Mundo dos Sonhos escrita por Trezee


Capítulo 23
VIII - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Uhnnnnnnnnnnnnnnnnn



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             Daniel é um palhaço. O tempo com ele não é nem um pouco enjoativo. No percurso todo até o parque, fomos fazendo brincadeiras um com o outro e rindo das abobrinhas que ele falava.

              Lá estava cheio. Domingo parecia ser o dia preferido dos turistas. Em Brascuba não há muitos pontos turísticos, então dar uma voltinha em torno da lagoa vem sendo o passa tempo favorito de todos nas tardes ensolaradas.

              Entramos, caminhamos um pouco e conversamos muito. Nossos assuntos eram dos mais variados temas, mas não tínhamos coragem de entrar em assuntos que, para mim, são muito interessantes. Mas fazer o que, o jeito é esperar e ir curtindo enquanto não tenho certeza de nada.

             Chegamos a uma parte cheia de árvores. Estamos no outono e a maioria das folhas já caíram. Apenas uma exceção chamou nossa atenção. Uma figueira no meio de várias árvores secas, ainda estava robusta e cheia de vida. Naquela parte do parque não havia muito movimento, estava tudo tão gostoso. Uma brisinha suave batia em meu rosto, dando uma profunda sensação de paz.

            Fomos em direção da grande árvore e nos sentamos a seus pés. Eu sentei de um lado do tronco e Daniel se ajeitou um pouco mais para o lado, de forma que não nos víamos, apenas ouvíamos nossas vozes e o som dos passarinhos que ainda cantavam.

           Cada um foi se perdendo nos próprios pensamentos. Eu fechei meus olhos por uns instantes, podia perceber ainda a brisa mansa que me refrescava. Se ficasse assim por mais alguns instantes, seria capaz de ouvir até meu próprio coração, mas a voz de Daniel me tirou do transe. 

           - Você ainda está acordada?

           - Acho que não... – respondi. – E você?

           Só pude escutar um risinho baixo.

           - Esse lugar é tão calmo. Parece até difícil de acreditar que ainda estamos naquele parque movimentado. – sua voz era suave.

           - Realmente, em um lugar assim, se é bem capaz de esquecer até dos próprios medos. – murmurei.

           - Medos... – pude ouvir um sussurro sair de sua boca. - Você tem algum medo Mel?

           - Não! – foi a primeira coisa que saiu da minha boca, quando abri meus olhos rapidamente – Você tem?

           Ele ficou um instante em silencio. Pensei até que não tivesse ouvido minha pergunta.

            - Acho que sim, mas é um medo estranho. – murmurou depois de um tempo.

            - Estranho? – achei engraçado de certa forma um medo ser estranho.

            - Não é um medo tão comum. Pelo menos, não na nossa idade. – sua voz saiu seguida de um suspiro.

            - Qual é? – minha curiosidade aumentava.

         Novamente ficou um silencio momentâneo.

         - Da morte... – sussurrou extremamente baixo.

         - O quê? – perguntei mais para confirmar se realmente ouvira aquilo.

         Ele não respondeu.

         - Daniel... Medo da morte? Somos tão novos para pensar nisso, temos uma vida inteira pela frente...

         - Medo a gente não escolhe. – murmurou novamente, com uma voz séria.

         Fez-se uma pausa grande nesse momento, não sabia o que falar.      

         - Para falar a verdade, eu também tenho um medo. – confessei quando percebi que o outro assunto estava começando a perturbá-lo.

         - Tem? – ouvi sua voz do outro lado da árvore, já em um tom mais agradável.

         - Eu sonho muito, mas na maior parte das vezes são pesadelos que realmente me incomodam. – agora quem sussurrou foi eu.

         - Sobre o quê?

         - Sobre tudo! Algumas vezes são extremamente confusos, outras são bem reais. – continuei murmurando.

         Nunca havia falado dos meus sonhos para mais ninguém, além de minha mãe e meu pai.

          - Ah sim... – sussurrou.

          - Bem, mas sonhos são coisas normais de mente. Naturalmente uma pessoa vai ter medo de pesadelos. Agora medo da morte? Tem que ter um motivo... – não me contive em perguntar e quando dei por mim as palavras já haviam saído. – Geralmente se há um problema. – foi aí que me espantei com a possibilidade. – Há um problema? – minha voz saiu um pouco falha.

