Ovelha Negra da Família escrita por Charichu


Capítulo 2
Capítulo 1- O ruim antes do muito ruim




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Capítulo I- O ruim antes do muito ruim

 

         Ok. Como não sou nenhum Machado de Assis e você deve está mais perdido do quê cego em tiroteio (a menos que você seja o Demolidor ou o Shiryu, é claro), creio que é melhor me apresentar e lhe dar uma pequena noção da minha família. Sim, tem que ser uma breve noção mesmo, pois, por mais que minha família seja algo extremamente curioso e fascinante, digno de tornar-se objeto de diversos estudos científicos, levaria umas cinco décadas para descrever todas suas excentricidades, manias e outras coisas absurdas, e, com certeza, eu acabaria esquecendo um ou outro detalhe. Além disso, minha professora de redação reclamou da excessiva embromação presente nos textos que escrevo e que preciso desenvolver um estilo mais direto e objetivo se, em algum dia, pretendo ingressar em uma faculdade que preste. Então, seja um bom leitor e se contente com o resumo do resumo do resumo da sinopse, beleza?

         Antes de tudo, meu nome é Gabriel Mont’Alvert III. Sou filho de Naiara Cotrim Guimarães e Anne Guimarães Cotrim. Não, eu não sou burro a ponto de não saber escrever o nome de “meus pais” e você, definitivamente, não é mal alfabetizado a ponto de não saber ler direito. Eu sou filho de duas mulheres.  Sim, elas são homossexuais, sapatonas, lésbicas ou qualquer outro termo do seu vocabulário que seja utilizado para denominar uma mulher que curte beijar e transar com outra. E, devido à enorme homofobia que ainda persiste no mundo, minhas mães levaram a sério a frase “compartilhar a dor com os outros ajuda a amenizá-la”, gerando dois filhos e adotando um terceiro. 

         Obviamente que, entre inúmeras famílias pelas quais poderia ser adotado, eu fui parar em uma completamente estranha. Apesar de uma parte bem pequena de mim desejar saber como seria uma vida normal, com o tradicional “pai e mãe”, estou bem satisfeito com as minhas duas mães. Quero dizer, Deus poderia ter achado que não sacaneou o suficiente e me colocado em uma família de homens bichas travestidos ou em uma católica de mente obtusa que freqüenta uma igreja onde o padre come criançinhas! Sério, pensa bem: além de ser o símbolo de um amor proibido entre duas mulheres bonitas e inteligentes, eu moro em uma casa onde duas gostosas se pegam toda a noite. Sei que elas são minhas mães e merecem respeito, porém, eu ainda sou homem e tenho muita testosterona no corpo que me faz ficar satisfeito em contemplar os “belos gestos de carinhos” entre mulheres sem precisar recorrer a sites pornôs!

         Para completar minha libido típica de um homem em fase de crescimento, eu ainda tenho uma irmã mais velha, chamada Uriel, que, apesar de se parecer com uma modelo de capa de revista, é lésbica. E o melhor de tudo: ela não tem o menor pudor de ficar mensurando o quê fazer na frente do irmão caçula, no caso eu, porque ela tem certeza absolta que ele (eu) é (sou) gay. Logo, nem preciso dizer que minha data comemorativa favorita é o aniversário da Uriel, não é? Porque ela adora fazer uma festa nesse dia e suas convidadas principais são normalmente garotas lésbicas ou bis que fazem parte do seu harém particular. E, é só responder que acho um ou outro garoto gay que ela me apresenta “legal” ou “bonitinho” para deixá-la bem feliz, depois, fugir deles com a desculpa de que sou tímido e, em um instante, eu fico sozinho passeando pela festa, babando nos amassos que rolam entre as gatas lá.

Sinceramente, minha vida seria maravilhosa se só tivéssemos nós três na família: eu, minhas mães e Uriel, mesmo que esta última tenha uma obsessão em me transformar em gay (uma longa história, que conto em um longo capítulo assim que tiver uma longa paciência). Contudo, Deus não daria a um homem um paraíso desses em troca de nada, não é? Claro que não, porque se o fizesse, Ele seria o capeta e estaria propagando a libidinosidade. Não, Deus é um cara sério, com um senso de humor deveras cruel e negro, que adora zuar com caras como eu. Então, para estragar a minha festança, ele me deu um irmão mais velho gay chamado Thomas.

