Mundo dos Sonhos escrita por Trezee


Capítulo 30
Shakespeare apaixonado, coisas de Rafaela e pagame


Notas iniciais do capítulo

=D



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               Lancei-lhe um olhar profundo por alguns segundos, olhar este retribuído pelos infinitos olhos azuis. Minha boca se curvou em um sorriso e eu desci para o ponto. Corri para casa, entrei gritando um simples “oi” para quem pudesse ouvir. Rapidamente a voz do meu pai ecoou pela casa em um murmúrio indecifrável que não consegui traduzir. Subi para meu quarto, fechei a porta e fiquei estirada na minha cama. “Sim, é exatamente isto que eu quero dizer”. A bendita frase não saia da minha mente, ficava rodando, indo e vindo. Se ele não se controlasse novamente; se eu, “a sensível”, tornasse a me magoar com suas palavras e continuasse fazendo perguntas incessantes, seria o nosso fim, o fim de algo que nunca começou.

                Com todas minhas forças eu não queria que nada acontecesse que pudesse nos separar. Não querer falar com Daniel no momento em que brigamos, horas depois de ficar me martirizando e tentando descobrir onde eu errei, tudo bem. Mas nunca mais trocarmos momentos indispensáveis para minha vivencia, passar a nos evitarmos e voltar para estaca zero, como se nunca houvéssemos sequer nos esbarrados, aí não, não vou suportar.

               Eu tinha, como se fosse a necessidade mais extrema, que sustentar nossa, como posso dizer... Ah, relação. Não sei exatamente como classificar o que eu e Daniel somos. Claro que somos amigos, mas não é só isso, sinto que é algo a mais, pelo menos por mim.

                Aquela tarde foi um pouco vazia. Uma sensação de profunda inutilidade me invadiu. Não encontrava nada para fazer, nenhuma distração sequer então fiquei assistindo a um filme mesmo. Era a milésima vez que assistia ao mesmo filme, mas e daí? “Shakespeare apaixonado” é um dos meus filmes preferidos e não resisto quando o vejo passando em um canal. Meu pai ficava murmurando de tempo em tempo. Corria para atendê-lo, ajudava-o com meia dúzia de seus caprichos e voltava para o sofá. Inútil: essa é a melhor palavra que resume a minha capacidade de ficar ansiosa para ver uma cena de um filme que já assisti.

                Depois do meu momento “Shakespeare apaixonada”, isso mesmo, “apaixonada”, pois naquele momento quem estava filosofando era eu, não Shakespeare, percebi que já estava tarde e minha mãe ainda não havia chegado. Corri para a cozinha preparar o jantar. Fritei o bife bem a tempo de ela chegar. Jantei sem muito animo, a final não havia feito nada no meu dia que me abrisse o apetite. Subi para o quarto e me troquei. Coloquei o pijama, disse boa noite aos meus pais e deitei na cama, mesmo sem sono. Minhas costelas latejavam de tanto ficarem deitadas durante o dia. Não consegui parar quieta na cama, então fui para a janela, minha fiel companheira de insônias.

                 A noite estava gelada, a final estávamos a um mês do inverno. Já era possível perceber o incessante canto do vento, que batia no meu rosto vitrificando minhas bochechas. Realmente aquela noite estava fria, talvez a mais fria do ano. Fiquei quase uma hora resistindo ao convidativo breu, mas me convenci que era melhor eu ir deitar. Não poderia ficar gripada por aqueles dias, minha mãe não aguentaria duas pessoas dependentes dela dentro de uma mesma casa. Seria uma injustiça.

                Tentei me embolar no cobertor, de uma forma que minhas costelas não me incomodassem. Parece que deu certo, pois nem senti quando o sono veio e me levou.

               Acordei com o Sol no rosto, nem havia percebido que dormira com a janela aberta. Comecei a me trocar lentamente, com aquela preguiça típica das manhãs. Estava no banheiro escovando os dentes praticamente de olhos fechados quando minha mãe entrou correndo no meu quarto com a cara toda amarrotada e o cabelo despenteado.

          - Mel, Mel, anda, rápido! Perdemos hora filha!

          - Hã? – murmurei com creme dental por toda a boca.

          - O despertador não tocou, você está atrasada!

          Sai do banheiro ainda com aquele andar mole, peguei o meu relógio e levei um susto. Realmente eu estava bem atrasada e provavelmente não conseguiria pegar o ônibus a tempo.

           - Mãe, eu não posso perder a primeira aula, vou voar para o ponto, beijo! – já estava correndo escada a baixo.