          - Nada do que você possa estar pensando... – murmurou a voz doce.

          - Sei... Pelo jeito vai continuar me escondendo algo, sempre com essas respostas vagas... Não é?

          Nenhuma voz se prontificou para dar uma resposta ou explicação.

          - Foi o que eu pensei. – murmurei para mim mesma após um suspiro.

          - Mel... – ele se prontificou como um lamento.

          - Não, não se preocupe. Pode soar até estranho, mas não sei por que, eu te entendo. Se você não quer falar agora, não me importo, não vou te forçar a comentar algo que você não queira. Se você acha que não é o momento certo para falar, não faz mal. Daniel, não vai me magoar, não vou ficar brava ou irritada com você... – minhas palavras saíram em um tom tão compreensivo que até eu me assustei.

         Ouvi o barulho de algo se mexendo e em poucos segundos, Daniel apareceu sentado na minha frente. Eu encostada na árvore e ele me encarando, fitando incansavelmente meu rosto com seus olhos.

          - É por isso, exatamente por isso que você me encanta. Desde uns tempos para trás, ninguém consegue me entender, nem meus pais. Mas com você... Com você é diferente! – seus olhos brilhavam e me enfeitiçavam. – Com você eu posso ser simplesmente eu, sinto-me bem, não preciso ficar explicando cada silêncio, cada situação... Eu rio, me divirto, e até mesmo me esqueço... – sua feição mudou rapidamente. – Me esqueço dos medos... Mesmo que isso me faça ter mais medo depois.

           Não sabia se respirava, se sorria ou se falava. Por isso mesmo fiquei em silencio, apenas ouvindo suas palavras.

           - Mel, os últimos anos têm sido muito difíceis para mim. Sinceramente, não sei por quanto tempo iria conseguir aguentar certas pressões se eu não tivesse te encontrado esse ano...

           Abri um doce sorriso. Daniel colocou a mão em meu rosto e passou levemente os dedos em minhas bochechas coradas.

            - Acredite, é esse seu jeito que me cativa. – foram as únicas palavras que fui capaz de sussurrar.

            Ele continuou com a mão em minhas bochechas e não desviou seus olhos dos meus nem por um segundo. A brisa lave voltou a bater e ele começou a aproximar seu rosto para mais perto do meu. Nossos rostos estavam a menos de dois palmos. Meu coração começou a bater mais forte, eu já era capaz de ouvir sua respiração. Ele passou o dedo delicadamente sobre meus lábios e meus olhos estavam prestes a se fecharem. Era um momento tão mágico, que achei que nunca aconteceria. Nada poderia quebrar aquele clima perfeito.

           - MELINDA!!!!

           Eu me esquivei do rosto de Deniel, lançando-me bruscamente contra o tronco da árvore. Quanto a ele, se levantou em um pulo com uma cara espantada. Como era possível? Eu ouvi, não foi minha imaginação. Sim, era real e o pior de tudo, era aquela voz que só ouço nos meus sonhos. Não consegui fazer com que isso entrasse na minha cabeça por hora. Era tortuoso de mais. Não suporto meus pesadelos, sou perseguida por eles toda a noite e agora estão me perseguindo em plena lucidez. Fechei os olhos e me lembrei da voz que me chamou a pouco. Inconfundível como sempre, não havia como errar. Uma lágrima brotou do canto dos meus olhos ainda fechados. A bendita voz saiu do mundo dos sonhos e estava ali, na minha cabeça, no mundo real. Minha feição com certeza começou a se desfigurar, senti uma sensação mista de receio e terror que fez subir pela minha espinha um forte arrepio. Segurei a maior quantidade de grama que consegui tatear e comecei a puxar do chão. Não sei se chorava ou se só emitia um grunhido de medo, mas só o fato de lembrar da voz presente na minha realidade, já fazia minhas pernas estremecerem.

              Sei que estava parecendo exagero, até porque a voz sempre me pareceu tão boa e amigável, mas não conseguia controlar minhas emoções, minhas reações. Foi então que a consciência pareceu ter retornado a mim. Balancei a cabeça e soltei os fiapos de grama que estavam na minha mão. Abri os olhos lentamente e só então recordei que estava ali e com Deniel.

