsa- E por mais que seus instintos te aticem, não bata no Freddie.

-Tá bom, já chega. Eu já sei de tudo que tenho que fazer...

-Boa sorte maninha... –Melanie me abraçou por um segundo antes de deixar eu abrir a porta do quarto- Ah, espere aí...

-O que foi... Argh, vou te matar!!!

Melanie tinha pegado o celular dela e tirado uma foto minha. Ela olhava a foto, rindo –provavelmente da minha cara de espanto quando vi a lente da câmera do celular apontada pra mim.

-É seu primeiro encontro com o Freddie. Tenho que guardar isso pra posterioridade...

-Olha aqui, eu vou à Quisp com o patetão e quando eu voltar quero que essa foto esteja deletada do seu celular, tá? –Bati a porta do meu quarto, furiosa, enquanto Melanie continuava rindo como se fosse uma hiena maluca.

A Quisp, a balada teen mais agitada de Seattle, parecia mais agitada e mais barulhenta do que nunca nesse sábado a noite. Eu já estava sentada em uma das poltronas do lugar, esperando Freddie trazer o suco que eu –educadamente, como Melanie– pedi. Eu o via de longe, pronta pra me virar caso ele notasse que eu estava olhando demais pra ele –sério, estava olhando pro patetão mais do que deveria ser permitido. Ele estava impossivelmente... Lindo– quando o meu celular vibrou. Era uma mensagem da Melanie.

“E então, como vão as coisas com o Freddie?”

Mordi o lábio, distraída, enquanto me virei mais uma vez na direção de Freddie, que já estava no meio do pessoal, derrubando todo o suco no meio da pista –também, com tanta gente empurrando o nerd pra lá e pra cá. A cena me fez rir alto, mas me contive e voltei pro meu celular, pronta pra responder minha irmã.

“Vão ficar um pouco secas. Freddie derrubou todo o suco que eu pedi pra ele buscar... :p”

“Por favor, seja educada, tá? Não o torture e não seja sarcástica demais com ele, simples assim...”

Levantei a cabeça por um segundo e vi Freddie agora a poucos passos de onde eu estava sentada. Voltei a digitar rapidamente para Melanie.

“Fica quieta agora e não me interrompe, ok? O nerd tá vindo aí...”

Segundos depois de mandar a mensagem pra Mell, Freddie se sentou do meu lado, colocando os copos vazios na nossa mesa.

-Prontinho... –Freddie falou enquanto respirava fundo, tomando fôlego depois de ser empurrado por todo o canto. Estava na hora de ser sarcástica no estilo Melanie Puckett.

-Ficou com sede no caminho? –Ri rapidamente enquanto guardava meu celular na bolsa –desligado de preferência. Não queria que Melanie me desse seus lembretes de ser “boazinha” de 5 em 5 segundos.

-Mais ou menos... –Freddie respondeu- Então, “Melanie”, –Ele balançou as mãos, todo sarcástico– você tá muito linda hoje.

Aquele elogio, de algum modo, fez meu coração dar uma batida mais forte. Eu nunca tinha sido linda pra ninguém, acho que nem pra minha mãe eu sou linda. De repente o elogio de Freddie tinha feito me sentir especial. Pelo menos naquela hora.

-Obrigada... –Murmurei meio tímida, mas logo voltei a desempenhar meu papel de Melanie- Adorei sua camisa. –Tentei fazer um elogio enquanto apontava sua camisa listrada azul e cinza. Freddie abriu a boca, desacreditado. Sua expressão me fez querer rir, mas me segurei firme.

-Adorou nada. A Carly disse que você abomina listras...

-A Sam que abomina...

Ok, momento “segredinho a ser confessado” em andamento: Eu abomino listras sim, mas em outras pessoas. Eu tenho muitas roupas listradas e nunca me importei pelo Freddie também usar listras –ele é a única pessoa que eu vejo usar listras e não fico neurótica por causa disso. Até por que, ultimamente, as listras deixaram ele mais... Sexy. Pronto, falei.

-Vai manter isso por quanto tempo? –Freddie perguntou, empurrando meu braço- Admita que é a Sam e vamos embora daqui...

Naquela hora, com Freddie me empurrando, imaginei as piores torturas possíveis para aquele nerd moreno de camisa listrada que estava ao meu lado. Me imaginei jogando-o em um tonel de ácido, ele sendo alvo de um atirador de facas cego, mas meu lado Melanie me martelava sem parar, lembrando que eu devia ser uma dama. Pelo menos naquela noite deixaria esse empurrão passar, mas na próxima vez seria pior pra ele...

-Ei, eu iria... –Encarei Freddie, esfregando meu braço, e pra dar mais veracidade ao meu papel, fiz algo que só Melanie faria numa hora dessas- Ai... –Freddie rolou os olhos e ficou de cabeça baixa, olhando os copos na mesa. Sem mais nenhuma palavra de Freddie continuei, tentando fazer ele acreditar que eu era a Mell- Mas eu não sou a Sam.

De repente, Freddie levantou a cabeça. Seu rosto se iluminou de repente, como quando ele tinha alguma ideia.

-Tá legal... –Ele falou, se aproximando de mim- Se não é a Sam, eu acho que não se importa se eu pegar a sua mão...

Ele terminou de falar, pegando a minha mão meio sem jeito. O toque da mão dele na minha me eletrificou, como se ele fosse uma torre elétrica. Meu coração, que estava batendo tão forte desde que Freddie me dera aquele elogio inesperado, dobrou a velocidade das batidas...

Ok, isso é tolice, concordam? Eu não devia estar assim pelo nerd que mais odeio na face da Terra, não é? Quer dizer, eu não sei se o odeio mais... Ah não interessa, vamos voltar pra história antes que eu fique mais confusa do que já estou?