           Havia ficado tudo para trás: cama desarrumada, café da manhã, lanche da escola e alguma outra coisa que não consigo nem me lembrar. Não podia perder essa aula, pois o professor de Biologia iria passar um documentário e pedir uma prova depois. Ele deixou bem claro na última sexta: “Não fiquem doentes e não se acidentem semana que vem, quem perder esse filme vai ter que ralar muito”. Eu não estava nem um pouco com vontade de “ter que ralar muito”.

            Estava parecendo uma louca correndo no meio da rua. O ponto não ficava longe de casa, então acelerei o máximo sem medo de me cansar. Cheguei e nada de ônibus. O pior era que não havia ninguém mais além de mim, então não sabia se o ônibus havia ou não passado. Resolvi esperar. Cinco minutos e nada, até que finalmente pude avistá-lo dobrando a esquina. Um alívio subiu e desceu, então percebi que não iria precisar “ralar muito”. Ainda bem.

            Segui a mesma rotina corrida de sempre até chagar no Evolução. Logo quando cruzei o portão, vi andando um pouco mais a frente, uma pessoa bem conhecida. Apertei o passo e toquei no seu ombro.

            - Daniel. – disse abrindo um sorriso.

            - Mel? O que faz aqui tão cedo? – ele me olhou com a maior cara de espanto.

            - Bom-dia para você também! – respondi rápido. – Qual o problema de eu chagar cedo, você também chegou!

            - É que eu... Ah, deixa para lá. Não sabia que geralmente você era a primeira pessoa chegar na escola. – caçoou, mas mesmo assim percebi a tensão no início de sua fala.

            - Na maior parte das vezes, não chego tão cedo. Só estou chegando por esses dias, enquanto meu pai, sabe como é, não pode me trazer.

            - Nossa, verdade! Seu pai está melhor? – indagou levando a mão a testa.

            - Está sim, o único problema restante é a perna engessada.

            - Uhn... Mas fora a perna, você tem certeza que não percebeu nada de diferente, anormal ou incomodo no seu pai? – sua voz ficou bem mais séria do que o normal.

            - Não, por que, deveria? – intriguei-me com sua pergunta peculiar.

            Balançou a cabeça para os dois lados, mas não consegui identificar o que ele queria dizer com esse gesto.

             Entramos na sala e ela estava vazia. Desta vez, sem Francisco ou Joana para me contarem os assuntos da turma. Era apenas Floukin e eu. Coloquei minha bolsa mais ou menos onde sempre costumava me sentar, mas Deni interveio de forma inesperada para mim.

             - Não Mel, sente perto de mim hoje. Sempre fico “isolado” – ele fez aspas no ar – naquele canto ouvindo e rindo das bobeiras que os moleques dizem. Venha, hoje quero ter uma companhia melhor. – ele já estava do meu lado, segurando minha bolsa.

              Fiz uma cara indecisa. Queria muito sentar perto de Deni, meu coração parecia um circo devido às palavras que ele havia acabado de dizer, mas se eu fosse e metesse

os pés pelas mãos? Falasse o que não devia, perguntasse de mais... Era uma espécie de teste, um teste que ele estava propondo para mim.

            - Vem, garanto que a Joana não vai se importar. Talvez o Francisco um pouco... Ele parece seu irmão mais velho! – ele já estava levando minha bolsa para perto de sua fileira. – Esta carteira ou aquela?

            Apontei uma que ficava ao seu lado.

            - O Francisco é o meu irmão mais velho, o irmão que eu não tenho e que cuida de mim. – disse rindo.

            - Ah é, e eu não cuido? – perguntou voltando-se para o ponto onde eu estava de pé.

            - Cuida... – murmurei.

            - Então, se ele é o irmão mais velho, o que eu sou? – perguntou novamente, agora a duas carteiras de mim.

            - Você é... – minha garganta gelou e meu coração acelerou. Ele estava chegando mais perto ainda e com aquele olhar.

             A porta abriu e dei um pulo. Cai sentada na carteira atrás de mim e Deni riu de canto de boca. Lancei-lhe um olhar bem invocado e ele riu mais ainda desta minha cara de bravinha. Parei para ver quem havia entrado e eram duas garotas que nem converso muito. Elas só colocaram o material em uma carteira e já saíram. No momento em que elas abriram a porta, trombaram com uma pessoa que logo vi ser Rafaela. Quando ela entrou na sala, mais precisamente quando olhou para nós, deu um suspiro assustado e ameaçou recuar. Depois de um pequeno conflito consigo mesma, veio até nós e nos cumprimentou rapidamente. Tentei falar para ela ficar e conversar conosco, mas não deu nem tempo e a porta bateu, ficando a sala vazia novamente exceto pela minha presença e a de Deni.

