Mundo dos Sonhos escrita por Trezee


Capítulo 45
Desculpas


Notas iniciais do capítulo

Bem, acho que depois deste caps, GRANDES surpresas virão



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                     Dei um pulo da cama quase estatelando meu nariz no teto. Quando me dei conta de que eu praticamente estava pendurada pelos lençóis, por um fio de cair da beira do meu colchão, bateu um leve desespero que me fez escalar borda acima e me sentir novamente segura bem no meio da minha cama. 

                     O suspiro que saiu entre meus dentes foi de alivio, seguido de uma gargalhada inusitada diante do meu pequeno feito bem sucedido. Tasquei uma palmada no despertador e o barulhinho irritante cessou repentinamente. Como era bom o silêncio que restou ali.

                     Mas eu não podia me prender ao silêncio senão eu iria perder o primeiro ônibus na certa. O sono era grande, parecia até que meu corpo não estava acostumado a acordar todo dia naquele horário. Parecia até mesmo que faltavam alguns poucos minutos para que a noite estivesse completa, porém eu não fazia a mínima de como ele – meu corpo com vontade própria – achava que eu seria capaz de dá-lo esses preciosos minutos sem me atrasar. Venci então pela lógica do raciocínio e arrastei minhas pernas para o chão.

                     A casa estava bem parada. Ninguém além da pobre estudante, que era eu, por sinal, vagava igual a um sonâmbulo entre as portas. Não custou muito para eu ter vagado por portas o suficiente para já estar alimentada e pronta. Corri o olho pelo relógio e eu estava em cima da hora.

                     - Já estou atrasada? – não contive minha exclamação.

                     - Melinda? – grunhiu uma voz rouca atrás de mim.

                     - Ah mãe, é você... – murmurei depois de um pequeno susto. – Que voz hein? – observei o eco fraco que soou da parte de cima da escada.

                     - Acabei de acordar... Você madrugou hoje hein? – a mesma voz, que eu não diria que era da minha mãe, cortou a sala.

                     - Tá... – Fiz um ponto de interrogação com minha sobrancelhas. – É a hora que eu acordo todo dia pra pegar o ônibus, não é? – confirmei o óbvio um pouco irônica.

                   - Ah, você vai de ônibus? Então está bem... – ela murmurou agora com uma voz um pouco melhor do que a outra. – É que eu pensei que você fosse com o...
                   - MÃE!!! Olha a hora! Atrasei, atrasei e estou indo. – quase tive um infarto ao perceber que eu tinha perdido preciosos minutos nessa conversinha boba com minha mãe. – Tchau! – gritei quando eu cheguei ao portão, na esperança que ela ainda me ouvisse.

                   Só fiquei de fato aliviada quando eu entrei no segundo ônibus. Eu realmente achei que não daria tempo. Respirei mais aliviada ainda quando desci no ponto da escola, que por sinal estava deserta. Parecia que eu era a primeira alma viva a chegar ali.

                  Mas eu me enganei. Quando eu cruzei a porta da minha sala era como se um dejà vu de um dia em que entrei na classe e encontrei o Francisco e de um dia em que entrei e encontrei a Joana se fundissem, já que os dois estavam sentados lado a lado conversando.

                  - Mel! Você por aqui. Optou pelo transporte alternativo hoje??? – Francisco indagou a brincadeirinha que eu só pude ignorar, pois seja lá que metáfora ele quis inventar, eu não consegui entender.

                  - Francisco, a Mel ficou super mal sexta e o melhor que você pode fazer é perguntar por que ela não pegou uma carona? Faça-me o favor! – a bronca nada sutil de Joana ecoou pela sala cheia de carteiras vazias. – Mel, ignora esse garoto... Eu liguei para você sábado de tarde para ver como você estava, só que sua mãe disse que você havia ido para a Olimpíada de Física. Puxa, eu nem lembrei que era esse sábado, mas e aí, foi bem?

                  Juro que eu descolei os lábios para responder, só que a gargalhada que Francisco deu, foi muito maior do que a minha boa vontade.

                  - Você só pode estar brincando, não é JO-A-NA – ele intensificou, e muito, divisão silábica do nome da Jô. Eu não entendi o motivo, mas deveria ser alguma coisa interna deles. – Você me dá uma bronca porque eu fiz uma pergunta inútil e agora você vira e faz outra?