Tipo, eu até gosto do Thomas. Quero dizer, ele é um cara boa pinta, alto, de cabelo liso, meio repicado, de cor castanho escuro e olhos de um verde que chamam bastante atenção. Tem físico de ator de cinema (aquele corpo escultural, extremamente malhado) e um sorriso Colgate que fazem as meninas se derreterem. Todas as garotas que o conhecem desenvolvem uma queda por ele que, se Thomas desse ao mínimo trabalho, elas estariam dando rapidinho. Mas, meu irmão é gay, então, ele está pouco se lixando se as mulheres o curtem ou não. O quê me deixa com uma puta de uma raiva porque se as coisas com as minas funcionassem desse jeito comigo, eu seria o filho da pu... ops! Foi mal, mães! Força da expressão! Continuando, seria o individuo mais feliz e sortudo da face da Terra. Porém, eu sou o Zé Mané que descrevi mais cedo a vocês e, quanto ao meu irmão... tudo o quê ele quer é fazer o namorado baitola dele, o André, feliz. E é aí que me fodo duplamente: o único membro masculino da minha família, além de mim, que tem o maior potencial para comedor, é gay assumido. Como é que eu, reles cdf, tímido, infeliz e desajeitado, poderia mudar essa imagem que Thomas criou?

Agora, voltando à tragicomédia da minha vida, contarei um pouco de como as coisas ainda estavam “ruins”, mas ainda não muitos ruins. Era inicio de Março e o clima na minha escola estava completamente intenso devido à gincana que se aproximava.  Entretanto, eu não estava nem um pouco empolgado, pois quando se é um cara estudioso, responsável, bem parecido com o Peter Parker, esta “gincana” significa que você irá se estressar e trabalhar feito um escravo para a cambada descolada e irresponsável da sua escola se divertir no seu lugar. Então, eu tentava me manter o mais alheio e desligado possível aos acontecimentos a minha volta, o quê era extremamente difícil e exigia uma grande dose de paciência, especialmente quando se está no meio de um trabalho em equipe na qual duas garotas (uma delas, o amor da sua vida), aguardam ansiosas pela gincana deste ano.

- Eu simplesmente não acredito que falta menos de um mês para a gincana da nossa escola!- exclamou Catarina, subitamente, e definitivamente deviria tirar o chapéu para tamanha falta de concentração dessa garota. Afinal, quantas pessoas seriam capazes de fazer um comentário tão aleatório enquanto estuda, com outro três colegas, a Revolução Francesa. Quero dizer, será que ela não se tocou que esse comentário surgiu justamente na parte em que líamos o Reinado do Terror, instituído por Robespierre, durante o qual milhares de pessoas foram guilhotinadas?  Onde foi parar o minuto de silêncio em consideração as pobres vítimas desse lunático que, literalmente, perderam a cabeça e caíram no esquecimento, enquanto o nome dele ficou gravado na história com a alcunha de “O incorruptível”?

- Eu mal vejo à hora da gincana começar!!- completou Natália, esquecendo o momento fúnebre da Revolução Francesa, e aderindo a empolgação da Catarina. E agora que já prestei minha homenagem as pobres almas sem cabeça de Robespierre, deixe-me falar sobre essa garota espetacular que está, nesse exato momento, sentada na minha frente na sala de estar da Catarina. A Natália Gualberto é o sonho de consumo de qualquer homem não boila da face da terra. Sério, ela é absurdamente linda, o rosto fino, com maçãs proeminentes, adornado por uma natural cabeleira ruiva, de cacheados fios compridos, naturais e sedosos. Os olhos são de um verde esmeralda misterioso que fazem você se perder neles, ávido por roubá-los para si... Para completar a festança, ela tem um corpaço, bem definido, e gestos graciosos e sensuais, capazes de deixar qualquer bailarina morta de inveja (então, nem preciso dizer o quê esse mesmo corpo pode fazer com um homem, não é?). Um detalhe importante só para o caso de você, leitor, ser muito burro e/ou tapado no amor: ela é a garota que me referir anteriormente, a princesa que me expugnou e levou de prêmio meu coração.