             - Sua amiga estava um pouco vermelha ou é impressão minha? – perguntou Deni intrigado.

              - Talvez... – murmurei.

              - Por que? – insistiu.

              Eu sabia o porquê e até agora estava tentando evitá-lo a todo o momento, mas minha fixa caiu e então percebi que seria impossível esquecer. Não podia comentar para Deni o que estava acontecendo por dois motivos: 1º, Rafaela pediu para jurar segredo, 2°, eu era, de uma forma bem idiota, egoísta. Bem, há menos de uma semana, no MSN, ela veio me perguntar qual era o nível da minha relação com Deni. Respondi a verdade e disse que éramos apenas amigos. Perguntou então, se eu gostava dele e eu, não sei por qual motivo, falei que era só amizade. Nem acreditei quando digitei minha negação, não havia motivo algum para mentir para minha amiga, mas foi o que fiz. Foi difícil entender, porém, creio que fiz isso porque ainda não estava preparada para expor meus sentimentos, já que desta vez não é apenas uma paixonite boba e sim, muito possivelmente, um verdadeiro amor. Logo depois da minha resposta, ela mandou a seguinte frase destruidora: “Jura? Sempre achei que vocês se gostavam. Mais ainda bem que não, porque senão eu iria me sentir muito mal em dizer que...estou sentindo uma coisa estranha por Daniel” Nessa hora quase acabei com meus dedos de tanto roer as unhas. Não dava pra acreditar no que eu estava lendo. Coisa estranha, como assim coisa estranha? Paixonite, rolinho adolescente? Não consegui colocar na minha cabeça as palavras dela. Ela estava sentindo coisas por uma pessoa com quem ela nem fala muito. Era só o que me faltava.

            - Mel? – insistiu novamente Deni, trazendo-me de volta dos meus pensamentos, que me fizeram refletir sobre a inquietante questão. – Você ainda está aí?

            - O que? – perguntei desentendida.

            - Ah, esquece... Estávamos falando que a Rafaela estava estranha, mas pelo jeito quem está estranha é você.

            - É deve ser... Vou lavar o rosto para ficar acordada durante as aulas, já volto. – disse me virando.

         Eu realmente fui lavar o rosto, mas também fui continuar minha reflexão. Lembrei-me do resto da conversa pelo MSN que tive com Rafaela e quase enfartei quando lembrai de uma fala. Ela escreveu, logo após sua confissão, um pedido de ajuda bem claro de amiga para amiga. Fiz um rodeio enorme para responder, mas sou tola, besta e idiota, ao ponto de oprimir meus sentimentos para fazer com que os sentimentos de uma amiga florescessem. Praticamente me atirei no poço quando lembrei que apertei o enter e enviei um “vou ver o que posso fazer”. Não, eu não iria ver o que eu poderia fazer, e sim o que eu já estava fazendo. Piorando as coisas. Meu Deus, onde eu estava com a cabeça neste dia, como fui capaz de colocar a mim mesma em uma emboscada! Espremi os neurônios para tentar lembrar mais ainda do dia da minha burrada e infelizmente lembrei. Estava brava com Deni, havia jurado para meu espelho que iria arrancar esse sentimento de dentro de mim. No momento, ajudar Rafaela na sua investida seria um bom começo. Boba, boba, boba. Como só me dou conta que meti os pés pelas mãos uma semana depois do feito? Por que não percebo na hora meus erros? Talvez porque sou humana e erro, mas esses bordões não se encaixam na minha realidade adolescente. Eu havia incentivado minha amiga a gostar do cara que possivelmente eu amo. Sim, eu errei e não, não faço a mínima ideia de como concertar.

        Voltei para a sala e ela já estava praticamente lotada. Joana veio perguntar onde estava minha mochila e eu só apontei para a bolsa de sarja caída do lado de uma carteira. Francisco, como Deni previu, veio perguntar por que eu havia os “abandonado”. Dei um tapinha carinhoso em sua cabeça e disse para ele pegar mais leve como meu irmão postiço. De repente as luzes se apagaram e o professor entrou na sala com um DVD nas mãos. Já entendemos logo o recado e fomos nos sentar. Não demorou muito e o documentário estava instalado e pronto para assistirmos. Foi um tanto que enjoativo e o tema era maçante. Fiz força para não perder muitos detalhes que com certeza cairiam na prova. Por duas vezes cutuquei Deni que estava quase fechando os olhos. A aula imperdível acabou e o resultado foi uma avaliação agendada para a próxima sexta-feira. Aproveitei que a sala ainda estava escurinha e debrucei na minha mesa. Fechei os olhos e comecei a pensar em um pouco de tudo. Não demorou muito para um clarão correr por de trás das minhas pálpebras e uma voz me chamar. Era Deni, cutucando minhas costas e chamando meu nome.