-Claro que não me importo. –Respondi, dando de ombros. Na confusão interior que eu me encontrava jurava ter ouvido meu lado sarcástico murmurar na minha cabeça “E o Oscar de melhor atriz vai para...”- Eu te acho um gatinho...

-Como pode dizer isso sem vomitar? –Freddie continuava a me encarar, sem acreditar que eu ainda continuava em frente com aquele encontro. Eu mesma não sabia como eu estava conseguindo ficar ali. E o pior de tudo era que eu queria ir em frente com aquilo.

-O quê? –Afinei um pouquinho a minha voz, pra parecer a Melanie quando ficava confusa. A mão de Freddie, que ainda segurava a minha esse tempo todo, soltou-a de repente, completamente frustrado.

Alguns segundos se passavam enquanto a música mudava no lugar. O agito de sábado a noite virou uma lentidão romântica. O rosto de Freddie se iluminou mais uma vez enquanto se virava pra ver a pista de dança e voltou a olhar pra mim, ainda com seu “olhar de gênio”.

-Tá legal... –Falou mais uma vez, levantando as sobrancelhas- Se você não é a Sam não vai se importar de... Dançar comigo? –Freddie não tinha jogado aquela última frase pra mim como uma suspeita. Parecia mais um convite.

-Eu adoraria... –Sorri enquanto me levantava da poltrona. Freddie voltou a me encarar meio confuso.

-É musica lenta...

-Eu sei.

-Temos que dançar juntos, encostando um no outro... –Freddie deu ênfase ao que dissera, juntando as mãos.

-É, vamos lá... –Sorri, enquanto puxava Freddie pela mão ­–a eletricidade de antes, quando nossas mãos se tocaram pela primeira vez naquela noite, voltou com força total– e o arrastava pra pista de dança.

Eu e Freddie já estávamos na pista de dança. Ele segurava minha cintura, meio atrapalhado –a eletricidade entre nós, inexplicavelmente, aumentou ainda mais. Aquilo era perfeito pra cumprir a “vingança” pelo empurrão de minutos atrás. Peguei Freddie pelos braços –que, não sabia por quê, mas me pareciam tão fortes, mais do que antes. Por acaso o patetão andava malhando?– com um pouco mais de força do que a Melanie de verdade faria e com menos força do que eu geralmente uso, e o puxei pra perto de mim. Senti seus dedos se cruzando nas minhas costas enquanto entrelaçava os meus dedos na nuca dele. Ele me encarava sem reação, totalmente frustrado. Pelo jeito estava conseguindo desempenhar meu papel muito bem.

-Eu não acredito que tá fazendo isso... –Freddie falou enquanto girávamos abraçados na pista.

-Por quê? Eu gosto de você.

“Eu gosto de você.” Como essa frase soou tão sincera pra mim? Eu, que estava fingindo desde o começo daquela noite que não sou quem sou, disse uma coisa tão verdadeira assim –a primeira verdade naquela noite. A primeira verdade que tive coragem de dizer a ele, mesmo eu fingindo que sou a Melanie.

-Não gosta. Nunca gostou...

-Talvez a Sam não goste. –Virei a cabeça pro lado, fazendo a pensativa. Eu até gosto um pouco de Freddie, mas sou durona demais pra admitir isso. Essa é a diferença.

-Você É a Sam!

Pois é, não estava conseguindo mesmo enganar aquele nerd. Decidi dar o golpe fatal, deixar claro que eu não era eu. Quer dizer, que eu era a Melanie... Argh, viu só, agora estou confusa de vez! Enfim, decidir despistar Freddie uma última vez.

-Jura? –Encarei ele divertida- E a Sam faria isso?

Dentro de mim, minhas emoções estavam confusas demais. Estava com medo, com raiva, tudo ao mesmo tempo, porém tive a cara de pau de conseguir manter minha poker face de Melanie enquanto me aproximava dos lábios de Freddie.

Pode colocar na tabela, já é meu segundo beijo com o Freddie. E como naquela noite do primeiro beijo, meu coração parecia querer saltar do meu peito. Ele não correspondeu, óbvio, por causa da surpresa. Essa com certeza ele não esperava –nem de mim e nem da Mell. E –admito– por mais que eu quisesse prolongar aquele beijo, eu afastei meus lábios dos dele.

Pois é, Melanie é algum tipo de vidente ou algo assim. Freddie agora me encarava de boca aberta, espantado com o que acabara de acontecer entre nós.

-Você jurou que nunca mais faríamos isso!!! –Freddie falou enquanto encarava minha expressão divertida.

Ok, sem querer corrigir o Freddie, mas só tínhamos prometido que nunca mais falaríamos do beijo que demos na saída de incêndio. Nunca, em momento nenhum daquela noite, juramos que não faríamos mais isso. Pois é, meio irônico, não? Minha vida é cheia de ironias sem graça, palmas pra mim.

-Eu não jurei coisa alguma... –Sorri enquanto me aproximava de Freddie mais uma vez. De algum modo os lábios dele atraíam os meus, como imãs. Outra coisa a ser anotada aqui: o beijo de Freddie Benson é algo altamente viciante...

O que aconteceu depois? Quem falou que nos beijamos de novo errou feio. Ele simplesmente escapou dos meus braços e começou a correr de mim pelo clube, e eu saí correndo atrás, feito uma maluca. Geralmente eu só corria atrás do Freddie pra dar um puxão de cueca nele, mas agora eu corria atrás dele... Por outro beijo dele? Está decidido: esse sábado entrará na lista dos dias mais estranhos que já tive na minha vida...