- Desculpe, mas nós estamos no meio de um trabalho que vale dez pontos e que deve ser entregue daqui a dois dias e vocês duas estão perdendo tempo conversando sobre uma gincana que só ocorrerá daqui a um mês?- indagou Gabriela, retirando os olhos escuros do livro de História para encarar a Catarina e a Natty. Obviamente, ela estava certa e era a única garota com som senso do trio que me acompanhava. Porém, conheço a Natália desde à alfabetização e sei muito bem o estrago que ela pode fazer quando é impedida conversar sobre um assunto que deseja, mesmo que no momento esteja no meio de uma prova. Portanto, para o bem da minha integridade física, me mantive o mais imparcial possível a esta conversa, pregando meus olhos cinza na imagem de Robispierre do meu livro. E, cara! Que cabelinho ridículo ele tinha! Pergunto-me se daqui a quinhentos anos, os estudantes do futuro olharam para as fotos de pessoas importantes que marcaram a minha época e dirão o mesmo que eu.

 - Sim, estamos!- Natty respondeu em um tom nitidamente sarcástico e um sorriso cínico naqueles lábios vermelhos carnudos - E você está bancando a cdf anti-social que estraga uma conversa de extrema importância.

Mesmo sem fintar a cara da Gabriela, eu podia sentir a expressão de espanto que se formou em seu rosto, como se a Natália tivesse lhe dado uma bofetada na cara. E, sinceramente, não consegui me sentir mal por ela. Desde a quinta série, nós sempre fazemos trabalho em equipe: eu, a Gabi, a Catty e a Natty. Logo, ela já devia ter aprendido a não contrariar a vontade da ruiva.

 - Bom, eu não precisaria bancar a “cdf anti-social” se você e a Catarina fizessem o favor de, uma vez na vida, cumprirem com sua parte no grupo e não deixassem tudo nas minhas costas e nas de Gabriel!!!- a garota protestou, agora ficando extremamente irritada. E se tinha uma coisa que eu admirava na Gabriela, era sua força de vontade em tentar transformar duas garotas extremamente paqueradoras e relapsas, como a Catarina e a Natália, em alunas responsáveis. Especialmente porque isso necessitava de uma grande coragem para desafiar a voluntariosa da Natty e uma extrema paciência para repetir os mesmos sermões que ela geralmente não escutava e nunca seguia.

 - Eu acho que o Gabriel não se incomoda de ter pessoas enfiando coisas nas costas deles!- Catarina provocou, com um sorriso maldoso. E mesmo estando acostumado com minha fama de gay, esse comentário me tirou do sério. Levantei os olhos para minha ofensora e estava abrindo boca para dar-lhe uma resposta bem cruel quando a Natália derrubou seu copo na mesa, melando todas as anotações e o livro da Catarina de coca-cola.

- Ah, desculpe!- Natty pediu de um jeito tão falso que me lembrou aquelas vilãs de novela e, por um breve momento, tive a ligeira impressão que ela lançou uma piscadela safada para mim.

- Você está LOUCA?- Gabriela levantou, batendo suas mãos forte na mesa - Sabe quanto tempo a Catarina levou para fazer essa parte do trabalho? E você simplesmente estraga tudo, por um capricho?

- Você é surda? Eu pedi D-E-S-C-U-L-P-A-S!- ela replicou, soletrando a última palavra de uma forma extremamente irritante- Não fiz isso por um capricho.

- Sim, você fez! Eu não sou estúpida, Natália!

- É bom saber que você não é estúpida, Gabriela.- disse Natália- Porque assim eu vou ter certeza absoluta que o meu trabalho de história não saíra prejudicado por você...- ela apontou para Gabi-...e SUA AMIGA...-ela aponto para a Catarina- ..que não fizeram sua parte como deviam!- e, sem dar a Gabriela o devido direito de resposta, Natália simplesmente pegou sua bolsa e seu livro de história e saiu do apartamento da Catarina, deixando sua parte do trabalho em cima da mesa, o quê significa que eu deveria levá-lo para minha casa, terminá-lo e entregá-lo para ela no dia seguinte. Sim, eu sei que a atitude da Natty foi errada e já convivi com ela tempo o suficiente para saber que ela está me usando, e, apesar de ser linda, é uma patty, mimada, arrogante e metida, no entanto, ainda assim eu a amo. Então, por favor, não diga que sou um nerd masoquista fudido, porque já sei, ok?