        - Mel, que vergonha! Dormindo com o professor dando aula! – sussurrou com tom irônico.

        - Mas a aula ainda nem começou. – retruquei com voz sonolenta e com os olhos mais fechados do que abertos.

        - Engano seu, a aula já começou há uns dez minutos.

        - O que? – dei um pulo na minha própria carteira. Todos olharam para trás, inclusive o professor, que estava escrevendo na lousa.

        - Algum problema Melinda? – ecoou a voz grave vinda da frente da sala.

        - Não professor, desculpe.

        Olhei para os lados e percebi os diversos risos baixinhos. Voltei-me então para Deni e quase arranquei-lhe um pedaço com meus olhos.

         - Você perdeu a noção do perigo Daniel Floukin? Que vontade de te dar uns tapas! Onde já se viu me acordar assim, no meio da aula! – sussurrei brava.

         - A culpa é minha agora? Queria ver se ao invés de mim fosse o professor que te acordasse!

         - Bem... – refleti um pouco. – Isso é verdade... Ah, mas mesmo assim, você viu o carão que eu passei?

         - Ver até que eu vi, mas aí já não é minha culpa! – riu baixinho.

         - Oras... Ah, esquece, depois a gente se entende! – terminei minha bronca em forma de sussurro com uma cara bem bravinha, mas não me contive em manter a postura séria e logo cai no riso, lógico que silencioso.

         As aulas foram passando uma a uma e eu e Deni conversávamos mais e mais. Por alguns instantes esquecia até de medir minhas palavras, soltando quaisquer umas, sem esperar por consequências. Naquele momento a nossa fala, seus toques e gestos, valiam o risco permanente de uma hora, sem mais sem menos por causa de algumas palavras erradas, tudo acabar como se nunca houvesse acontecido. Era muito tenso pensar nisso tanto que eu até evitava pensar.

          Na última aula, mais precisamente nos dois últimos minutos, a inspetora entrou na sala.

          - Segundo ano, só estou passando para avisar que as 36 vagas para a viagem para Angra dos Reis foram preenchidas. – alertou rápido e saiu.

          Gelei. Como as vagas poderiam ter esgotado tão rápido? Eu nem havia pagado, na verdade nem me lembrava do passeio. Isso significava que eu não iria mais?

           - Mel, mel! – senti a mão de Deni me cutucando.

           - Oi... – respondi com uma voz tremida.

           - Você pagou, não é? – disse esperançoso.

           Suspirei e balancei a cabeça.

           - Não? Como não? – retrucou espantado.

           O sinal tocou e eu suspirei novamente.

           - Na verdade, nem tive muito tempo de pensar nisso. Não imaginei que as vagas acabariam em uma semana! – comecei a jogar meus livros na bolsa.

           - Mel, eles avisaram que as vagas estariam concorridas... – murmurou.

           - Ah Deni, eu sei, mas nem lembrei desse papel, essa semana foi muito tumultuada, principalmente pelo meu pai! Nem me toquei que ainda não havia pagado o passeio!

           - Ai meu Deus, não acredito que o negócio do seu pai foi a causa do esquecimento... Você tinha que ir nesse passeio! – exclamou arrastando a mochila até as costas.

           - Deni, como pode! Se fosse seu pai, você veria quanto complicado é! – respondi inconformada do seu descaso.

           - Não Melinda, você me interpretou errado. – puxou-me pelo braço até a porta. –  Está certíssima em se preocupar com seu pai, realmente isso é um choque para qualquer família. O que eu quis dizer, é que não me conformo de que o fato do seu pai ter sido atac... Quer dizer, ter sido acidentado, foi o motivo do seu esquecimento.

            Fitei-o com a maior cara de confusa.

            - Continuo não te entendendo Deni...

            - Ah, esquece Mel, não vamos entrar nesse assunto, talvez ele não seja o melhor para falarmos... Não quero arriscar as palavras.

            Posso ter entendido errado, mas se entendi certo, ele também estava medindo o que dizer.

            - Vamos voltar focar de novo na viagem.

            Concordei mesmo confusa sobre o assunto anterior. Mas resolvi não cutucar mais ainda o quê poderia causar a tão temível por mim, causa do rompimento da terceira e última chance.