              Minha primeira reação foi olhar para os lados para ver seu eu o encontrava. Com alívio, avistei-o de pé e encostado na lateral do mesmo tronco, com a mão na cabeça e de costas para mim. Logo de cara imaginei que ele deveria estar pensando que eu era uma perfeita louca, no mínimo estranha por ter agido daquele jeito. Mas meus pensamentos em relação a ele sempre são dos melhores e minha mente insiste na maior parte das vezes em crer no final feliz.

              Fiquei de pé e enxuguei a última lágrima que ainda estava escorrendo. Dei um grande suspiro e coloquei a mão em seu ombro. Em um gesto brusco, ele se curvou um tanto para frente, desviando-se da minha ação. Minha mão caiu pela suas costas e voltou para junto do meu corpo. Ele ainda estava virado e parecia que sua cabeça estava baixa. Dei alguns passos contornando seu corpo e encontrando seu rosto. Não conseguia ver seus olhos, pois os cabelos lhe caiam sobre eles. Não teve nenhuma reação, apenas ficou ali, apoiado por um braço no tronco, olhando para o chão.

              Não conseguia entender por que ele estava assim, afinal quem ouviu vozes ali fui eu! Chamei pelo seu nome umas três vezes e nada. Fiz minha segunda tentativa de contato corporal, colocando minha mão em seus cabelos. Rapidamente ele empurrou-a ariscamente, forçando-me a dar um passo para trás.

               Agora que eu não entendia nada mesmo, pior ainda, já estava ficando preocupada. Desta vez, investi sem medo, aproximei-me do seu corpo estático e coloquei as duas mãos em seus ombros, dando-lhe um leve chacoalho. Ele não empurrou meus braços, como eu pensei que aconteceria, mas sim, levantou o rosto e olhou para mim. Não via aquele olhar há algumas semanas. Na verdade só o vi em uma vez. Na tarde em que eu fui atacada pelo cão, momento depois deste fugir. Foi assim que ele me olhou. Um olhar vago, preocupado e com uma pontinha de medo. Mas como também ocorreu da última vez, parecia que ele não se focava diretamente em mim, realmente muito estranho e inexplicável. Minha reação foi dar um abraço nele, foi a primeira coisa que veio na minha cabeça, mais como um instinto. Na mesma hora em que tentei passar meus braços em suas costas, ele os impediu, forçando-os e me empurrando para trás de novo.

             Seu olhar ainda era o mesmo e sua feição não explicava seus sentimentos. Parecia calmo e até sereno, tirando a pontinha de medo que não deixei passar sem perceber. Mas ainda era frio e distante.

              - Daniel... – sussurrei sem entender.

              Ele continuou me encarando, mas parecia não me ouvir.

              - Daniel... O que você tem? – insisti.

              Silêncio.

              - Fala comigo! Você está me assustando... – alterei o tom de voz. – Por que está fazendo isso? – parecia que minha voz estava começando a ficar chorosa.

              - Me deixa Mel. – foram as primeiras palavras que atravessaram sua boca.

              Parecia que ele estava olhando em direção a um palmo do meu rosto. Não tive coragem de elaborar uma resposta para o que ele acabara de me pedir, então fingi nem ter ouvido, ignorando-o totalmente.

               - O que aconteceu? Por que você está assim?

               - Mel... Me deixa. – ele pediu com mais força.

               Não era possível que ele estava me pedindo isso.

               - Você ficou bravo com minha reação? Foi isso? – tentei argumentar em vão. – Se for eu posso explicar... Foi a voz que me chamou.

                Parece que eu piorei todas as situações possíveis. Nesse momento ele balançou a cabeça e fincou os dedos contra o tronco em que se apoiava. Juro que vi algumas lágrimas em seus olhos, mas nada que eu possa confirmar.

                - Por favor Mel, me deixa sozinho!!! – ele não falou isso, ele gritou.

                Fiquei completamente surpresa com a reação dele. Por que ele me julgava assim? O que eu fiz de mal ou de errado? Nada que não pudesse ser explicado. Era inútil, ele não me deixava ao menos tentar.

                 - Você prometeu que não faria mais isso... – disse forçando para que uma lágrima não escorresse dos meus olhos.

                 Dizendo isso, ainda fiquei parada ali, olhando para seus intensos olhos azuis esperançosa por uma resposta sequer. Nada novamente. Segurei com mais força o choro que agora voltava com mais ansiedade na minha garganta, virei meu corpo e comecei a andar.


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Notas finais do capítulo

Aee, to adorando os coments o/