- Essa garota é impossível!- Gabriela comentou, meneando negativamente ao fintar a porta que Natalia batera com violência. Ela me olhou, como se esperasse um comentário encorajador da minha parte, entretanto apenas dei de ombros, como se dissesse “Eu até que gosto desse jeito dela”. Ok, além de ser um nerd masoquista fudido, sou um cretino por não apoiar Gabriela. Mas, eu sou o melhor amigo da Natty, conseqüentemente devo apoiá-la, mesmo quando ela resolve interpretar a vilã de cinema (o quê acontece sempre). E a Gabriela tem uma melhor amiga para fazer o mesmo por ela, ainda que esta melhor amiga seja a fofoqueira, babaca e falsa da Catarina que agora voltava da cozinha com um pano. É assim que as amizades funcionavam, certo?

- Eu não acredito que você fez isso!- bufou Catarina, indignada, quando começou a enxugar a mesa.

- Isso o quê?- perguntou Gabriela, tão confusa como eu.

- Você contrariou a Natália Gualberto! Você está louca? Ela é a garota mais bonita e popular do nosso ano e você simplesmente a tratou mal!- Catarina respondeu, com raiva, como se a Gabriela que tivesse exercido o papel de vilã.

- Mas, Catty, ela estragou sua parte do trabalho, que, a propósito, você só fez ontem COMIGO, apenas para me provocar!

- E daí? Natália é bonita, popular, inteligente e tem contatos sociais! Ela é a ELITE da nossa escola, então nós devemos aceitar suas atitudes mesquinhas se quisermos popularidade. - Catarina falou, como uma professora de matemática que explicava aos seus alunos como era simples resolver uma equação do primeiro grau. E agora meu queixo caiu. Quero dizer, eu sabia da existência de gente como ela, pessoas que babavam nos astros da escola apenas para ganhar fama e popularidade, porém nunca imaginei conhecer uma, especialmente daquela forma. Eu arrisquei um olhar de relance para Gabriela que passava a mão pelo cabelo, fintando a amiga como se ela tivesse acabado de lhe dizer que, na verdade, ela era um allien que fingia ser humana e tinha um plano maléfico para dominar a terra. E, putz! Eu senti muita pena dela! E como nós, cdfs, somos um sindicato estudantil bastante unido e solidário (exceto quando seu companheiro resolve brigar com o amor da sua vida), resolvi tomar partido da situação e tentar ajudar a Gabriela:

- Isso não vai funcionar com a Natty! Ela não é desse tipo de pessoa.

E meu tom saiu bastante convincente, provavelmente porque não estava mentindo e sim proferindo uma pseudo-mentira. Como assim? Simples. A Natália era egocêntrica e gostava de chamar atenção das pessoas a ponto de ter uma horda de puxadores de saco que crescia a cada ano. E, apesar de devolver a admiração de seus “fãns” dando-lhe um pouco de celebridade, ela gostava mesmo era de andar com pessoas com conteúdo e personalidade, como a Gabriela, razão pela qual a gente sempre fazia trabalho em equipe juntos.

- Ah claro!- chiou Catarina, com sarcasmo- Como se VOCÊ soubesse exatamente como é a Natália.

E agora era eu que a fintava como se ela tivesse despido sua roupa humana e revelado sua verdadeira aparência allien, verde e grotesca. O quê aquela puta estava pensando? Eu conheci a Natty desde meus 3 anos de idade! Aos 7, eu era completamente apaixonado e obcecado por ela e, 4 anos depois, o seu “melhor amigo”, segundo a própria.  Eu sabia EXTAMANETE como ela pensava, agia, sentia, andava, resmungava, respirava... se duvidasse, eu até saberia qual era a cor e estilo da calcinha e sutiã que ela estava usando no momento!

- Bom, eu a conheço o bastante para saber que ofender o melhor amigo dela NÃO é a melhor maneira de arranjar alguma moral com a Natália!- devolvi, agora ficando de pé, ao lado da Gabi.

- Se toca, garoto! Você não passa do amigo GAY dela. Você não é tão importante assim. Você é só um acessório, um puddle que deve está enfeitado de acordo com a sua madame!