                  - Essa não foi uma pergunta inútil seu... seu esquizofrênico! – custou um pouco para ela cuspir a palavra e até então eu não sabia que esquizofrênico poderia ser usado como um adjetivo. – Ou você escutou vozes que fizeram uma pergunta inútil? – novamente as palavras cortaram meu ouvido ao passo que a vontade de rir da situação hilária da briga dos dois aumentou cem por cento. – Minha pergunta foi muito melhor que a sua. Dava pra se subentender um “você está bem Mel?” facilmente! – acho que ela precisou morder a língua pra parar de falar.

                  - Joana, sinto lhe informar, mas garota, sua voz quando fica aguda irrita mesmo hein? – parecia que o Francisco adorava colocar fogo onde não devia.

                  - Francisco, para agora! Você está fazendo isso de propósito! É Jô, JÔ! E você sabe muito bem que eu não gosto muito de Joana.

                  Essa doeu, já que nem eu sabia disso.               

                  - Ah, desculpa Joaninha... Foram as vozes da minha esquizofrenia que me confundiram. Acredite, não era minha intenção... – sua voz cínica pegou muito pesado agora e eu pude imaginar Joana pulando no seu pescoço sem dó.

                  Mas o máximo que ela fez foi fechar a mão em punho e dar uma batidinha na carteira.

                  - Chicão, como você me irrita, mas basta, não é? A Mel deve estar adorando o nosso showzinho particular.

                    Eu cai na gargalhada. ‘Chicão’ tinha sido ótimo. Acho que eu até eu iria aderir a esse apelido.

                   - Sinceramente gente, eu adoro ver vocês brigando de mentirinha. É emocionante. – sorri com os olhinhos brilhando e fitei bem o rosto de cada um. Nada melhor para provocar uma crise de riso em grupo.

                   - Não, mas acabou a palhaçada. Vamos falar de coisa séria, está bem? Mel, como você está? – perguntou Joana agora com sua voz nada estridente.

                   - Fico tocada por saber que eu sou um assunto sério, mas enfim – parei de brincar quando percebi que os dois me olhavam sem graça. – Estou bem melhor, não sinto praticamente nada. Acho que foi uma queda de pressão, sei lá!

                   - Você não foi ao médico? – perguntou Francisco incrédulo de mais para o meu gosto.

                  - Não foi preciso, eu fiquei bem logo. Mesmo eu não me lembrando ao certo o que aconteceu, penso não ter sido grave. – conclui.

                 - O povo ficou um pouco assustado Mel... ouvi dizer que na ora foi bem... estranho. - Joana parecia bem preocupada e eu fiquei feliz de certa forma por ter amigos que se preocupassem de fato comigo. Era uma sensação boa de estar protegida.

                 - Qualquer um que passasse mal seria uma cena no mínimo estranha. O único negócio é que foi comigo. Mas não se preocupe, se eu sentir alguma coisinha, mesmo que seja mínima, vou correr para o hospital, eu juro!

                 Acho que minhas palavras forma convincentes não só para Francisco e Joana, mas também para Roberto, Sara e Rafaela, que para meu espano, pareceu ser a mais aflita de todos.

                 - Você tem certeza que está bem mesmo? – perguntou Rafa pela décima vez.

                 - É claro que eu tenho. – murmurei enjoada de tanto falar isso.

                 - Para de encher a Mel, Rafaela! – pediu Roberto um pouco irritado. – ela já disse que está bem, acho que já deu, não é?

                 Eu pude observar os olhos da Rafaela caírem e se intimidarem. Achei gozado, pois ela raramente deixaria por pouco uma fala assim, mas foi justamente isso que ela fez, se calou. Isso me deixou intrigada.

                  A manhã foi uma série de perguntas por todos s lados. Minha sorte era que a semana de prova começava só na terça e não na segunda, senão eu não sei se conseguiria me concentrar muito em outras perguntas que não se relacionassem ao meu bem estar.

                   Consegui fugir delas apenas quando o sinal tocou e eu voei para o ponto me sentindo sozinha com meus pensamentos apenas. De certa forma isso não era tão ruim quanto eu pensava.  