            - Acho então... que eu não vou. – disse com voz triste, chutando umas pedrinhas para o meio da rua.

            - Vai sim, você tem que ir!

            - Mas Deni, você não ouviu a inspetora?

            - Ouvi, mas isso não vai impedir que você vá. Segunda feira mesmo, vou ver se houve desistência ou se então vão abrir mais vagas! Eles vão ter que deixar Mel, vão ter! – disse extremamente convicto das suas palavras.

             Olhei para seus olhos azuis por um tempo e me sentei no banco de cimento. Uma pequena pausa se formou até que perguntei doce, mas curiosa.

        - Por que você disse que eu tenho que ir?

        Ele desviou os olhos dos meus e abaixou a cabeça.

        - Por que Daniel? – reforcei.

        Seus lábios se moveram. Era uma palavra que queria escapar. Continuei olhando-o imóvel e ansiosa.

        - Porque... – seus olhos, que estavam baixos, fixarem-se nos meus de repente. Meu corpo gelou, mas isso não era novidade nenhuma para mim. – Ah... O ônibus... – apontou o dedo para a pista, suspirando.

         Não acreditei. O ônibus sempre conseguia chegar no momento menos oportuno, parecia pegadinha. Entrei mais que depressa e me sentei em um banco com dois acentos vagos. Deni se acomodou no meu lado, mas ficou em silêncio.

         - Hei? Oi, Deni? – tentei chamar sua atenção.

         - O que foi Mel? – perguntou com a maior cara de desentendido.

         - Você estava respondendo à minha pergunta, lembra?sobre a benditada quest-me de volta dos meus pensamentos, que me fizeram refltir  unca trocaram uma palavra sequer!

         - Bem, lembro sim, mas se fiquei em silêncio é porque achei melhor não responder. – olhou um tanto que sério para mim.          

         - Por quê? – indaguei inconformada.

         - Simplesmente pelo fato que prefiro conservar ao invés de arriscar. – filosofou.

         Esses momentos em que ele ficava sério de repente, com a fala culta, assustavam-me.

         - Acho que entendi... – minha curiosidade só cresceu com isso, mas meu coração foi espremido no meu peito até se conter.

         Depois deste momento um pouquinho tenso, ficamos quietos, cada um em seu canto. Chegando quase no meu ponto, resolvi me prontificar.

         - Segunda-feira, levarei o dinheiro. Se houve houver desistências, quero ser a primeira da lista de espera. – olhei-o com a esperança de que a tensão houvesse passado.

         - Por falar em segunda feira, até seu pai melhorar você vai comigo para a escola. – ele não me perguntava as coisas, e sim ordenava.

         - Você está muito mandão hoje! – brinquei enquanto ajeitava a mochila, afinal o ônibus estava parando.

         - Tudo o que mandei até agora foi para o seu bem. – sorriu.

         - Sentar perto de você na aula foi para o meu bem? – disse ficando de pé.

         - Depende do seu ponto de vista – seu sorriso agora era um tanto que malicioso e eu apenas retribui, tentando imitar.

          Desci do ônibus e fui para casa. Estava tudo muito silencioso quando entrei, mas logo me dei conta que meu pai estava dormindo. As sextas, minha mãe vai à Marlene, então cheguei à ótima conclusão que a casa era só minha e de meus pensamentos.

          Nem comi muito, não estava com fome. Se minha mãe estivesse em casa, já brigaria comigo e ficaria mandando eu me alimentar bem, provavelmente achando que eu estava com um distúrbio alimentar. Mãe é um bicho estranho nessas horas, sempre só vê o lado ruim das coisas. Para esses seres progenitores que nós tanto amamos não comer muito é sinônimo de: “neura adolescente que só pensa em emagrecer”, quando na verdade, é só uma “pequena falta de apetite momentânea”.

          Fiquei lendo um pouco e mexendo no computador, coisa que eu não fazia há séculos. Fiquei até espantada quando abri uma página de notícias. Percebi o quanto eu consegui ficar alheia às novidades do mundo. Ultimamente não assistia decentemente uma televisão, no máximo alguns filmes bobos. Revista então passava longe e internet, como já disse, nem sonhava.

           Depois de passar por uma tarde típica de adolescente, voltei minha cabeça para os problemas restantes que me perseguiam. Por precaução, já coloquei o dinheiro que restava das minhas economias dentro da bolsa, para não haver risco de esquecimento.

Aproveitei o resto da noite livre para não fazer nada. Não que esse fosse o meu programa favorito para uma sexta feira a noite, mas por falta de opção foi a única coisa que me restou.

          


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Notas finais do capítulo

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