Cara, nos meus quinze anos de existência, essa foi a primeira vez que encontrei uma pessoa, ou melhor, uma garota razoavelmente bonita capaz de me deixar muito, mas muito puto mesmo. Eu estava até mesmo pensando em aproveitar a minha fama de gay e dá um soco na cara dela (afinal, homem não bate em mulher, mas não há nada especifico sobre gays, certo?), quando um grito estridente de “Cala Boca!” me desnorteou. Olhei para o lado e vi uma Gabriela com os olhos marejados de lágrima e fintando a melhor amiga com tanto ódio que até mesmo Uriel, a pessoa mais corajosa que conheço, ficaria com medo dela.

- Eu estou farta disso tudo! Estou farta de ter que aturar a insuportável da Natália só porque você acha que é a melhor forma de chegar perto do seu amado Miguel!  Estou farta de perder minhas tardes ou até mesmo madrugar só para que você tirar notas altas e ficar na mesma classe que a Natália! E, principalmente, eu estou estupidamente farta de ter que presenciar você insultando a sexualidade do Gabriel, chamando-o de gay, só porque você queria está no lugar dele, sendo a melhor amiga da Natália!- Gabriela explodiu, falando com um tom elevado, suas mãos cerradas com força como se quisesse transferir para elas o ódio que sentia no momento.

- Só porque o Gabriel é gay e você não tem chances com ele, isso não significa que devo largara a única forma de chegar no Miguel e...- mas o quê a Catarina ia dizer, eu nunca soube, porque sua amiga a cortou.

- O GABRIEL NÃO É GAY, ENTÃO PARE FALAR ISSO DELE!- disse, praticamente, gritando. E se a Catarina tinha virado uma allien, nesse exato momento, após pronunciar essa frase, a Gabriela se transformou em um anjo com aparência de Angelina Jolie bem na minha frente. Ela era a primeira pessoa do planeta, depois de mim, claro, que sabia que eu era hetero. Aquilo era mágico. Um milagre. Um presente divino- E QUER SABER DE UMA?-continuou, guardando suas coisas na sua mochila- EU ESTOU INDO EMBORA!- terminou, atirando a mochila com violência nas costas e saiu do apartamento da Catarina, batendo a porta com tão ou mais força que a Natty.

É claro que eu não sou burro de ficar na casa da idiota da Catarina, enquanto a única garota que pensa que sou hetero vai embora completamente irada. Então, eu enfiei minhas coisas (e as de Natty) de qualquer jeito na mochila, saí do apartamento da extraterrestre fechando a porta delicadamente (após duas pancadas daqueles, a pobre coitada merecia um pouco de respeito) e percebi que o elevador, no qual Gabriela provavelmente deveria está dentro, já estava quase no oitavo andar.

Sem pensar duas vezes, fui para escadas e desci os 12 andares do prédio da Catarina o mais veloz que podia, pulando e tropeçando em alguns degraus, me esbarrando várias vezes na parede, desesperado em chegar no play antes que a Gabriela desaparecesse de lá. Só que Deus estava sendo um cara super gente fina nesse dia e, quando sai da escadaria, encontrei a Gabriela parada um pouco antes da portaria, tentando se acalmar!

-Gabriela!- eu gritei, super empolgado, enquanto corria na direção dela, ofegante. O quê foi uma estupidez porque, no segundo seguinte, eu tropecei e cai de cara no chão. Ela podia saber que não era gay, mas depois dessa cena, com certeza, perceberia que eu era um grande idiota.

- Gabriel!- ela exclamou de volta, preocupada, correndo na minha direção e me ajudando a me levantar- Você está bem?

Eu tive vontade de responder “Se estou bem? Você é a única garota da face da terra que percebeu que sou um hetero e que pode acabar com minha solteirice eterna, e você acha que eu não estaria bem?”, mas meu joelho e queixo ardiam demais, além do meu cérebro ter me dito que aquilo não era uma boa coisa para se dizer naquele momento. Então, murmurarei um “Sim, estou bem”, deixando-a me ajudar a me levantar e me guiar até umas cadeiras de plástico do playground do prédio, onde sentamos.  

Um silêncio estranho caiu sobre nós que me fez ficar um tanto incomodado e comecei a pensar em algum assunto para puxar, no entanto, tudo que vinha em mente era a aula de Movimento Uniformemente Variado que estudamos na aula de física nessa manhã e não achava que seria um bom assunto para impressioná-la. 