                    O cimento frio do banco me confortou por alguns minutos, refrescando minha mente que tentava ler e decorar as palavras esquisitíssimas do meu livro de História.

                   - Para quê tanto tratado...?– murmurei para meus pensamentos, incrédula com tantos nomes em diversos idiomas.

                   - Para fazer o mundo funcionar! – sussurrou uma voz atrás de mim. Tornei meu corpo, curiosa e me deparei com a figura do Daniel Floukin.

                   - Ah, você? – exclamei um pouco espantada. Eu realmente não me lembrava muito bem de ter companhia naquele ponto.

                   Ou melhor, eu não lembrava de nada.

                    Uma tensão súbita subiu pelo meu corpo arrepiando de leve meus pelos. Eu realmente achava que este filme já havia acabado. Mas só então percebi que aos poucos as memórias estranhas pipocaram depois do branco e eu pude me enxergar de um segundo plano sentada bem ali, naquele mesmo banco. Ora lendo, ora observando o movimento que era quase que nulo.

                      Senti uma pontada estranha, como se eu devesse parar de ficar refletindo sobre meus pensamentos e voltar então ao mundo real. Pisquei três vezes e só aí que pude encarar o rosto do garoto em pé ao meu lado, que por sinal não deveria estar entendendo nada.

                      - Ah, oi, desculpa minha pequena distração. – murmurei um pouco enrubescida.

                      - Sem problemas – murmurou com pouco ânimo. – Pensando em algo?

                      - Não... Ou melhor, sim! – eu não estava muito contente em conversar sobre isso com a maioria das pessoas que me perguntaram o dia inteiro, mas parece que ali, naquele momento, com aquele garoto, tudo pareceu que iria fluir melhor. – Me sinto confusa... – resmunguei por fim.

                      Para mim, a expressão óbvia de qualquer um seria de espanto, no mínimo, mas os traços dele não se mexeram um centímetro sequer. Ele ficou estático como se eu estivesse falando sobre “o ônibus que ainda estava atrasado”, mas acho que até para isso uma pessoa normal teria alguma reação.

                      Eu esperei alguns segundos. Ele tinha que manifestar alguma reação para eu continuar falando, mas nada, nada além de um olhar fixo.

                      - Bem... Então depois do dia que passei mal, estou me sentindo um pouco estranha...

                      Seu olhar deu uma volta até o céu, como se ele não estivesse me escutando plenamente. Eu pisquei confusa e me senti um tanto que ignorada. Fechei meu livro de História tentando fazer com que um barulho ecoasse. Mas minha atitude foi inútil quando consegui apenas levantar uma nuvem de poeira.
                      - Esquecida?

                      - Como? – gaguejei com sua resposta inesperada.

                      - Esquecida, confusa, sei lá como você entende isso. Quero dizer. Parece que sua cabeça está te pregando peças, certo? – aqueles olhos preocupados me fitaram com vontade. Penso nunca ter reparado quão azuis eles eram.

                      - É exatamente assim que me sinto... – cuspi as palavras meio sem entender como as conclusões dele poderiam ser tão fiéis a minha realidade.

                      Um breve momento de silêncio pairou entre nós. Eu estava normal, mas pude reparar que as mãos de Daniel Floukin se fecharam em punhos. No mesmo segundo ele deu um soco na pilastra do ponto de ônibus. Como reflexo, dei um pulo e meu livro de Hitória voou no chão. Ele continuou apoiado com a mão no cimento. Eu não conseguia entender o que se passara, mas sua expressão de aflição era evidente entre as gotas de suor que molhavam seu cabelo e seus dentes que rangiam baixo. Antes que eu pudesse pronunciar qualquer palavra, ele se virou para mim.

                       - Desculpe Mel...

                       Então Daniel Floukin se abaixou, pegou meu livro e com um olhar vago, que parecia atravessar a minha cabeça ao invés de olhar meus olhos, colocou o livro sobre o banco. Ele se virou e começou a andar na direção oposta do ponto de ônibus. 

                       E essa foi a primeira vez que Daniel Floukin me pediu desculpas.


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Notas finais do capítulo

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