- Eu sinto muito pelo comportamento da Catarina...- ela disse subitamente, o quê me fez levantar os olhos da mesa de plástico e encarar o rosto dela. E foi naquela hora que eu me toquei que ela era bonita. Uma beleza bem diferente da Natty, pois tinha uma pele morena que combinava bem com seus cabelos negros e lisos. Os olhos eram de uma cor escura, como a noite, e eram um pouco puxados no canto, o quê me fazia perguntar se possuíam alguma descendência oriental.  Ela era quase do meu tamanho, ou seja, deveria ter em torno de 1,64 a 1,66 no máximo. Não dava para ter uma noção exata do seu corpo, porque sempre a via de uniforme do colégio e, convenhamos, não há nada mais broxante para uma mulher vestir do quê aquelas calças jeans e blusas horrorosas.

- Tudo bem. Eu já estou acostumado com as pessoas me chamando de gay...- eu confessei, dando de ombros, tentando entender o motivo de nunca ter parado para analisar a Gabriela com o olhar masculino apropriado. Eu tinha feito isso até com a Catarina, que odeio, porém nunca com a Gabriela que, segundo todo mundo na escola, “seria minha alma gêmea, se EU não fosse gay”. Aquilo era muito esquisito.

- Você não deveria! Não são as outras pessoas que devem dizer qual sua opção sexual e sim VOCÊ!- Gabriela protestou, indignada, quase como se fosse ela que tivesse fama de homossexual- Especialmente quando você não é!

-Como...?- eu perguntou, minhas sobrancelhas totalmente erguidas diante da reação da garota- Como você sabe que eu não sou gay e que você não está, como as outras pessoas, definindo a minha opção sexual?

Certo. O quê acabei de dizer soou como “Hey, sua idiota, eu sou gay, vê se me deixa em paz” e me arrependi em seguida por ter dito isso. Só que tenho direito de parecer um total idiota após descobrir que Deus não me odeia tanto quanto imaginava e me mandou um anjo da guarda bonita e inteligente para me livrar da desgraça que Ele mesmo me colocou.

-...- Ela ficou muda por um instante e um leve rubor surgiu em sua face trigueira- Eu andei lhe observando....

- Você o quê...?- inquiri, pois apesar de tê-la escutado direito, não conseguia acreditar na minha sorte.

Ela suspirou, como se buscasse coragem para concluir sua confissão, e continuou.

- Eu andei observando você, desde a quinta-série, quando nosso professor de matemática disse que formamos um belo casal. A Catarina passou a semana inteira dizendo que isso seria verdade se você não fosse gay, então comecei a lhe observar, nas aulas, fora das classes, no pátio, na biblioteca, nos trabalhos em grupo, nas provas... em fim, em todas as oportunidades em que estávamos juntos, eu analisei o seu comportamento para saber se nós realmente formamos um belo casal e cheguei a conclusão que você não é gay. Você foge de todos os garotos gays que seu irmão e irmã lhe apresentam, já deu fora em cinco garotos que estão na moda flex, você não olha mais do quê uma vez para cara dos nossos colegas, mas costuma prestar muita atenção nas meninas das nossas salas (e de outras também). E, nas aulas de físicas, você praticamente come nossa professora Fernanda com o olhar. Você não é gay, nem bi, mas totalmente hetero.

- Uau!- foi a única coisa que consegui exclamar depois da analise dela do meu comportamento.

- “Uau”?

- É, uau!

- O quê isso significa?- ela perguntou, franzido o cenho.

- Significa que vou comprar uma bíblia, freqüentar semanalmente a Igreja e ceder altas quantias para os padres a acharem novos fieis para sua doutrina e deixá-los totalmente ignorantes e alienados. - eu brinquei, sem acreditar realmente que finalmente tinha encontrado uma garota que se interessou em mim a ponto de me observar por quatro anos.

- Desculpa, mas eu ainda não entendi. –ela confessou, olhando-me totalmente confusa.

-Se você tivesse entendido, então seria Deus, o quê graças a Ele, você não é...- e ao ver que a garota me olhava como um louco, acrescentei- Esqueça. O meu “Uau” significa muito obrigado.

- Obrigado por...?

-Obrigado por gastar parte do seu tempo analisando meu comportamento e percebendo como sou de verdade. – completei, sorrindo para ela - A maioria das pessoas olharia para mim e ficaria desapontada em constatar que o irmão do Thomas é um CDF, tímido, feio...

-... você não é feio!!!!-ela protestou.

- Eu estou para o Thomas como o Cyrano de Bergerarc está para Cristiano! Eu não culparia e nem ficaria surpreso se minha Roxana se apaixonasse por ele!-repliquei

- Gabriel, você pode não ter coragem para se aproximar da garota que ama como Cyrano, entretanto não é narigudo e feio. E o Thomas pode ser tão bonito e atraente quanto o Cristiano, mas é gay, então, definitivamente, a chance dele roubar a sua “Roxana” é zero.- ela treplicou.

- Uau!- repeti de novo, fintando-a novamente estupefato.

- De nada!- ela respondeu, com um leve sorriso.

- Como?

- Você disse que seu “Uau” significava “Obrigado”, estou então lhe dando a devida resposta ao seu agradecimento!

- Ah, não! Esse “Uau” agora não significou obrigado e sim “Eu não acredito que encontrei uma garota que tem a mesma idade que eu e leu Cyrano de Bergerac de Edomond Rostand!!”- eu expliquei, ainda surpreso.

- Eu não sabia que o “Uau” podia significar tantas coisas diferentes. Acabo de descobrir o porquê das minhas notas em português, literatura e redação serem menores que as suas...- ela brincou, rindo.

- Se você quiser, posso escrever uma monografia sobre os diferentes significados do “Uau” para que suas notas agora se igualem as minhas!- respondi, entrando no clima.

- Isso seria de grande ajuda. Obrigada.

- De nada!- eu falei e, não sei o quê deu em mim, talvez um surto temporário devido à alegria em está em frete a uma garota que nota toda minha essência máscula, mas, quando dei por mim, apoiei meus cotovelos em cima da mesa e tentei imitar um daqueles sorrisos sedutores eficiente do Thomas- Eu também posso lhe agradecer de outras formas.

Ela levantou os olhos negros para mim por alguns segundos e em seguida os abaixou, com uma expressão de alguém que está segurando gostosas gargalhadas.

- Hãããã... falei algo que não devia?- perguntei, enquanto me xingava mentalmente e me esforçava em manter o sorriso sedutor no rosto.

- Não, você não falou nada que não devia é só que...-ela começou, sem completar, meneando a cabeça negativamente sem conseguir mais segurar os risos.

-O quê?- questionei, percebendo o tom aflito em minha voz. Quando foi que eu tinha saído de um filme de romance e ido parar em um de comédia tão rapidamente?

- É sua cara!- ela disse, depois de um tempo receiosa- Desculpa, mas você fez uma expressão muito estranha no rosto agora e ficou realmente engraçado.

-Ah!- exclamei, tirando do rosto a tentativa frustrada de imitar o sorriso Colgate de Thomas e sentindo meus ombros se curvarem, enquanto uma voz em minha mente não parava de dizer “Seu nerd idiota, recolha-se a sua insignificância!”

- Você pode me agradecer de outras formas- Gabriela falou, tentando me animar- Por exemplo, você podia me acompanhar até minha casa. Eu não agüento mais ficar neste lugar. Já é noite e estou cansada.

-Boa idéia!- elogiei, me sentido um perdedor-mor. Com certeza, ela só tinha dito aquilo como um prêmio de consolação por eu ter sido tão idiota e patético a ponto de fazê-la rir e esquecer o dia ruim que teve- Qual ônibus que você pega para ir para casa?

- Ah... eu... hm... eu tenho um motorista me esperando lá fora...

- Quê? Um motorista?

-É...

-Tipo, um cara de certa idade que usa um uniforme, chapeuzinho ridículo e se chama James?- perguntei, espantado.

- Não, este é o mordomo da minha casa...

- SÉRIO?

- Não!- ela exclamou, rindo- Meu motorista não usa uniforme, chapeuzinho e nem se chama James.

- Que chato!- disse, fingindo desapontamento.

- Nem me fale. Tive que fazer 6 anos de acompanhamento psiquiátrico para superar esse trauma!- ela falou, brincalhona.

- Ok, mas se há um James...

- Ele se chama Antônio.- ela retificou!

- Se há um Antônio lhe esperando lá fora...- eu disse, me corrigindo ao me levantar-... então, não tem porque eu lhe acompanhar até em casa.

- Aquilo foi um exemplo hipotético. Porém, eu posso lhe acompanhar até em casa, ou seja, lhe dá um carona!- Gabriela sugeriu, pegando suas coisas e levantando-se também.

- Só que eu sou o HOMEM da relação, então cabe a mim a parte de deixá-la em casa!- respondi, estufando o peito orgulhoso, apenas para fazê-la rir.

- Você tem fama de gay!- ela protestou, começando a andar ao meu lado- Nenhuma das funções que cabe um homem se aplicam a você.

- Hey!- exclamei, novamente em falsa indignação- O fato de ser gay, não muda que nasci homem, então não altera minhas funções.

- Certo, vamos ver as coisas por outro ângulo!- ela disse, segurando meu braço e me fazendo parar.  Eu me virei, de forma que ficássemos frente a frente, enquanto ela prosseguia- Eu sou rica, você é pobre. Vivemos em um mundo capitalista no qual quem manda é quem tem dinheiro. Tenho mais dinheiro, logo mais poder. Eu sou a burguesia e você é proletariado. Então, cale a boca e me obedeça.

Preciso dizer que fiz exatamente o quê ela mandou? Quero dizer, se uma garota bonita, inteligente, simpática, rica que sabe que você não é gay quer te levar em casa e até mesmo utiliza métodos autoritários para conseguir isso, por que diabos você a questionaria? Eu apenas bati continência para ela e a segui silencioso para fora do prédio da Catarina.

- Ah, por favor! Não fique mudo! Fale algo!- ela pediu, assim que entramos no carro.

- Você mandou calar a boca!- respondi, divertido.

- E agora ordeno que você fale!- Gabriela disse, imitando o ar autoritário de uma rainha falando com seu súdito.

- Sobre o quê, mademoiselle?

- Sobre... Cyrano de Bergerac de Edomond Rostand!

- Ele era feio e narigudo!- foi à primeira coisa que veio a minha mente.

- Esforce-se, criado!- Gabi ordenou, agora encarnando a sua personagem tão bem que me vez rir.

- Ok. Eu odeie o livro!

- Por quê?- ela perguntou chocada.

- Porque o cara feio e desejeitado ama perdidamente a mulher, mas  acaba morrendo sem nunca pegá-la. Isso retrata a realidade e mostra meu destino!

- Isso só aconteceu porque ele não teve coragem de se confessar desde o inicio!

E sim, caro leitor, enquanto Gabriela me dava carona para casa, nós passamos o tempo todo debatendo o livro de Edomond. Como você nunca deve ter se dado ao trabalho de ler uma obra tão boa como essa, lhe pouparei de contar os detalhes minuciosos de nossa conversa, resumindo-a em uma palavra: perfeita. Naquela hora, eu realmente entendi a razão de todo mundo achar que eu e Gabriela fomos feitos um para o outro: nós éramos dois estudiosos que amavam ler. Entretanto, estava tão empolgado com ela que nem me perguntei o motivo dela ser assim. Quero dizer, sou um estudioso que ama ler não só porque sinto um prazer no mundo da literatura, como também por viver em um ambiente onde todo mundo acha que sou gay. Nenhuma garota jamais se interessou por mim, portanto eu tinha bastante tempo livre e precisava gastá-lo fazendo alguma coisa que me proporcionasse um escape da merda da realidade em que vivia. Só que nunca perguntei o motivo da Gabriela também usar essa fuga. Quero dizer, ela é bonita, inteligente, rica e simpática. Um partido como ela já deveria ter arranjado um namorado, mas lá estava ela, totalmente solteira, dando bola (talvez) para um garoto que tem fama de gay. Com certeza, ela tinha um motivo tão forte quanto o meu. Só que eu estava tão feliz que nem me questionei nisso, acreditando, pela primeira vez, que a minha vida tinha entrado em um momento bom. Um grande equívoco, pois, como disse no início do capítulo, as coisas estava ainda no “ruins” entrando no “muito ruins...”


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